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27 de junho de 2020

Clube das Narrativas Curtas - O Aleph: Jorge Luis Borges


Sobre Dante e seu amor a Beatriz





Silvana no Café Tortoni

Eu adorei o conto pela ironia que contém.  Adoro quando um personagem vai "pensando", "sentindo" e, pela escolha dos termos, dos adjetivos, o leitor pressente o que virá, e não foi dito ainda.  Desculpem se ficou enrolado o que eu disse, mas é como melhor consigo expressar.  Eu já havia pressentido o juízo que Borges faz do Carlos Argentino, antes de que ele o explicitasse.  E gosto demais quando os sentimentos do personagem são muito humanos - entendi que Borges se indigna com a pompa, a vaidade do Argentino,  os neologismos, a chatice dos versos que lê e relê, para em seguida se auto-elogiar...  E depois a decepção por vê-lo premiado e incensado!  Esse personagem se repete em outras obras que admiro, por exemplo no filme Crimes e Castigos do Woody Allen, quando o personagem Cliff, um diretor de documentários, perde a amada para um diretor bobalhão aplaudido por Hollywood.  É a luta do bem contra o mal trazida para a nossa vida cotidiana, em que nos indagamos se o "mal" (o negacionismo, a vaidade, a superficialidade, a falta de solidariedade, etc. etc.) vai acabar prevalecendo.  Foi o que senti.  Agradeço por me apresentarem esse autor, que eu não havia lido, apesar de muito amar Buenos Aires, onde ele nasceu e viveu.  A linda livraria Ateneo tem muitas estantes ocupadas por seus livros, e tenho até uma foto em companhia dele (a escultura dele) no Café Tortoni! (Silvana Weaver)




Existe esse Aleph no íntimo de uma pedra? Vi-o quando vi todas as coisas e o
esqueci? Nossa mente é porosa para o esquecimento; eu mesmo estou falseando e
perdendo, sob a trágica erosão dos anos, os traços de Beatriz.




– Um cálice do falso conhaque – ordenou – e mergulharás no porão. Já sabes, o
decúbito dorsal é indispensável. Também o são a escuridão, a imobilidade, certa
acomodação ocular. Tu te deitas no piso de tijolos e fixas o olhar no décimo nono degrau
da pertinente escada. Saio, baixo o alçapão e ficas sozinho. Algum roedor te mete medo –
não tem importância! Em poucos minutos vês o Aleph. O microcosmo de alquimistas e
cabalistas, nosso concreto amigo proverbial, o multum in parvo!



Duas observações quero acrescentar: uma, sobre a natureza do Aleph; outra, sobre
seu nome. Este, como se sabe, é o da primeira letra do alfabeto da língua sagrada. Sua
aplicação ao cerne de minha história não parece casual. Para a Cabala, essa letra significa
o En Soph, a ilimitada e pura divindade; também se disse que tem a forma de um homem
que assinala o céu e a terra, para indicar que o mundo inferior é o espelho e o mapa do
superior; para a Mengenlehre, é o símbolo dos números transfinitos, nos quais o todo não é
maior que qualquer das partes. Eu queria saber: Carlos Argentino escolheu esse nome, ou
o leu, aplicado a outro ponto para onde convergem todos os pontos, em algum dos textos
inumeráveis que o Aleph de sua casa lhe revelou? Por incrível que pareça, acredito que
exista (ou que tenha existido) outro Aleph, acredito que o Aleph da rua Garay era um falso
Aleph.




Dou minhas razões. Por volta de 1867, o capitão Burton exerceu o cargo de cônsul
britânico no Brasil; em julho de 1942, Pedro Henríquez Ureña descobriu numa biblioteca
de Santos um manuscrito seu que versava sobre o espelho que atribui o Oriente a Iskandar
Zu al-Karnayn, ou Alexandre Bicorne da Macedônia. Em seu cristal refletia-se o universo
inteiro. Burton menciona outros artifícios congêneres – o sétuplo cálice de Kai Josru, o
espelho que Tarik Benzeyad encontrou numa torre (Mil e Uma Noites, 272), o espelho que
Luciano de Samósata pôde examinar na lua (História Verdadeira, I, 26), a lança especular
que o primeiro livro do Satyricon de Capella atribui a Júpiter, o espelho universal de
Merlin, "redondo e oco e semelhante a um mundo de vidro" (The Faerie Queene, 111, 2,
19) – e acrescenta estas curiosas palavras: "Mas os anteriores (além do defeito de não
existirem) são meros instrumentos de ótica. Os fiéis que acorrem à mesquita de Amr, no
Cairo, sabem muito bem que o universo está no interior de uma das colunas de pedra que
rodeiam o pátio central... Ninguém, é claro, pode vê-lo, mas os que aproximam o ouvido
da superfície declaram perceber, em pouco tempo, seu atarefado rumor... A mesquita data
do século VII; as colunas procedem de outros templos de religiões anteislâmicas, pois
como escreveu Abenjaldun: "Nas repúblicas fundadas por nômades, é indispensável o
concurso de forasteiros para tudo o que seja alvenaria".










4 comentários:

  1. Cristovam Buarque cita o conto, “O Aleph”, de Jorge Luis Borges, na obra “Os Tigres Assustados” e compara o Brasil com esse ponto onde tudo acontece, o país de onde se pode ver todos os outros de uma forma global.

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  2. Silvana Weaver, eu adorei a foto! Eu aproveitei o momento e li o livro que dá nome ao conto. Ou seria o conto que forneceu o nome ao livro? Eu não sei. Sei somente que o autor nos oferece riquezas de conhecimentos e detalhes que não se esgotam. Eu fiquei curiosa com os labirintos que ele tanto menciona nos textos. E quanto ao Aleph, senti que eu "o vi" no momento que estive diante da tela presenciando a fala de todos vocês (CLIc) na multiplicidade dos fatos, sentimentos e pensamentos a respeito do conto.

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  3. Sonia, adorei revê-la e aos amigos cuja companhia há tanto não desfrutava. Acho que virtualmente será mais fácil.
    Também amei o conto, muito erudito (aprendi bastante),divertido, irônico e crítico. Gostei especialmente de suas alfinetadas com relação à literatura, da alusão ao tempo, à memória, ao esquecimento, ao mágico. Excelente reunião.

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    1. Sim, foi maravilhosa a reunião, gostei de ver você e outros membros do CLIc. Vou ficar atenta para estar presente nos próximos encontros online. Beijos!

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