Com a participação de oito integrantes
do CLIc e de outros clubes de leitura, tivemos a segunda experiência de
produção literária.
Utilizamos como ponto de partida as
primeiras linhas do conto “Verde lagarto amarelo”, de Lygia Fagundes Telles,
que transcrevo a seguir:
“Ele entrou com seu passo macio, não
chegava a ser felino: apenas um andar discreto. Polido.”
A partir desse trecho, os leitores colocaram no
papel o que ele os inspirou.
Agradecemos a participação de todos. O
resultado vem a seguir:
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"Ela reparou logo naquele homem que não era bonito nem feio, mas
tinha uma elegância natural, uma energia diferente, um jeito que a
agradava.
Sabia que aquele congresso exigiria muito dela, foco e presença. Mas
sentiu algo que não sabia definir, uma atração, vontade de tentar uma
aproximação, mas ao mesmo tempo, tinha receio." (Claudia Fonseca)
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"E foi dessa maneira que ele entrou na vida dela. Sem alarde,
silenciosamente. Quando percebeu estava apaixonada." (Rosemary Timpone)
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"Seus gestos eram sempre muito discretos. Era homem de poucas
palavras. Vestia-se devagar todas as manhãs. Em cada cômodo da casa havia
partes das suas roupas, cuidadosamente penduradas em diferentes armários.
Mantinha as camisas enfileiradas impecavelmente engomadas. Todas em tons claros
e penduradas na ordem de cores. A coleção de gravatas era organizada de acordo
com a textura, cor e estampas. Os fatos eram guardados no último quarto, onde
Odete, sua "mulher a dias" mantinha sempre aberta a tábua de engomar
a ferro. Só no final, ele calçava os sapatos para que nesse vai e vem não
causasse infalíveis ruídos naquele piso de madeira impecavelmente encerado por
sua mulher que ainda dormia, sem perceber aquele ritual de todas as manhãs.
Polidamente, ele envergava-se até sua mulher ainda sonolenta para o primeiro
beijo do dia e, já perfumado, descia as escadas do quarto andar apressadíssimo
para mais um dia e trabalho como jurista do ministério da educação." (Lilian Silva)
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"Ela ouviu a leveza desses passos e se assustou.
Uma imensa angústia tomou conta de si. Sua respiração ficou lenta, o
coração disparou.
Havia algo estranho nesse silêncio. Pressentiu más notícias...em regra
ele era diferente, pulsional, expressava sempre uma alegria incontida.
Já há muito percebia fatos, atitudes não comuns ...Sentia-o mais calado,
suspirando. Sim, algo não ia bem.
Numa certa ocasião, encontrou-o com os olhos molhados, lágrimas
escondidas, choro contido, que disfarçou com uma enorme gargalhada.
Mas ela sabia que era um disfarce.
Fez-lhe perguntas, convidou-o a conversar.
Nada...
Ele se aproxima e lhe entrega uma carta...Debruça-se para pegar uma
pequena valise, gira seu corpo e vai em direção à porta, apenas dizendo...
- Leia a carta...Adeus!
Ela quase paralisada, sem ar, nada expressa a não ser um grito, quase um
sussurro ... fala: Por quê? Cai ao chão e chora copiosamente... Então era
verdade.!" (Ceci Lohmann)
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Embora discreto e de poucas palavras, seus olhos falavam, e muito!
Com eles, fitou-me dizendo: "A partir de hoje, senhorita, serei o
diretor desta empresa, e, certamente, irei contar com sua valiosa ajuda, como
secretária.
As referências que ouvi a seu respeito, levam-me a esta convicção."
Procurando não demonstrar meu nervosismo, respondi-lhe: agradeço-lhe,
Doutor, a confiança em mim depositada e tudo farei para não o
decepcionar. Intimamente, porém, perguntava-me: como permanecer oito
horas diárias, ao seu lado, sem apaixonar-me por este homem? Com certeza, estou
sentindo "amor à primeira vista", por esta voz, por estes olhos, por
seu jeito discreto e fala mansa. (Elenir Teixeira)
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"De atitudes comedidas e fala mansa, aproximou-se do grupo que
programava o evento. Ouviram seus argumentos e permaneceram calados, por um
tempo." (Mariney Klecz)
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"E nunca ela escutou tão alto um silêncio. Talvez fosse seu coração
gritando, pois pressentia a força do impacto daquela suavidade sobre ela. Ele
estava entrando assim, macio, discreta e polidamente, na sua vida para ficar." (Consuelo Ramos)
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Usava um velho tênis com o tecido verde musgo puído, jeans rasgado,
contrastando com o blazer chique e bem talhado.
