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31 de agosto de 2017

Goethe e a Solidão: Antonio Rodrigues




“Quando sentimos falta de nós mesmos, falta-nos tudo.”

Outro dia reli o clássico “Os sofrimentos do jovem Werther”, de J. W. Goethe, a procura da frase acima, que o meu esforço de memória não me havia feito recordá-la com precisão. A certa altura, finalmente, a encontrei na página 75 da 6ª edição da editora Estação Liberdade.

A pós-modernidade, de certa forma, nos roubou a experiência da solidão. E não só nos roubou como nos legou uma verdadeira ojeriza, um inaudito pânico da solidão. A solidão vista assim é um mal a ser evitado, preenchido com mil coisas, pois ela pode nos levar a experiência da depressão (?).

Mas o que seria a solidão? Em abordagem sobre o tema, a Revista Superinteressante traz a fala do psicólogo existencial Jadir Lessa, que recorre a Heidegger:

“O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) afirma em Ser e Tempo que estar só é a condição original de todo ser humano. Que cada um de nós é só no mundo. É como se o nascimento fosse uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte. Podemos nos conformar com isso ou não. Mas nos distinguimos uns dos outros pela maneira como lidamos com a solidão e com o sentimento de liberdade ou de abandono que dela decorre, dependendo do modo como interpretamos a origem de nossa existência. O homem se torna autêntico quando aceita a solidão como o preço da sua própria liberdade. E se torna inautêntico quando interpreta a solidão como abandono, como uma espécie de desconsideração de Deus ou da vida em relação a ele. Com isso abre mão de sua própria existência, tornando-se um estranho para si mesmo, colocando-se a serviço dos outros e diluindo-se no impessoal. Permanece na vida sendo um coadjuvante em sua própria história.”

Não quero aqui definir nada sobre essa questão complexa da solidão. Quero apenas provocar-lhes uma reflexão. Será que a pós-modernidade nos fez chegar ao ponto de sentirmos falta de nós mesmos? E sentir falta de nós mesmos seria a expressão máxima do vazio existencial? 

Antonio Rodrigues
Deixo aqui outro belo fragmento de "Os sofrimentos", na página 22 da edição citada, uma contribuição da literatura à reflexão sobre a urgente questão da solidão, uma questão do nosso tempo , mas também  uma questão intemporal do homem. Um possível encontro de "si consigo mesmo", e daí um encontro fecundo com o mundo:  

"Volto-me para dentro de mim mesmo e encontro um mundo! Mais de pressentimentos e desejos que de raciocínios e forças vitais. E então, tudo flutua ante meus olhos, sorrio e sonhando penetro ainda mais neste mundo."


29 de agosto de 2017

Luís Antônio Pimentel




Caros amigos,

Hoje (7/5/2015) saiu no Segundo Caderno dO Globo, página 7, uma breve história de Luís Antonio PIMENTEL no obituário. Está bastante clara e é imperdível para todos os brasileiros conhecerem melhor um dos maiores escritores brasileiros, além da pessoa maravilhosa que sempre soube ser, aproximando as pessoas, contribuindo para a literatura, a fotografia, o jornalismo, sempre sorridente, com uma memória prodigiosa. Sempre que eu queria saber algo relativo à história fluminense, ou à política brasileira, era PIMENTEL que eu procurava. 

Ainda estou muito triste. Ele será inesquecível. 

Minha proposta de EDUCAÇÃO LITERÁRIA como metáfora Social tem sido provocar novas reflexões sobre os paradigmas impostos nos estudos da literatura brasileira. O processo de educar através da literatura é a representação simbólica dos espaços sociais de cidadania, mas nem sempre procuramos ampliar os limites, estimular a leitura da verdadeira literatura brasileira nas escolas, nas universidades. Incluir a obra de PIMENTEL nas escolas e universidades será uma perfeita contribuição para estimular novas leituras sobre a verdadeira literatura brasileira.  Além de historiador, fotógrafo e jornalista, foi certamente um dos escritores brasileiros mais conhecidos no exterior. 

A agenda Poética da Associação Niteroiense de Escritores de 1994 foi dedicada a Luis Antonio PIMENTEL. 

