Fundado em 28 de Setembro de 1998

25 de julho de 2016

AUTORRETRATO: Regina Fernandes Costa


Julianna Malheiros Fotografias


Venho de um Rio metálico e de sobrados antigos.

Minha avó servia comida caseira na Rua Theophilo Ottoni.

Minha mãe emendava cores e panos em Andaraí, Rua Leopoldo,
onde nasci.

Meu pai animava histórias, violino e pianola.

Assim me criei entre bondes, trens, tesouras, linhas, letras e
sons.


Aprecio espiar de sacadas à sombra por gosto de pousar entre o
telhado e o chão.

Me equilibra fazer de conta que não temo alturas.

Jamais publiquei livro de poesias – desconcerta-me poder deixar
rastro.

Gosto de fugir para o quintal onde sou abençoada a caracóis.
Em vão procurei um bosque a vida inteira.

Quando encontrei um, estava pisado e jazia amarelo em verso de
Robert Frost.

Foi a minha sorte: permaneci andarilha e ignorante.
Não enlouquecei porque herdei apetite de inseto para papeis.
Agora sou tão ordinária!
No meu morrer tem uma dor de nada.





Sol e chuva.




Fazia sol em meio à chuva. Em dias assim, dizem, as viúvas se casam. Mal podia respirar. O restaurante ficava no topo da colina e não havia outro meio de transporte seguro senão os pés descalços. A subida era acompanhada pelo canto de um riacho e pelas flores de pequenas árvores. O sol e a chuva, juntos, tornavam a temperatura amena. Sentei-me à mesa em frente à tela de Manet. Eu podia sentir a textura e o brilho da toalha, o peso e o sabor do salmão. Não havia ninguém. Sequer o maître. Era mais de meio-dia, mas não muito, meio-dia e dois, ou três. Talvez fosse cedo demais. A chuva escorregava pelos raios de sol. Servi-me de vinho e esperei. A garoa e a bebida caíam de mansinho. Minha avó tinha uma tigela de ágate tal e qual – uma espécie de relíquia que foi passando de mãe para filha. A forma como a tela havia sido pintada me permitia ver o que guardava: um limão exuberante e uma mulher em azul mais escuro. Eu também percebia o coração de minha avó nas imagens desenhadas por suas lembranças. Para não desequilibrar, não toquei no fruto fechado. Preferi o outro, meio sem casca, a exibir seu cerne alvo. Provei seu gosto. E vi que era ácido e forte. Talvez eu tivesse chegado cedo demais. Agora, nem chuva, nem vinho. Um arco-íris longínquo entrara na moldura da janela. O peixe solitário, mais rosado que nunca, continuava a convidar-me. Às vezes, eu ouvia passos. Ledo engano. Ou eram folhas secas levadas pelo vento, ou eram pássaros em revoada.

O fundo ficara escuro. Na verdade, sempre fora escuro. Eu não percebera. A faca prestes a cair, meu próprio equilíbrio precário. Ainda não era tarde, no entanto. Voltei as costas à Natureza Morta. Lá fora, o riacho, sem se repetir, repetia seus murmúrios, seus peixes, suas pedras, suas águas. Esqueci-me da importância humana. Por um instante, em meio ao sol e a chuva.

Regina Fernandes Costa
09/09/2015


17 de julho de 2016

LITERATURA NA VARANDA (11/08)



Quem curte literatura este é um evento que tem tudo para ser um sucesso.
A ideia surgiu quando um grupo de amigos se reuniu para falar de suas leituras.
"Literatura na varanda" é um encontro de escritores e admiradores de obras literárias para trocar ideias.
A primeira edição do evento trata das experiências que cada escritor adquiriu para publicar o primeiro livro.
Autores convidados: W.B., Cícero Leitão e Márwio Câmara.
Com entrada franca, este evento acontece no dia 11 de agosto, quinta-feira, a partir das 18 horas, na varanda da entrada do Centro de Artes UFF.
O evento "Literatura na varanda" tem o apoio do CLIC (Clube de Leitura Icaraí).