Antes de entrar no prédio da Câmara dos Vereadores do Rio, ficou
rodando pela Cinelândia, mas não saindo de perto das escadarias, sempre olhando
o relógio. Olhava em volta sem parar, como se estivesse aguardando alguém. Ao
entrar, colocou o artefato que não usava há dois meses: a máscara azul PFF2.
Aquela peça foi utilizada por ele até julho de 2022, mesmo tendo passado seis
meses desde que a Prefeitura decidiu que não era mais obrigatório seu uso.
A calma com que entrou na Câmara praticamente junto com um grupo
de políticos e seus aspones o deixou quase invisível a quase todos, inclusive
aos seguranças.
Visível ele ficou apenas para Maria, que parou de olhar para um
busto de um antigo político ao perceber sua entrada. A máscara deixava de fora
aqueles olhos tristes que ela reconheceria em qualquer lugar. Salvador fora o
único que a defendeu do forte bullying que sofria na escola estadual dez anos
antes. Sim, é ele mesmo, suspirou ela, o jovem zelador que depois teve que ser
transferido, devido às ameaças do grupo que a atacara. Nunca mais teve notícias
daquele anjo.
Ela passou a segui-lo com olhos de interesse. Ele estava bem
diferente agora, com andar mais confiante. Não era só seu herói de outrora.
Parecia decidido, firme.
Salvador subiu as escadas para a galeria. Maria o seguiu pouco depois. A
galeria estava repleta de professores com faixas de protesto num lado e de um
grupo menor de apoiadores de um dos políticos no outro lado.
Toca uma sineta, indicando que a sessão iria começar.
Salvador mete a mão dentro da bolsa de couro, mas interrompe seu
ato ao perceber o olhar de Maria para ele. Ele tentava lembrar de onde a
conhecia. Segundos depois, lembrou. Ela poderia ter aparecido seis anos antes,
quando ainda não tinha conhecido e se apaixonado por Selena. Por que foi surgir
justamente agora que está viúvo e decidido a cumprir sua vingança contra
aqueles filhos da puta, responsáveis por sua desgraça?
Mas o olhar de Maria o incomoda. Não que fosse um olhar acusativo
– pelo contrário, era doce – mas não consegue mexer seu braço.
- Vamos dar início à sessão de hoje ....
Salvador não consegue escutar nada, as falas do presidente da Câmara,
nem as vaias, aplausos e palavras de ordem na galeria.
- Silêncio na galeria ou teremos que expulsar todos!
Maria vai em direção a ele, que fica totalmente paralisado. Ela sorri e
isso parece desarmar completamente Salvador, que se postava na primeira fileira
de poltronas. Maria vai se desviando dos outros. Me dá licença, por favor.
Licença. Licença – ela avançava e a distância diminuía. Estava agora a
quase 3 metros. Salvador estava prestes a esboçar um sorriso. De repente, uma
voz sobressai no alto falante. Acabou se acostumando a ouvir o dono da voz
nesses quase quatro últimos anos, e há exatamente um ano, quando Selena morreu,
a voz passou a machucar bastante seu peito, causando-lhe muita raiva. Aquele
tom de deboche na voz e na gargalhada era inconfundivelmente incômodo para ele
e detonou um gatilho em sua memória, fazendo-o lembrar o porquê de estar ali.
Então, meteu novamente a mão dentro da bolsa e puxou um revólver de cano longo.
- ENFIA A (inaudível) NO RABO, FILHO DA PUTA! – berrou ele.
A gritaria da plateia não nos permitiu identificar o que Salvador mandou
enfiar no orifício anal. Após o grito, deu cinco tirambaços. Todos certeiros.
Nenhum foi desperdiçado.
Esclareço que, quando souberam que eu relataria esses fatos, me
orientaram a não dizer quem era o citado filho da puta. Disseram que
identificá-lo poderia me causar problemas e eu poderia receber visitas
indesejáveis de pessoas que já foram premiados com medalhas honoríficas da
Câmara e Assembleia. O não identificado dono do cu que deveria receber o que
Salvador gritou, foi atingido pelos dois primeiros petardos no meio da testa.
Outro tiro certeiro atingiu um vereador que mexia no seu iPhone. Quem encontrou
seu celular, disse que a página do whatsapp que estava aberta era identificada
por “Priminho”. O quarto tiro acertou uma pessoa não identificada que rachava
uma caixa de bombom bem chique com seus assessores. O último petardo atingiu um
deputado de alta estatura que gargalhava de alguma piada preconceituosa daquele
que estava a sua frente e recebeu os primeiros tiros.
Salvador olhou então novamente para Maria e, com um sorriso confiante
nos olhos, em um segundo subiu na sacada e saltou para sua liberdade. Antes de
estatelar nas cadeiras abaixo da sacada, conseguiu gritar:
- SELENA, FIZ POR
VOCÊ!
(Carlos Benites)