O Poesia Sempre de dezembro de 2002, ano 10 número 17, foi dedicado à 'grande poesia e cultura do Japão' e a Luis Antonio PIMENTEL, que aborda não apenas a formação do 'haicai', mas, sobretudo, certos matizes do pensamento oriental, após longa residência no Japão. 

O artigo tem por título 'A Poesia e suas demandas'. 

'Quem ainda não viu, ora em ouro, ora em prata, ora em madrepérola, uma porção de garatujas exóticas mas decorativas, arabescando o negror invejável e luzidio de uma caixa de charão? Não há quem ainda não as tenha visto e mesmo admirado. Viram nas casa de charão, nos vasos enramados de cerejeiras e ameixeiras floridas, nas lanternas de Gifu ou Odawara, nos leques cromados, nas ventarolas delicadas de bambu e papel, ou nas finíssimas xícaras de chá que o Japão exporta para o mundo inteiro. É sobre esses arabescos  retorcidos, que são quase sempre maravilhosos poemas de rara delicadeza e emoção,  quer pelo seu tamanho reduzido, quer pela sua essência, que escrevemos hoje. Esses arabescos são poemas de 31 sílabas, que formam as famosas poesias 'waka' (pronuncia-se 'uaca') e haicai - mostra magnífica do espírito delicado dos nipões, que parecem ter nascido para a arte, para a literatura. 

Embora os japoneses tenham herdado muito da cultura chinesa, através do budismo que ali chegou, atravessando a península da Coreia, no ano 600 da nossa era, quando adotaram a escrita chinesa, os caracteres chineses que chamam de 'Kan-ji' (letra ou ideograma da dinastia Kan) a waka e o haicai são poesias genuinamente japonesas. São poesias sóbrias, delicada e complexas como o povo japonês. 

A poesia espelha bem a alma de um povo. Uma nação cujos súditos se dedicam ao 'Bon-Kei', confecção de paisagens em miniatura, ao Bon-Sai', árvores anãs de 10 centímetros de altura ou pouco mais, florescendo e frutificando, ou escrevem poemas em grão de arroz, não poderia ter como poesia nacional, como não tem, uma composição agigantada. De uma síntese absoluta, essas poesias, que vêm desde o ano 840 a.C., serviriam para, com ótima documentação, rotular os 'marinetti' que andam por aí falando em modernismo, como ridículos, ridiculíssimos e bolorentos passadistas. A 'waga', que é poesia típica, vem desde a Era dos Deuses, quando o Japão era todo um céu. Foi, sem dúvida alguma, Susano-wo-no-Mikoto, irmão da Deusa Sol, fundadora do Império do Sol Nascente, quem compôs a primeira 'waka', que não se perdeu em sua trajetória através dos séculos. 

(....)

Há mais de 1.100 anos foi publicada a primeira obra clássica de 'waka', intitulada Manyo-shu. primorosa coletânea de poesias feitas por poetas de todas as castas, desde imperadores até soldados e agricultores, que ainda em nossos dias é editada, lida e comentada pelo seu grande valor como documento histórico. Os poetas máximos dessa época foram Hitomaro, Akahito, Okura, Yakamochi e outros. 

Mais tarde, na era do imperador Daigo (ano 922 da nossa era) foi compilada uma outra coletânea, ou melhor, uma antologia não menos notável, intitulada 'Koshin-shu' (coletânea de antigas e novas 'wakas'), de onde selecionaram os 100 poemas célebres que estão ornamentando as cartas usadas para jogar durante os dias festivos do ano-novo no Japão. Essa nova obra veio enriquecer sobremaneira a poesia japonesa, lançando nomes com Tsurayuki, Narahira e a poetisa Komachi, que marcou época no Império das Cerejeiras em Flor, ficando famosa não somente pelo seu talento invejável, pela sua inspiração divina, mas, principalmente por sua incomparável beleza. Seu nome ainda hoje no Japão é empregado como sinônimo de mulher bela e talentosa. 

Daí por diante, várias séires de 'waka' surgiram, mas já sob o controle do governo, sem contudo, lograr o sucesso marcante, definitivo, absoluto das publicações anteriores. 

(...)

