Se Deus está morto,
nascerá outro para vingar os miseráveis.
A miséria é mais produto da vontade das pessoas do que da condição em que vivem
Foi assim:
Germinal Literário
Quando o homem tinha uma mulher no coração,
estava liquidado,
podia morrer.
“Etienne era todo ouvidos. Tinha sede de saber, de compreender esse culto de destruição, sobre o qual o mecânico não dava senão detalhes obscuros, como se estivesse guardando mistério para si.
- Explica-te, homem. Qual é a finalidade de vocês?
- Destruir tudo... Exterminar as nações, os governos, a propriedade, Deus e o culto.
- Estou entendendo. Mas a que leva isso?
- À comuna primitiva e sem forma, a um mundo novo, ao começo de tudo.
- E os meios de execução? Como é que vocês vão fazer?
- Pelo fogo, pelo veneno, pelo punhal. O salteador é o verdadeiro herói, o vingador popular, o revolucionário em ação, sem frases tiradas dos livros. É preciso que uma série de horríveis atentados aterre os poderosos e acorde o povo.
Falando, Suvarin transformava-se, ficava terrível.
Em êxtase, erguia-se da cadeira,
uma chama mística incendiava-lhe os olhos pálidos e suas mãos delicadas comprimiam a
borda da mesa a ponto de quebrá-la. Cheio de medo, o outro o fitava, pensando nas
histórias de que conhecia trechos vagos, mediante confidências entrecortadas: tesouros
abarrotados por baixo dos palácios do czar, chefes de polícia abatidos a punhaladas como javalis, uma amante dele, a única mulher que amara, enforcada em Moscou numa
manhã de chuva, enquanto ele na multidão beijava-a com os olhos, despedindo-se."
(Émile Zola, Germinal, Ed. Abril, página 251)
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Zola por Cèzanne |
Era aquilo que desnaturava os sistemas, levando um ao exagero revolucionário, empurrando o outro para uma afetação de prudências, conduzindo-os, enfim, e sem eles quererem, para além de suas próprias ideias, nessa fatalidade de encarnar um papel que não se escolheu.
-----Sei que me desculparão, desejava abrir este almoço com ostras... Como
sabem, às segundas-feiras um carregamento delas chega a Marchiennes, e eu tinha
planejado mandar a cozinheira até lá com o carro, mas ela teve medo de ser apedrejada...
Todos a interromperam com risadas. Achavam a história muito engraçada.
— Psiu! — fez o Sr. Hennebeau, contrariado, olhando para as janelas de onde via
a estrada. — Os outros não precisam ficar sabendo que temos convidados esta manhã.
— Pois eis uma rodela de salsichão que eles não terão — gracejou o Sr. Grégoire.
As risadas recomeçaram, mas mais discretas. Os convivas sentiam-se à vontade
nessa sala forrada de tapeçarias flamengas, mobiliada com velhos baús de carvalho.
Peças de prata brilhavam por trás dos vidros dos armários e havia ainda um grande
floreiro suspenso, de cobre vermelho, cuja forma arredondada e polida refletia uma
palmeira e uma
aspidistra, verdejando em vasos de maiólica. Lá fora estava um dia de
dezembro glacial, devido ao cortante vento do nordeste, mas nem um sopro dele entrava
na peça aquecida como uma estufa e onde flutuava o fino aroma de um ananás em fatias,
numa compoteira de cristal.
— E se fechassem as cortinas? — propôs Négrel, que se divertia com a idéia de
assustar os Grégoire.
A camareira, que ajudava o criado a servir a mesa, pensou que era uma ordem e
foi puxar uma das cortinas. Houve, desde então, intermináveis gracejos: não pousaram
mais um copo ou um garfo sem tomar precauções, cada prato foi saudado como se fosse
um salvado de um saque numa cidade conquistada. Mas por trás dessa alegria forçada
havia um medo surdo, traído apenas por olhares involuntários à estrada, como se um
bando de famintos estivesse espiando para a mesa, através das janelas.
Depois dos ovos trufados foram servidas trutas de rio.
