Abaixo, temos o resultado dos textos de alguns membros do CLIc e interessados de outros grupos, a partir de um pequeno trecho do início do romance Tia Júlia e o escrevinhador, de Mário Vargas Llosa, experiência essa que foi tema de postagem anterior no nosso blog. A imagem acima traz a foto de toda a primeira página, de onde foi retirado o trecho que os participantes usaram para escreverem os textos.
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Por isso e por vários motivos,
nessa época, não tinha o menor remorso de ter feito tantas coisas ruins e de
não ter nenhuma pena de abandonar minha primeira namorada grávida e sem nenhum
recurso, no cais quando parti para um novo emprego em outro estado. E, pior,
sem certeza de quanto tempo ficaria ausente. (Adileusa Silva)
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Bons tempos aqueles em que o dia
começava com uma farta mesa de café da manha: com as delicias de vovó
acompanhadas de um cafezinho passado na hora. A medida certa entre o aconchego
das rosquinhas e a energia do café! (Flávia Lage)
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A casa e o aconchego com a vovó
tornavam os dias bem alegres. (Maria Geny)
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Agora, aqui na solidão do
mundo.das sombras que me cercam e me atemorizam, só sinto o odor do café
envelhecido e dos pães sem sabor que são colocados através das grades. Nem
mesmo um bom dia. Endureci tanto, que nem mesmo conservei a tênue marca dos
biscoitos da minha avó. (Ceci Lohmann)
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No grande e espaçoso quintal
havia um pé de goiaba, que fazia nossa alegria nas férias. Escalávamos seus
galhos, comíamos suas frutas bichadas e pendurávamos um balanço de corda no
galho mais forte. (Consuelo Ramos Sozzi)
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Vovó pediu a vovô para fazer uma
estante de cimento embaixo do tanque e, ali ficavam muitos livros, inclusive o
Tesouro da Juventude. Enquanto ela lavava a roupa, as crianças sentavam no
chão, ao redor, e liam.
Vizinha à fábrica de balas de Sr.
Álvaro, era doce aquela casa. (Elenir Teixeira)
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Lembro muito daquela quinta. Uma
casa pequena, poucos quartos mas que guardava dentro de suas paredes o amor da
família. A casa cheirava a comida todo o tempo, minha avó acordava cedo,
aquecia o fogão a lenha que só se arrefecia no inicio da noite. A cozinha dela
aquecia a casa e nossos corações. (Luciana Lage)
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Ahh!...como lembro o feijão
cozinhando e perfumando todos os espaços. Das cinzas, vovó fazia sabão.
No fogão a lenha deixa-se sempre
uma acha acesa. Ela não apaga totalmente à noite.
Na espaçosa cozinha, a grande mesa
aguardava a família reunida para saborear os deliciosos quitutes de
Mariazinha, nossa tia. (Mariney Klecz)
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No quintal encantado, o riso
corria solto e as brincadeiras não tinham hora para terminar. Eu sentia que o
cenário era de ternura e acolhimento, junto daqueles que transmitiam amor no
olhar. (Mariana de Deus)
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Na quinta eu era feliz, mas não me dava conta disso com tanta certeza
como tenho hoje, depois de tantos anos a viver nesta cidade cinzenta.
A casa tinha paredes brancas, janelas vermelhas, com contornos em azul
anil.
Eram janelas de madeira que a cada inverno rigoroso davam sinais de apodrecimento, mas meu avô todos os anos retocava a tinta vermelha brilhante. Ele dizia que a cor vermelha simbolizava a fé e a força de viver. Vovô sempre foi um homem muito politizado e sonhador e, nas conversas ao redor da mesa, dizia que um dia veríamos o povo fazer a revolução.
O que também me recordo muito, com um saudosismo melancólico, é do canto dos pássaros que, na figueira por trás do alpendre, faziam verdadeiros banquetes com os figos docíssimos que davam duas vezes ao ano. Os que escapavam das bicadas dos pássaros, vovó fazia compotas. Os frutos caídos pelo chão de lajota áspera e esverdeada, vovô juntava para fazer
aguardente. (Lilian Silva)
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Vovó era dada à acumulação.