No século XIII, com o evoluir da 'waka', surgiu um novo tipo de poesia que se chamou 'renka' (poema em sequência). Tornou-se hábito dois poetas ou mais comporem, alternativamente, em 14 sílabas métricas um poema do tipo tams peomas 

Tenho sua obra completa e a cada releitura mais me interesso, com as revelações construídas em sua própria vida, viajando e desenvolvendo sempre o diálogo com as pessoas, com a cultura, com a sociedade, com a vida. Foi o introdutor do Haicai no Brasil, em sua versão original: jornalista, morou no Japão e foi radialista da Rádio Meus alunos também ficam emocionados quando descobrem a profundidade dos textos, de forma simples e profunda. E quando descobrem o verdadeiro 'haicai', querem sempre saber mais e escrever os seus. 

'O que o haicai?
É o cintilar das estrelas
na gota de orvalho.'


Para apresentar seu trabalho em congressos no exterior, fiz a versão em inglês: 

'What is a haicu?
It's the dazzling of stars
on a drop of dew.


Ele também foi a capa da Agenda Cultural de Niterói, em março de 2012. Guardo dentro da carteira um cartão com seu retrato, e meu marcador de páginas é com fotos de PIMENTEL, sob a faixa 'Escritores ao Ar Livro'.

Na parede sobre o piano, tenho um pequeno quadro pendurado, dizendo

'Cyana Leahy-Dios.
Musical e sem fermata,
Teu nome é um acorde'.


A saudade será eterna. Seu exemplo de vida deve ser modelo para todos nós. Ainda estou muito triste e jamais esquecerei tudo o que fizemos juntos, com a presença maravilhosa da ZULEICA! Amigo maravilhoso, insubstituível, inesquecível. Ainda bem que conseguiu receber todas as homenagens prestadas, merecidamente!

Abraço carinhoso,




Cyana Leahy
Professora Universidade Federal Fuminense
PhD em Educação Literária (London University)
Autora de 18 livros de poesia, prosa literária, pesquisa acadêmica publicados pelas editoras Autêntica, Casa da Palavra, CL Edições, EdUFF, Franco, Martins Fontes, Papirus, 7 Letras
Contos Tradicionais Irlandeses (Franco Editora) recebeu o prêmio 'Ireland Literary Exhange Award, Dublin, 2005 por divulgar a literatura irlandesa no exterior. Todos os Sentidos: contos eróticos de mulheres (em co-autoria, foi premiado como 'melhor livro de contos de 2004', pela União Brasileira de Escritores. 
Tradutora de obras literárias e acadêmicas, publicadas pelas editoras Casa da Palavra, Bertrand, Fraiha, Martins Fontes



26 de agosto de 2017

Revivendo leituras passadas - Brave New World: Aldous Huxley

BEM VINDOS AO ADMIRÁVEL MUNDO NOVO!



Artista/Música: The Strokes- Soma
Livro: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley
Letra (Original/Tradução):
Soma is what they would take when
Hard times opened their eyes
Soma é o que eles tomariam quando
Tempos difíceis abrissem os seus olhos
Além disso: Soma é o nome dado por Huxley a um alucinógeno no livro. A droga também é referência deThe Smashing Pumpkins e Deadmau5 em suas canções com mesmo nome.




O, wonder! 
How many goodly creatures are there here!
How beauteous mankind is! O brave new world,
That has such people in't!

The Tempest - Act 5, Scene 1
Shakespeare


Oh, Google! Nosso mundo ainda é mais admirável do que imaginou Huxley, que não previu CD, DVD, Blu-ray, i-Pods, Tablets, ... Mídias continuariam sendo rolos de fita. Celular, Internet, então, nem pensar. O Ford!

Ó mais que admirável clube de leitura 
como é bom pertencer a um clube assim!


E ainda mais admirado fiquei quando descobri pelo livro de Huxley que não foi Arthur C. Clark quem previu a colocação em órbita de satélites artificiais, mas Shakespeare. É isso mesmo: Shakespeare!
Capa do DVD

“I”ll put a girdle round about the earth / In forty minutes” 
(Sonho de uma Noite de Verão, II, 1).

Somente velocidades orbitais conseguem ir tão rápido, "se vocês entendem do que estou falando"!


Ford dos calhambeques, está na hora do meu ½ grama de soma!!!


Beija-me, abraça-me com rudeza;
Esgota-me até o coma;
Conserva-me a ti presa;
O amor é como o soma.


"Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, foi escrito e publicado bem no início dos anos 1930, pouco mais de vinte anos após o lançamento do primeiro Ford Modelo T (1908), carro-símbolo da revolução que o industrial Henry Ford implementou, não só na indústria automobilística, mas no próprio capitalismo, aprofundando o sistema produtivo vigente até então. A “linha de montagem” e a produção em massa passaram a ser a regra em toda a indústria.

Charles Chaplin mostrou e criticou com ironia essa "novidade" da época, no seu excelente "Tempos Modernos". O que notabilizou Ford foi isso: a criação da linha de produção moderna, ou seja, um sistema encadeado, onde o trabalho é dividido em etapas e cada operário faz só a sua etapa. Este sistema era "mais lógico" e mais rápido e economicamente mais interessante para o capitalista. O projeto de Ford era fazer um carro tão barato que seus próprios empregados pudessem comprá-lo. A cor preta era mais barata e secava mais rápido, o que determinou sua utilização no modelo que ficou famoso nesse esquema: o Ford T (no livro, os personagens fazem o sinal do T no peito, ao invés do sinal da cruz, indicando seu respeito à 'divindade' Ford).

Antes de Ford, a visão do trabalho ainda era impregnada pelo conceito artesanal medieval, algo romântico, em que um trabalhador produzia quantas peças inteiras conseguisse fazer. Embora já houvesse a divisão do trabalho, apontada por Marx no século 19, foi Ford quem radicalizou o processo produtivo, acabou com o “trabalhador-artesão” de vez e consagrou a "produção em massa". Que, não nos iludamos, veio para ficar; mas sem dúvida trouxe consigo um certo conceito de "transformar homens em máquinas", daí a crítica bem-humorada mas contundente de Chaplin em seu filme. Acho que Huxley foi por aí, radicalizando o modelo, certamente, a meu ver, com uma ironia cortante. Seu “admirável” (para quem?) mundo novo seria o ápice desse sistema desumanamente esquematizado, voltado exclusivamente à produtividade máxima, à estabilidade dos homens-robôs com seus papéis pré-determinados, divididos profissional e socialmente.

Para o bem ou para o mal, sem dúvida Ford foi um pioneiro, mas não foi de modo algum um "deus"... Depois do enorme sucesso do Ford T, que vendeu horrores, um certo Chevrolet percebeu que as pessoas ja estavam saturadas do modelo T, preto. E lançou carros coloridos, que rapidamente abocanharam uma boa fatia do mercado. Mas o conceito de "produção em massa" ficou... Diga-se, ainda, que Henry Ford foi ativo simpatizante de Hitler. É bem razoável supor que, se o mundo fosse "administrado" por Ford, ele poderia ser mesmo bem próximo do que Huxley imaginou."

16 de agosto de 2017

The Science of Interstellar: Kip Thorne







Einstein's law of time warps: 
everything likes to live where it will age the most slowly, 
and gravity pulls it there.



Tesserato, o hipercubo da quarta dimensão

"These giant walls of energetic matter, separate universes, float side by side, like huge sheets in the bulk/hyperspace. The membranes can be very close to each other, perhaps just a millimeter apart. An entire universe can be attached to a brain, or a universe can occupy the whole of another one. Look, I’m not making this up, I’m perhaps a bit sloppily mashing the concepts together, because indeed, I’m not a physicist nor a mathematician, but someone intellectually and emotionally interested in the subject matter! " (source)



Aurora: protons flying outward from the Sun are caught by Earth's magnetosphere and driven into the atmosphere, where collide with oxygen and nitrogen molecules, making them fluoresce.


The Aurora Borealis in the sky over Hammerfest, Norway

Black holes are made fully and solely from warped space and warped time. They contain no matter whatsoever, but they have surfaces, called "event horizonts", through which nothing can escape... A black hole circunference is proportional to its mass: the heavier it is, the bigger it is. 



From Anne Hathaway to Kip Thorne



  1. What is the relationship of time to gravity?
  2. Why do we think there might be higher dimensions?
  3. What is the current status of research on quantum gravity?
  4. Are there any experimental tests of quantum gravity?

Answers on the way


Do not go gentle into that good night


Dylan Thomas1914 - 1953
Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.


Though wise men at their end know dark is right,

Because their words had forked no lightning they

Do not go gentle into that good night.



Good men, the last wave by, crying how bright

Their frail deeds might have danced in a green bay,

Rage, rage against the dying of the light.