A conversação era agora sobre a crise, industrial que se agravava havia dezoito
meses.
— Era fatal — disse Deneulin. — A prosperidade dos últimos anos tinha que nos
levar a isto... Pensem um pouco nos enormes capitais imobilizados em vias férreas, em
portos e canais, em todo esse dinheiro enterrado nas mais loucas especulações. Só aqui,
nesta região, foram instaladas refinarias de açúcar como se o departamento tivesse de
dar três colheitas de beterraba. E agora aí está o resultado! O dinheiro desapareceu, tem-se
que esperar receber os juros dos milhões empatados. Daí o estrangulamento mortal da
economia e a estagnação final dos negócios.
O Sr. Hennebeau combateu essa teoria, mas conveio que os anos felizes tinham
estragado o operário.
— Quando penso — exclamou ele — que esses latagões das nossas minas
podiam fazer até seis francos diários, o dobro do que ganham agora... E viviam bem,
adquiriram hábitos de luxo... Hoje, naturalmente, parece-lhes duro ter de voltar à
frugalidade antiga.
— Sr. Grégoire — interrompeu a dona da casa —, faça o favor, sirva-se de mais
um pouco de truta. Estão boas, não acha?
O diretor continuou:
— Tudo isso será culpa nossa? Nós também somos atingidos, e bem cruelmente...
Desde que as fábricas começaram a fechar, uma a uma, tivemos uma trabalheira dos
diabos para dar saída aos nossos estoques. E, diante da crescente redução de pedidos,
vemo-nos forçados a baixar o preço básico. E é isso que os operários não querem
compreender.
Houve um silêncio. O criado apresentou perdizes assadas, enquanto a camareira
começava a servir vinho de Chambertin aos convivas.
— Houve fome na índia — continuou Deneulin a meia voz, como se estivesse
falando consigo mesmo. — A América, suspendendo seus pedidos de ferro e de fundição,
deu um rude golpe nos nossos altos-fornos. Tudo se encadeia, uma sacudidela longínqua
é suficiente para abalar o mundo... E dizer que o império estava tão orgulhoso dessa
febre industrial!
Atirou-se à sua asa de perdiz. Depois, elevando a voz:
— O pior é que, para baixar o preço básico, devia-se, logicamente, produzir mais;
de outra forma, a baixa só atinge os salários, e o operário tem razão de dizer que é ele
que paga com a crise.
Esta confissão, resultado da sua franqueza, foi motivo de discussão. As senhoras
começaram a entediar-se. Por outro lado, cada um se ocupava do seu prato, no
entusiasmo do primeiro apetite. O criado entrou e ia dizer alguma coisa, mas hesitou.
— Que é? — perguntou o Sr. Hennebeau. — Se são mensagens, pode entregar-me.
Estou esperando algumas respostas.
— Não, senhor. É o Sr.
Dansaert que está no vestíbulo, mas ele não quer
incomodar.
O diretor desculpou-se e mandou entrar o capataz. Este ficou em pé, a poucos
passos da mesa. Todos se voltaram para olhá-lo, enorme, sem fôlego, cheio de novidades. Os conjuntos habitacionais continuavam tranqüilos, mas já estava decidido
que viria uma delegação. Talvez já estivesse a caminho...
— Está bem. Obrigado — disse o Sr. Hennebeau, — Preste atenção: quero um
relatório de manhã e outro à noite.
Assim que Dansaert partiu, voltaram aos gracejos; atiraram-se à salada russa
declarando que era preciso não perder um segundo se queriam dar cabo dela. Desse
momento em diante a alegria recrudesceu. Tendo Négrel pedido pão à camareira, esta
lhe respondeu com um "sim, senhor" tão baixo e tão aterrorizado que parecia ter atrás de
si uma turba pronta para o massacre e a violação. A dona da casa disse-lhe então, com
muita graça:
— Você pode falar, eles ainda não chegaram.