Encontramos no armário radiografias diversas de mais de 20 anos dos exames
preventivos feitos ao longo da vida.
Uma vez explicada a inutilidade
dos exames antigos, vovó decidiu cortar com a tesoura todos os negativos, pois
não queria seu nome associado aquela pélvis em negativo em mãos alheias. Seria
uma tarefa insana se não fosse a iniciativa de Mariazinha aproveitar a passagem
do caminhão do lixo e jogar fora. Só então soube que as imagens em negativo no
mercado da reciclagem têm valor. (Rosemary Timpone)
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Lembro bem de Tia Linda. Conhecia
tudo sobre plantas, fazia chás, tinturas e unguentos. Era especialista no que
hoje chamamos de fitoterápicos. Recorríamos a ela sempre, pois naquelas
lonjuras não havia médico. Tia Linda não tinha estudo e era uma mulher um tanto
rude, mas nunca falhava quando alguém precisava de seus cuidados. Possuía uma
sabedoria que enxerga até os males da alma, que ninguém mais vê. E tinha
remédios e rezas para tudo. Vinha gente de outras fazendas para pedir seu
auxílio. Ela atendia a todos com desvelo. Nunca conheci ninguém igual a ela.
Nem parecida. Saudades. (Claudia Fonseca)
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Foi por esse tempo, hoje
tenho consciência, que se forjou em mim o prazer da leitura.
Ouvir as histórias que minha avó
me contava era entrar num mundo mágico.
Daí a criar as minhas foi uma
consequência quase natural.
O que me frustra é não ser capaz
de dotá-las dos mesmos sortilégios de então.
O menino desceu do céu. (Benito Petraglia)
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Tinha
eu quinze anos na época. Papai e mamãe estavam brigados e quis fugir
daquela confusão toda. Eu só fui entender muitos anos depois que foi por conta de uma briga na Justiça que, pela primeira vez, meus pais aceitaram sem questionarem algo que eu pedia.
Com meus avós eu tinha um ambiente mais leve, e onde todos me paparicavam, inclusive os vizinhos que sempre visitavam meu avô para ouvir suas histórias. Por estar próximo de muito verde, estava também sempre em contato com a natureza e – acreditem - com um ambiente
místico e misterioso.
E
foi naquele ambiente saudável e ao mesmo tempo mágico, que pude vivenciar experiências com um mundo oculto. Eu escondia esse contato de todos, pois temia que me chamassem de louco e me levassem de volta para a
casa de um de meus pais. Foi por conta daquele universo secreto que começou a despertar meu dom criativo. A partir do que eu via nos espaços escondidos daquela casa e seu entorno, passei a registrar num velho caderno de meu avô histórias de vários seres mágicos. Mas minha capacidade inventiva ultrapassava os limites do que eu via. Insatisfeito com tudo que eu escrevia, eu riscava, rasurava, apagava e voltava a escrever. Cada vez que eu reescrevia, eu aumentava os feitos e poderes das criaturas que voavam em frente de meus olhos. Algumas vezes, rasgava uma página inteira e tornava a escrever. Eu temia que alguém lesse e, além de doido, me chamassem de burro e que não tinha vocação nem talento para escrever.
Não lembro quando parei de escrever naquelas folhas amareladas, mas alguns anos depois, quando já estava por terminar o curso de Jornalismo na Universidade do Brasil, fui visitar meus velhos avós e ao procurar meus escritos, descobri que as fortes chuvas de 1968 e os ratos que se escondiam no porão fizeram o serviço que eu pensei em fazer algumas vezes. Agora, enfim tomei coragem de colocar no papel, sem enfeites, tudo que vi e vivi naqueles anos junto com seu Alexandre e dona Cesária. (Carlos Benites)