Wild men who caught and sang the sun in flight,

And learn, too late, they grieved it on its way,

Do not go gentle into that good night.



Grave men, near death, who see with blinding sight

Blind eyes could blaze like meteors and be gay,

Rage, rage against the dying of the light.



And you, my father, there on the sad height,

Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.

Do not go gentle into that good night.

Rage, rage against the dying of the light.


Do esplendoroso caos


A Vida Humana em Perigo

 

Êxodo





Não adentre a boa noite apenas com ternura.



Coisas estranhas andam acontecendo na Rússia: buraco  com largura de cerca de 40 m visto na região de Perm.




Livros de referências:

  1. Black Holes and Time Warps: Einstein's outrageous legacy - Kip Thorne;
  2. Cosmology, the Science of the Universe - E. Harrison;


(Se você tem alguma questão sobre o filme, utilize o espaço para comentários abaixo e escreva sua pergunta)


1 de agosto de 2017

Revivendo leituras passadas - A chave de casa: Tatiana Salem Levy


 A Chave de Casa

Abrir a porta de casa,
expulsar os meus fantasmas,
sem disfarce, expor-me inteira
a todos e a mim também.
Apresentar essa estranha,
que um dia, sob os escombros,
os silêncios e segredos,
tentou, em vão, se esconder.

E, agora, livre dos medos,
das amarras do passado,
quer fazer a caminhada
gozando o seu renascer.

(Elenir)




Oi Clube

Sei que já estão iniciando a discussão do livro do Padura, mas, como prometido, registro aqui algumas impressões sobre "A chave de casa".

Na minha leitura, a riqueza do livro encontra-se justamente no intervalo: é uma viagem real ou imaginada? Uma busca do avô ou dela própria? Deseja realmente encontrar a casa e a história dos antepassados ou não? É melhor prosseguir na busca ou desistir? Entregar-se ao amor ou reconhecê-lo como dor?  

Outros fragmentos da literatura revelam este campo tenso do diálogo dos opostos...

"Sou entre mim e mim o intervalo." Fernando Pessoa

"Hesito, logo existo." Lena Jesus Ponte

"Gostaríamos de ver e temos medo de ver. Eis o limiar sensível de todo o conhecimento. Nesse limiar, o interesse ondula, perturba-se, volta. [...] Como aumentam as ondulações de medo e curiosidade quando a realidade não está presente para moderá-las, quando se imagina." Bachelard

"Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida." Clarice Lispector

O desconforto da dúvida, da angústia nos faz dar passos, convida-nos (ou joga-nos) ao movimento. Suportar e ouvir a voz do conflito que habita o intervalo é sinal de vida em transformação.

A própria busca da casa é algo muito simbólico.  No livro A poética do espaço de Bachelard, há praticamente 2 capítulos que falam sobre a casa, vejam alguns trechos:

"Porque a casa é o nosso canto do mundo [...], o nosso primeiro universo.[...] A casa natal é um centro de sonhos. Cada um de seus redutos foi um abrigo de devaneios."

"É graças à casa que um grande número de nossas lembranças estão guardadas; e quando a casa se complica um pouco, quando tem um porão e um sótão, cantos e corredores, nossas lembranças têm refúgios cada vez mais bem caracterizados. A eles regressamos toda a vida em nossos devaneios."

A chave igualmente é um poderoso símbolo, relacionado ao duplo papel de abertura e fechamento, de permitir ou não o fluxo, a passagem, do mistério de penetrar, do enigma a resolver, da coragem de empreender etapas que conduzem à descoberta.

Uma história de uma buscadora, de local (fora e dentro de si) que pudesse florescer e renascer.
Neste sentido, cada palavra do livro equivale a um passo neste caminho.

--
Cristiana Seixas
Biblioterapeuta





Santa Sofia
A Mesquita do Sultão Ahmet
A mesquita azul do anjo

Olá Cliceanos, vamos visitar a Mesquita Azul? Tatiana Salem instigou-me a conhecê-la. 

Conhecer a Turquia, vocês já conhecem? Combinar literatura e viagem, do erotismo ao sacro, percorrendo o centro histórico de Istambul. Ainda não cheguei à metade do livro e já encontrei bastante erotismo na Salem, ao descrever sua relação com o amado. 




