Ilusões
O trem partia docemente. Da janela, a
outra olhava para a ausência na plataforma. Não queria partir. Não mais
voltaria. Para aquela cidade, para as doces palavras, os abraços, o corpo, as
promessas de “Um dia, sós”.
Aquela pinta na face esquerda de Maria o
fez lembrar da Marilyn. Teve vontade de beijá-la, lambê-la. Ali mesmo. Dentro
da pinta, Mário via a boca, os olhos, os seios, a bunda, as pernas da atriz. Ela
o enfeitiçara. Desejava Marilyn.
Maria
não fugiu dos seus olhares. Ele era charmoso, vestia-se bem, viajara muito,
tinha um bom papo. Por que a escolhera? Era jovem, mas não era bonita, nem de
rosto, nem de corpo. Se despediram.
Mayra o conhecia bem. Até demais. Quinze
anos casados. Agora, ele distante, ausente e muitos filmes da Marilyn.
Breves encontros. Cafés, almoços,
jantares. Ia tudo bem. O querer não tem lugar, hora ou razão. Maria e Mário foram
a um motel. Conversaram muito. Mário falou sobre sua adolescência. Explorou
todo seu corpo, perguntando sobre outras pintas. Não transaram. Só carícias, palavras,
buscas e buscas.
Mayra e Mário eram bons de cama, mas não
tinham filhos. Agora, com muita insistência de Mayra, transas esparsas, diferentes.
Mário longe, ausente.
A
pinta era única. Era linda. Na face esquerda, como a Marilyn. Encontravam-se no
motel todas as quintas à tarde. Não
transavam muito, Mário só se excitava e gozava olhando a pinta e imaginando
estar com ela. O tempo passava, eram felizes e Maria esperava, ansiosa.
Atraso
da menstruação. Gravidez? Abortaria?
Hoje,
deitados na cama, Mário me disse que precisaríamos dar um tempo. Mayra engravidara.
Gravidez de alto risco devido à idade. Não poderia arriscar e complicar a
situação. Nosso “enfim sós” teria de esperar.
O
trem partia docemente. Da janela, eu olhava para a ausência na plataforma. Não
queria partir. Não mais voltaria. Para aquela cidade, para as doces palavras,
os abraços, o corpo, as promessas de sós, um dia.
Luiz Gavri
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