O diretor, a quem acabavam de entregar um maço de cartas e telegramas, quis ler
alto uma das cartas. Era de Pierron. Dizia ele, em termos respeitosos, que se via obrigado
a entrar em greve com os camaradas para não ser maltratado; e acrescentava que nem
mesmo pudera recusar-se a fazer parte da delegação, mas estava em desacordo com
essa gestão.
— Aí está a famosa liberdade de trabalho! — exclamou o Sr. Hennebeau.
Voltaram então à greve e pediram sua opinião.
— Bem... — respondeu ele. — Já tivemos outras, não é mesmo?
Será uma semana, no máximo uma quinzena de vagabundagem, como da última
vez. Vão percorrer as tabernas e depois, quando a fome apertar, voltarão ao trabalho.
Deneulin balançou a cabeça.
— Eu não estou tão tranqüilo... Desta vez eles parecem mais bem organizados.
Têm até uma caixa de previdência, não é isso?
— Sim, com apenas uns três mil
francos... Que poderão fazer com uma ninharia
dessas? Desconfio que o chefe deles é um tal de Etienne Lantier. É bom operário, não
gostaria de ter de despedi-lo como fiz da vez passada com o famoso Rasseneur, que
continua a empestar a Voreux com suas idéias e sua cerveja... Mas tudo isso não tem
importância, dentro de oito dias a metade dos mineiros voltará ao trabalho, e dentro de
quinze os dez mil estarão novamente no fundo da mina.
Estava convencido do que dizia. Sua única inquietação vinha do temor de cair em
desgraça se a administração lhe imputasse a responsabilidade pela greve. Há já algum
tempo sentia que não era visto com bons olhos. Por isso, abandonando a colherada de
salada russa de que se servira, relia os telegramas de Paris, respostas em que ele procurava penetrar o sentido de cada palavra. Os outros compreendiam sua atitude, o
almoço transformara-se em refeição de campanha, comida num campo de batalha, antes
dos primeiros tiros.
A partir desse momentos as senhoras tomaram parte na conversa. A Sra. Grégoire
apiedava-se daquela pobre gente que ia passar fome; Cécile já planejava a distribuição
de pão e carne aos necessitados.
A Sra. Hennebeau, no entanto, espantava-se ouvindo falar da miséria dos mineiros
de Montsou. Então eles não eram felizes? Gente que tinha casa, carvão e cuidados
médicos, tudo à custa da companhia! Na sua indiferença por aquele rebanho, ela só sabia
sobre ele a lição aprendida, com que maravilhava os parisienses de visita; e, tendo
acabado por acreditar no que recitava, indignava-se com a ingratidão daquela gente.
Durante todo esse tempo, Négrel continuara assustando o Sr. Grégoire. Cécile não
lhe desagradava e chegaria mesmo a casar com ela, para ser agradável à sua tia. Mas
não estava apaixonado, isso não; era um rapaz experiente, já calejado, como ele dizia.
Proclamava-se republicano, o que não o impedia de tratar seus operários com extremo
rigor, e de fazer brincadeiras a respeito deles com as senhoras.
— Eu também não tenho o otimismo do meu
tio — disse ele. — Receio graves
desordens... Assim, Sr. Grégoire, aconselho-o a fechar a Piolaine a sete chaves. Podem
saqueá-la...
Mas justamente o Sr. Grégoire, sem abandonar o sorriso que iluminava seu rosto
bondoso, ia mais longe que a esposa nos sentimentos paternais pelos mineiros.
— Saquear a mim! — exclamou ele estupefato. — E por quê?
— O senhor não é acionista de Montsou? O senhor não faz nada, vive do trabalho
dos outros... Enfim, o senhor é o infame capitalista, e isso basta. Esteja certo, se a
revolução triunfasse, ela o forçaria a devolver sua fortuna, como dinheiro roubado...
Isso bastou para que o velho perdesse a serenidade, a tranqüilidade infantil em
que vivia. Balbuciou:
— Dinheiro roubado, a minha fortuna! Então o meu bisavô não ganhou com o suor
do seu rosto a soma que ele mesmo colocou na mina? Então não corremos todos juntos
os riscos da empresa? Acaso estou eu fazendo uso indébito das minhas rendas?