Caros amigos do Clic

sempre que leio um livro e a obra apresenta uma ambientação geográfica, tento me situar,  ler/ver outras obras onde eu possa estabelecer novas relações. A chave da casa lembrou-me um filme que assisti cerca de 05 anos e hoje corri atrás para revê-lo.

O TEMPERO DA VIDA - a estória inicia em Istambul, cidade onde a família se sente super ambientada e de repente por questões religiosas,sociais e políticas são deportados para a Grécia. Há uma forte relação do neto com o avô e um grande lirismo permeando toda a trama. Há inclusive uma cena onde o neto volta à casa do avô. Vale a pena ver. Penso que encontrarão com facilidade nas locadoras ou baixando na Internet.

grande abraço,  Joana


Fonte

"Nenhuma palavra dói mais do que a ausência de palavras. Você não é tolo e sabe muito bem disso. Você me impunha um silêncio devastador. Sumia, não dava notícias, fazia de propósito, queria me ver chegar perto da morte, paralisada, sem forças. Eu esperava o telefone tocar, ele não tocava.. E se porventura tocasse, não era a sua voz que eu escutava. Esperava o apito do meu computador avisando a chegada de um novo e-mail, ele não apitava. Esperava uma carta, um sinal de fumaça, uma mensagem no celular, esperava que você aparecesse e trouxesse consigo alguma palavra. Esperava e esperava e esperava. E você não vinha. Você me deixava a sós com esse silêncio que dói mais do que um grito arranhado, do que um corte profundo na carne, que dói mais do que a palavra dor”.



Estávamos na cama quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, uma voz grossa e firme perguntava se eu estava bem e dizia que tinha conseguido o meu número com uma amiga e comum, a dona da festa onde tínhamos nos encontrado havia cerca de uma semana. Como quem não quer conversar, mas precisa falar alguma coisa, ele disse: adorei nosso papo, apesar de rápido, e queria conhecê-la melhor. Só respondi com interjeições, mas nem por isso ele se apressou em desligar. Quando começou a falar dos meus olhos, dos meus cabelos, fiquei sem graça, afinal, você estava do meu lado. Como se não o conhecesse, levei um susto quando você, em vez de me pedir para arranjar uma desculpa e me livrar do telefonema, sussurrou baixinho: não desligue, continue falando. Nem tive tempo de esboçar resposta, de me opor à sua decisão. Quando me dei conta, você já tinha tirado a minha roupa e , olhando para o meu sexo, era a sua caeça que eu via. Tentei afastá-la. Você me fixou com um olhar de quem diz para não impedi-lo, um olhar que me afirmava com segurança que eu não me arrependeria. Então me deixei levar. Enquanto ouvia a voz de um estranho, sentia sua língua me umedecendo. Eu tinha o sexo todo depilado, e você passeava livremente por ele, como se agora, que estava descoberto, à mostra, ele escondesse ainda mais segredos. Não foi nada fácil controlar o tom da conversa, prestar atenção ao que ele dizia, para ao menos poder lhe responder: claro, vamos combinar alguma coisa, sim. Você não quer anotar meu e-mail? Minhas pernas se contorciam enquanto eu falava. Temi que ele desconfiasse de alguma peculiaridade na minha voz e me pus a falar como se estivesse com pressa. Você reparou e me repreendeu. Queria ir até o fim. Então, tive de inventar histórias, iventar assuntos, perguntei-lhe de onde conhecia a nossa amiga em comum, o que fazia da vida, entre outras coisas que não me interessavam absolutamente em nada. Enquanto isso, a sua língua ia ganhando mais intimidade com o meu sexo, e os dois se encaixavam de tal maneira que pareciam duas bocas se beijando, um beijo longo e molhado. Eu tinha a sensação de que os lábios de baixo eram comos os lábios de cima, decididos, independentes e, o que era mais inusitado, tinham paladar. Eu sentia o gosto da sua língua, o gosto que tanto conhecia, mas que sentido ali, naquele lugar e naquele momento inesperados, era completamente diferente. Quando, finalmente, resolvi desligar o aparelho, foi porque a minha boca estava entre as minhas pernas, e seria estranho continuar falando, se meus lábios estavam tomados pelos seus."