Outras informações na página da rede social Facebook:

https://www.facebook.com/events/1130074160398871




14 de julho de 2016

Livro: As intermitências da morte, de José Saramago

Olá queridos!
Reproduzo o post do meu blog Mar de Variedade.

Hoje teve reunião do Clube de leitura Icaraí. As discussões foram maravilhosas. Não conseguirei reproduzi-las nessa postagem e também não é o objetivo, pois não gosto de dar spoiler para quem ainda não leu o livro, mas passarei algumas impressões dessa obra que agradou tanto. 


Sinopse do site submarino: "'Não há nada no mundo mais nu que um esqueleto', escreve José Saramago diante da representação tradicional da morte. Só mesmo um grande romancista para desnudar ainda mais a terrível figura. Apesar da fatalidade, a morte também tem seus caprichos. E foi nela que o primeiro escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel da Literatura buscou o material para seu novo romance, As Intermitências da Morte. Cansada de ser detestada pela humanidade, a ossuda resolve suspender suas atividades. De repente, num certo país fabuloso, as pessoas simplesmente param de morrer. E o que no início provoca um verdadeiro clamor patriótico logo se revela um grave problema. 
Idosos e doentes agonizam em seus leitos sem poder "passar desta para melhor". Os empresários do serviço funerário se veem "brutalmente desprovidos da sua matéria-prima". Hospitais e asilos geriátricos enfrentam uma superlotação crônica, que não para de aumentar. O negócio das companhias de seguros entra em crise. O primeiro-ministro não sabe o que fazer, enquanto o cardeal se desconsola, porque "sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja".
Um por um, ficam expostos os vínculos que ligam o Estado, as religiões e o cotidiano à mortalidade comum de todos os cidadãos. Mas, na sua intermitência, a morte pode a qualquer momento retomar os afazeres de sempre. Então, o que vai ser da nação já habituada ao caos da vida eterna? Ao fim e ao cabo, a própria morte é o personagem principal desta "ainda que certa, inverídica história sobre as intermitências da morte". É o que basta para Saramago, misturando o bom humor e a amargura, tratar da vida e da condição humana."



A forma de escrever do Saramago não é um facilitador para o leitor. Ele escreve parágrafos longos, com pouca pontuação. Além disso, os diálogos entre os personagens são separados apenas por vírgula, o que não deixa de ser um desafio. Então, a princípio, a leitura pode parecer difícil, mas vale a pena dar uma insistida, pois a riqueza de suas histórias compensa essa escrita não muito comum. Coisas de gênio.
O livro, como o próprio nome indica, vai tratar da morte, mas de um jeito diferente.  
O livro começa com a frase: "No dia seguinte ninguém morreu."
O autor abre uma discussão importante, pois ninguém quer morrer, mas a gente não costuma pensar sobre o caos que seria o mundo se ninguém morresse.
Como ficariam os hospitais com tantos enfermos? E as famílias das pessoas doentes? E o que dizer do excesso de população? Os seguros de vida e funerárias não mais existiriam. Essas são apenas algumas das questões levantadas no livro.
O livro leva à tona a discussão sobre o nosso mundo capitalista, pois as pessoas que obtêm algum lucro com a morte ficam preocupadas e começam a sugerir alternativas para conseguir manter os negócios.
O Saramago menciona também a igreja. Vejamos nessa fala:

"Sem morte, ouça-me bem, senhor primeiro-ministro, sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja, (...)"

Alguns investigadores chegaram à conclusão de que a morte seria uma mulher. Vejam Saramago "dando força" à figura feminina:

"A morte, em todos os seus traços, atributos e características, era, inconfundivelmente, uma mulher."

Portanto, o livro retrata a morte de uma forma diferente e traz para o leitor várias questões a serem pensadas e discutidas. Além disso, temos um final surpreendente e belíssimo! 