A Sra. Hennebeau, alarmada ao ver mãe e filha pálidas de medo, apressou-se em
intervir, dizendo:
— Paul está brincando, meu bom amigo.
Mas o Sr. Grégoire estava fora de si. Tendo-lhe o criado oferecido lagostins, tirou
três sem saber mais o que fazia, e pôs-se a quebrar as patas com os dentes.
— Não digo que não, há acionistas que abusam. Contaram-me, por exemplo, que
certos ministros receberam dinheiro de Montsou por baixo da mesa, em retribuição por
serviços prestados à companhia. É o caso desse grande senhor, de quem não direi o
nome, um duque, o maior acionista que temos, cuja vida é um escândalo de
prodigalidade, milhões atirados à rua com mulheres, em estroinice, em luxo inútil. Nós
não, vivemos dignamente, como boa gente que somos! Não especulamos, contentamonos
numa vida austera com o que temos, repartindo sempre com os pobres... Ora, vamos!
Seria preciso que os seus operários fossem uns grandes bandidos para nos roubar
sequer um alfinete!
O próprio Négrel teve de acalmá-lo, apesar de estar se divertindo com a cólera do
velho. Os lagostins continuavam a passar, ouviam-se os estalidos das cascas enquanto a
conversa girava para o terreno da política.
Apesar de tudo, ainda muito alterado, o Sr.
Grégoire proclamava-se liberal e sentia falta de Luís Filipe. Deneulin era por um governo
forte, dizia que o imperador escorregava pelo declive das concessões perigosas.
— Lembrem-se de 89! — disse ele. — Foi a nobreza que tornou possível a
Revolução, com sua cumplicidade, com o seu gosto pelas novidades filosóficas... Pois
bem, hoje, a burguesia faz o mesmo jogo imbecil, com seu furor de liberalismo, a sua
ânsia destruidora e as bajulações ao povo... Sim, sim, são vocês que estão afiando os
dentes do monstro para que ele nos devore. E fiquem tranqüilos, ele vai devorar-nos!
As senhoras fizeram-no calar e tentaram mudar de conversa perguntando-lhe
pelas filhas. Lucie estava em Marchiennes, cantando com uma amiga; Jeanne pintava um
quadro do rosto de um velho mendigo. Disse tudo isso com ar absorto, sem tirar os olhos
do diretor que lia sua correspondência, esquecido dos seus convidados. Por trás daquelas
folhas finas ele procurava captar Paris, as ordens dos administradores, que decidiriam a
respeito da greve. Mas Deneulin não pôde deixar de voltar ao tema que o preocupava.
— Então, que tenciona fazer? — perguntou ele repentinamente. Hennebeau
estremeceu e desconversou com uma frase vaga:
— Ainda vamos ver.
— Claro, vocês podem esperar, têm infra-estrutura — pôs-se a pensar alto
Deneulin. — Mas eu estou perdido se a greve atingir Vandame. Gastei tudo reinstalando
Jean-Bart e agora só sobreviverei com essa galeria única se produzir sem parar. Como
vêem, não posso ficar sentado esperando...
Essa confissão involuntária pareceu impressionar o Sr. Hennebeau. Enquanto
escutava, um plano foi-se formando em sua cabeça: no caso de a greve trazer maus
resultados, por que não a utilizar, deixando as coisas correrem até a ruína do vizinho, e
depois comprar sua concessão por um preço baixo? Este era o método mais certo para
voltar às boas graças dos administradores, que, havia muitos anos, sonhavam com a
posse de Vandame.
— Se a Jean-Bart o preocupa dessa maneira — disse ele rindo —, por que não a
passa adiante?
Mas Deneulin, que já se arrependia da involuntária confissão, exclamou:
— Isso nunca!
Todos riram da sua violência, e a greve foi finalmente esquecida no momento em
que a sobremesa surgiu. A compota de maçãs coberta de merengue foi muito elogiada.
