Últimos
anos dos sessenta, eu tinha cerca de doze anos. Passava na Globo a
novela " A rainha louca". Mesmo sendo um garoto ativo e
desassossegado, eu parava tudo para ver a novela. E por causa da
novela tive o primeiro ímpeto de escrever alguma coisa, um conto! A
novela era tão louca quanto a rainha que lhe dava o título.
Passava-se no México, na segunda metade do século XIX, durante as
lutas pela independência daquele país. Tinha, portanto, um fundo
histórico real. Contava a triste e verdadeira aventura de
Maximiliano de Habsburg e sua jovem esposa Charlotte, princesa da
Bélgica, ambos convencidos por Napoleão III a embarcar na canoa
furada de serem imperador e imperatriz no explosivo país de Benito
Juarez. O jovem e elegante ator Rubens de Falco interpretava
Maximiliano e a bela e talentosa Nathalia Timberg, Charlotte
(Carlota). Havia duelos de espadachins, ataques de índios,
sociedades secretas e a incrível história do índio ignorante,
rústico peão de fazenda, que aproveitou o desmaio da sinhazinha que
o desprezava, e pela qual era apaixonado, para comer a sinhazinha.
Comer não no sentido antropofágico, como era costume de muitos
índios, mas no sentido amoroso. Depois o índio foi levado à
Europa, educou-se e tornou-se garboso cavalheiro que acabou por
conquistar o coração da sinhazinha que, outrora, o desprezava. Ela,
então, o apresenta ao filho concebido naquela noite do
desmaio (antigamente, era muito comum mulher desmaiar).
Pois é, mas o que mais chamava a minha atenção era a sociedade
secreta, da qual fazia parte um misterioso personagem interpretado
pelo ator Paulo Gracindo. Na trama, a tal sociedade tinha relação
com o sinistríssimo "Poço de Fontainebleu", de onde
vinham, no escuro das noites, pavorosos gritos.
Eu achava
aquilo uma maravilha. Então resolvi escrever uma história. E na
minha história haveria uma escura caverna de onde também sairiam
gritos terríveis; e a caverna teria um nome, seria a "Caverna
de Fontainebleu". Como podem perceber, eu era um garoto
muito original e cheio de imaginação.
Decidi que
precisava de um local reservado para escrever a minha história. O
local escolhido foi o quarto da empregada. Enquanto a empregada
cozinhava, eu escrevia. Eu gostava do quarto com a empregada dentro,
especialmente quando ela terminava o banho e trancava a porta para se
enxugar. Era uma rotunda empregada que ocupava todo o espaço do
buraco da fechadura. Mas, para escrever, era preciso ter
concentração.
Acabei o conto e fiquei orgulhoso com o
rascunho nas mãos. Resolvi submetê-lo ao crivo literário da minha
avó, uma contumaz seguidora de novelas e severa professora primária
do interior na década de vinte do século passado. Minha avó
implicou com uma separação de sílabas. Tentei explicar que isso
não era importante no momento, eu gostaria de saber a opinião sobre
o teor literário do texto. Naquela idade eu não sabia explicar
isso, não sabia dizer "teor literário", e o meu conto
ganhou fama de mal escrito. Além disso, fui instado a estudar mais
Português.
Hoje, a experiência daqueles distantes anos
mostra-se atualíssima. E contei essa xaropada toda, apenas para
sugerir àqueles que tenham textos guardados que jamais os submetam a
pessoas que não sejam intimamente ligadas e apaixonadas por
Literatura. Esqueça aquele magistrado "muito culto";
esqueça o amigo inteligente e viajado, leitor de best-sellers;
esqueça o profissional liberal bem sucedido e amigo. Ter cultura e
ser bem sucedido não é aval para examinar um texto. Lembre-se de
que todos são leitores e de que seu texto pode ser amado ou
detestado, como acontece com qualquer escritor. E saiba que a grande
maioria das pessoas, mesmo as chamadas cultas, não estão preparadas
para perceber a arte por si mesmas. É preciso que algo ou alguém
desperte nelas a imaginação. Todos caminham num fluxo, ocupados e
acostumados a se ocuparem com os problemas da vida mundana. É
preciso parar, pensar, perceber, imaginar, sentir. E isso requer um
pouco de tempo de cada um. Não só tempo cronológico, mas tempo
para sair do fluxo a que foi acostumado a viver, um certo tempo
psicológico, que todo ser humano deve ter a obrigação de dar a si.
É sempre possível ter tempo, mas depende da imaginação. E ter
imaginação pode cansar, parece mais fácil permanecer no fluxo.
Portanto, para examinar seu texto, procure alguém envolvido com
Literatura, com a arte; alguém que estude, alguém que ame a língua,
que fale com carinho nos livros, mesmo daqueles de que não gostou.
Alguém sensível, sincero e generoso, amante da Lingua Portuguesa e
leitor voraz. Essas qualidades são imprescindíveis para formar um
leitor mais refinado que poderá emitir um parecer com argumentos
interessantes. A revisão gramatical é mais fácil, um bom professor
resolve.