Recomendo!

4 de julho de 2016

PERMANECER: Clara Nascimento

                                         


                       
Permear e ser.
Estar presente porque nada é,
Apenas está.
Permanecer novidade
Encantada
Enigmática
A mesma e diferente em meu estado
pluridades.
A mesma parabólica do imaginário
Concreto
Do dia a dia de deleites simples e necessários.
Permanecer eu mesma 
sem mesmices inventadas.
Apenas nuances de sombra e luz
Que espalho em pinceladas sem
Vontades predestinadas.

Perguntas que não cessam,
Respostas que não vêm,
Mas nem precisam.
O existir das perguntas que me faz
Te entranhar  mais,
Te estranhar menos.
Meu holograma de emoções;
Meu vento morno antes da tormenta,
Presságio certeiro de tempo que muda.
E não muda tudo sempre?

Meteoros raivosos e desordenados me arrancam a rota
E tentam com sucesso me tirar a beleza do verso;
São as rajadas da vida a apagar tudo de novo.
Viver é um apunhalar e acarinhar.
Sábia é a escolha de aprender nos primeiros compassos,
Regozijar nos segundos.
A tristeza nos versos é agora minha verdade.
Mas o que seria da alegria sem a tristeza vigilante?
Uma alma penada sem salvação,
Ou um grito sufocado dentro do coração?
Quando amo,
O coração cresce por dentro,
Anseia pela dança das mãos.
Sem isso,
Sou bicho sem cio,
Nada falo
Nem crio.


3 de julho de 2016

O coração é um tesouro em silêncio: Clara Nascimento





 Na antiguidade  acreditava-se que a memória e o saber estavam ligados ao coração. O cérebro só recebeu a devida atenção e estudo bem depois.

Saber “de cor, de cuore, by heart, par coeur, assinar ex corde”, tudo passa por ele, o coração.

Então se torna natural achar que tenha sentimentos.

Passamos um longo tempo tentando colocar tais sentimentos em palavras, comunicar aos outros nossas paixões, emoções e amor.

Esse afã por colocar as palavras exatas nos sentimentos, em traduzir o coração em palavras, acaba por nos fazer perder a mais profunda experiência que o coração pode nos oferecer que é seu silêncio. Poemas são ondas que se formam nesse mar de silêncio e voltam a ele, são sua maré com seu movimento. Quando as canções, discursos, emoções já foram entregues, é o silêncio que ali resta. Quando cada onda sobe e desce de volta ao silêncio, ali reside a oportunidade de se conectar com a vasta sabedoria do centro silencioso de nossos corações. 

Enchemos o coração de tantas emoções e barulho que nos esquecemos de associá-lo ao silêncio. É preciso um ouvido sensível para escutar o silêncio do coração; mas ele ali está, dentro de cada um de nós, bem perto e gigante. A consciência desse silêncio pode ser exercitada. Podemos começar da mesma maneira que nos damos conta do espaço negativo num fundo de uma foto, encarando o céu aberto que contém o sol as nuvens a lua e as estrelas. Estamos presos à ideia de vermos o mundo físico em objetos sólidos e tri-dimensionais. Aprender a ver e escutar o espaço vazio que contém esses sons e objetos demanda prática. 

Podemos trazer essa consciência a nossos corações simplesmente respirando no meio do peito, no coração. A primeira sensação que podemos observar é alegria ou tristeza, além de sensações físicas de tensão ou relaxamento. Damo-nos mais conta disso ao continuarmos a respirar e manter o foco, “ouvindo” atentamente. Envolvemos esses sentimentos e sensações com respirações e reconhecemos que eles estão incluídos e contidos numa substância sem medida de água ou ar, intocável, inefável, mas profundamente real. 

Esse é o verdadeiro silêncio do coração e quanto mais o escutarmos, retornarmos a ele e aceitá-lo, mais nos banharemos e nos purificaremos no core silencioso de nosso ser.