by Sara Augusto

[Você nunca pensa em coisas boas? Não tem sonhos?] Tenho, claro que tenho. Sonho que um dia um príncipe chegará montado num cavalo branco para me buscar.Não precisarei fazer esforço algum, ele saberá que sou a mulher por quem ele procura. Bastará nos olharmos para saber que fomos feitos um para o outro. Ele me pegará pela mão e me levará, a cavalo, para um lugar lindo, onde haverá uma grande festa, onde encontrarei todos que já partiram deste mundo e todos que nele ainda estão. Lá viveremos felizes, numa terra que não conhece a morte, não conhece tempo, não conhece a dor. [Então você sonha?] Sonho, claro. Tenho ainda outros sonho, que nunca contei a ninguém. [E o que é?] É tenho esse sonho impossível: escrever escrever escrever.






PRÊMIO SÃO PAULO DE LITERATURA

MELHOR LIVRO DE AUTOR ESTREANTE 2008


Eu sabia que ao tocar pela primeira vez a campainha da sua casa estava assinando um contrato sem vencimento. Se existisse alguma possibilidade de desistência, ela deveria ser fincada ali, naquele momento, antes de atravessar a porta. Mas como não atravessá-la? Por que não atravessá-la? Meu corpo ainda não estava paralisado, eu queria caminhar, queria ir ao encontro do que tinha me pego na esquina, descobrir o que me aguardava do outro lado da rua. Naquele início, a paixão se manifestava como fome - de novidades, conversas, toques, sexo -, eu queria engolir tudo o que estivesse à minha frente, tudo o que viesse de você. E assim foi. Toquei a campainha. Suava. Minha camiseta molhada se colova ao busto, marcando levemente os seios. Quando você abriu a porta, eu não podia esconder o desejo de pular em cima do seu corpo, ali, no corredor de entrada da sua casa. Tenho certeza que você sentiu meu cheiro de sexo prestes. Deslizou delicadamente a mão direita sobre meu rosto, demorando-se atrás da orelha, no pescoço. Arrumou meu cabelo e com a outra mão segurou minha nuca. Você me exigia demais naquele momento: exigia-me paciência. Deixei-me ser levada, controlando minha fúria e meu desejo de controlar. E nisso estava o meu prazer, em ser surpreendida, em ser guiada numa direção inusitada. A cada toque seu, a cada dedo, lábio, nariz, a cada extremidade sua esbarrando na minha pele, sentia os poros se eriçando, se antenando numa velocidade simetricamente oposta à de seus movimentos. Você demorou a me beijar, a enroscar sua língua na minha até quase a garganta. Antes disso, ficou me acariciando, aproveitando todo o deleite que eu estava disposta a lhe dar. Você me olhava - nos olhos, no queixo, nos seios, no ventre - como se quisesse me tirar toda a estabilidade, como se quisesse tirar meus pés do chão. E conseguiu. Naquele instante, eu já não pisava em lugar algum. Já não tinha os pés na terra, Não sabia onde estava, mas ao mesmo tempo tinha toda a certeza de que era ali que queria estar. Você não tinha dúvida, eu já era sua. E, como se quizesse me mostrar que estava ciente disso, me segurou com força, apertou meus braços e colou a boca à minha, sua língua à minha. Deslizou suavemente a mão pelo meu corpo. Quanto mais seus dedos descobriam o caminho, mais vulnerável eu me sentia. Nesse momento sabia que não haveria volta, já estávamos amarrados. Sua língua estava em meus seios - um e outro -, contornando os mamilos, deixando-os quase tão encharcados quanto meu sexo, ainda à espera. Não por muito tempo, é verdade, pois não demorou para você colocar, certeiramente, a mão por debaixo da minha saia. A calcinha abafada, úmida. As pernas se abrindo ligeiramente, o convite já feito. E, como pude confirmar tantas outras vezes, poucas coisas me excitavam tanto quanto seus dedos afastando a parte de baixo da calcinha para um lado só, deixando meu sexo descoberto. Para logo cobri-lo de novo, com seus dedos. Leve-me para a cama, eu disse. Você fingiu não ouvir. com as duas mão, levantou minha saia, arrancou minha calcinha e se abaixou aos poucos. Continuei de pé, enquanto você, ajoelhado, implorava não sei o que entre as minhas pernas, numa língua que só vocês dois entendiam, o meu sexo e a sua boca.