Em seguida as senhoras discutiram uma receita, a propósito do ananás, que foi declarado
igualmente delicioso. As frutas, uvas e pêras, foram o fecho de ouro daquele opulento
almoço, que resultou num cansaço feliz. Todos falavam a um tempo, alegres e
comovidos, enquanto o empregado servia vinho do Reno em substituição ao champanha,
que foi
julgado comum.
E o casamento de Paul e Cécile deu, por certo, um sério passo no ambiente
simpático da sobremesa. Sua tia lançara-lhe olhares tão expressivos, que o rapaz
mostrou-se amável, reconquistando com seu modo carinhoso os Grégoire apavorados
com as suas histórias de pilhagem. Por um instante, o Sr. Hennebeau, ante o perfeito
entendimento reinante entre sua mulher e sobrinho, sentiu ressurgir a abominável
suspeita, como se tivesse surpreendido um contato carnal nos olhares trocados pelos
dois. Mas o plano do casamento desenvolvido ali, diante dos seus olhos, tranqüilizou-o
mais uma vez.
Hippolyte servia o café, quando a camareira entrou em pânico.
— Sr. Hennebeau, Sr. Hennebeau, eles chegaram!
Eram os delegados. Portas bateram, ouviu-se passar um sopro de pavor através
dos aposentos circundantes.
— Faça-os entrar para o salão — disse o diretor.
Em volta da mesa, os convivas olharam-se, inquietos e vacilantes. Reinou silêncio
por um momento. Em seguida, quiseram voltar às brincadeiras: fingiram colocar o resto
do açúcar nos bolsos, falaram em esconder os talheres. Mas o diretor permanecia pensativo e os risos pararam, começaram a cochichar enquanto os passos pesados dos
delegados entrando no salão ao lado esmagavam o tapete.
Baixando a voz, a Sra. Hennebeau disse ao marido:
— Você vai primeiro beber o seu café, não vai?
— Claro! — respondeu o homem. — Eles que esperem...
Estava nervoso, queria ouvir todos os ruídos, fingindo-se ocupado apenas com
sua xícara.
Paul e Cécile levantaram-se; ele fez a moça olhar pelo buraco da fechadura e
ambos começaram a sufocar risadas e a falar em voz baixa.
— Pode vê-los?
— Sim, vejo um gordo e dois menores atrás.
— E são monstruosos, não é isso?
— Não, não, são muito simpáticos...
Repentinamente o Sr. Hennebeau levantou-se, dizendo que o café estava muito
quente e que depois o beberia. Ao sair pôs um dedo sobre os lábios, recomendando
prudência. Todos tinham tornado a sentar-se, e ficaram à mesa, mudos, sem ousarem
mover-se, de ouvido à escuta, procurando captar o que se dizia no salão, cheios de malestar
com aquelas vozes grossas.
E, sob seus pés, continuavam as batidas cavas, obstinadas, das
picaretas. Todos os companheiros estavam lá no fundo; ouvia-os
seguindo-o a cada passo. Não era a mulher de Maheu sob aquele canteiro
de beterrabas, curvada, com uma respiração que chegava até ele tão
rouca, fazendo acompanhamento ao ruído do ventilador? À esquerda, à
direita, mais adiante, julgava reconhecer outros, sob os trigais, as
cercas vivas, as árvores novas. Agora, em pleno céu, o sol de abril
brilhava em toda a sua glória, aquecendo a terra que germinava. Do
flanco nutrido brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas
verdes, os campos estremeciam com o brotar da relva. Por todos os lados
as sementes cresciam, alongavam-se furavam a planície, em seu caminho
para o calor e a luz. Um transbordamento de seiva escorria sussurrante, o
ruído dos germes expandia-se num grande beijo. E ainda, cada vez mais
distintamente como se estivessem mais próximos da superfície, os
companheiros cavavam. Sob os raios chamejantes do astro rei, naquela
manhã de juventude, era daquele rumor que o campo estava cheio. Homens
brotavam, um exército negro, vingador, que germinava lentamente nos
sulcos da terra, crescendo para as colheitas do século futuro, cuja
germinação não tardaria em fazer rebentar a terra.