Fundado em 28 de Setembro de 1998

10 de dezembro de 2021

Depoimento de Ceci Lohmann



Evandro

Ainda madrugada; levanto-me tomada por uma brisa inquietante. Bebo água, caminho pela casa e penso: algo me incomoda. Então lembro-me de que teria de preparar um material amanhã bem cedo.

Instintivamente vou para o computador e vejo mensagens. Pensei... vou pesquisar o blog do CLIc. E, talvez pela calma dessa hora, ou mesmo pelo desejo de flutuar em outras paragens que não as psicanalíticas, me detenho... vou pesquisando e encontrando um novo olhar... observo o primor com que as postagens são apresentadas, a delicadeza dos relatos referentes aos livros que lemos ou leremos, a riqueza das análises. Penso quão pouco tem-se comentado com mais ardor sobre essa tarefa.

Resolvo remexer no blog, ver outros cantinhos, descobrir novos caminhos. Curiosa como sou, lá vou eu para o Clube da Lua. Leio todos os itens, mesmo aqueles dos quais só entendo uma ínfima parte, tal como se conhece o universo. Encontro explicações sobre Radioastronomia, o Céu do Mês, os links (dentre eles  artigos sobre "Física e Arte", "O cientista como poeta"), enfim tantas coisas interessantes que foram um bálsamo para minha inquietação. Lembrei-me de um autor, W Bion, e a afirmativa de que o mundo psíquico (mente) deve ser compreendida "sem memória e sem desejo" ou seja, mesmo que algo não esteja sendo compreendido, estamos a caminho do entendimento. Assim também, quanta coisa que eu não percebia, nem mesmo me detinha, tornou-se possibilidade de conhecimento.

Queria agradecer-lhe, bem como à Cíntia, o primor dessas postagens, que só podem ser fruto do amor de vocês não só pelo CLIc, mas pelos ser humano em seu todo.

 Bem, é hora de preparar meu material.  Bom dia!

                                                              Com gratidão   Ceci  


4 de dezembro de 2021

A dádiva do presente: Vânia Damasco

 



No calendário, o dia de ontem se foi! 

 

Na alma nem sempre é possível deixar pra trás o pesar de ontem.

 

Pode o dia ficar assombrado por restos desgraçados, 

 

Apegos infernais que envenenam a aurora do dia. 

 

Viva o dia dos mortos! 

 

Que possam ir sem que a natureza conspire o reinado dos míopes.

 

Que a luz incida sobre o tesouro das manhãs

 

Revigorando sonhos e fantasias 

 

Viva o dia dos mortos! 

 

Para além dos túmulos, viva!

 

Viva! 

 

Seria insuportável não saber morrer!

 

Viva o dia que se anuncia! 

 

Acolher a dádiva do presente é um luxo!


18 de novembro de 2021

CLeM - O senhor das moscas: William Golding

 O Filme




Mata o monstro! 

Corta a goela! 

Espalha o sangue! 

Cai de pau!



Ainda estou lendo. Já deu pra ver que Jack é uma espécie de Prometeu, que aceita a realidade como ela é e conquista o que for necessário para seguir a vida. Ralph simboliza o superego, alguém que quer voltar ao paraíso perdido, procura manter os valores ideais e vê as crianças se desviando do que realmente necessitam para serem salvas. Porquinho é a sabedoria rejeitada e Simon o louco, que saiu da caverna e viu o que estava acontecendo, mas ninguém quer saber disso e foi sacrificado como Porquinho. Vamos viver a vida,  crianças! Pau nos que não se adaptarem! Só precisamos da carne dos porcos, dos óculos do Porquinho e de dançar a vida. Segue o jogo! Ninguém virá nos salvar. Ah, e todos precisam acreditar que existe um monstro exterior que nos ameaça e do qual temos que nos defender e para isso nos manter unidos e arregimentados.

O filme é um arremedo do livro. Não consegue passar o que acontece no livro.

 Em suma: o livro conta a história da humanidade. Vou até parar de ler o livro porque o autor deve estragar no final.

- Tem q ler até o final, ô pá! Se o livro retrata a vida como ela é, qq final vale, pois a vida não tem um script fixo.

 Ninguém sabe esse final.





29 de outubro de 2021

Sobre os ossos dos mortos: Olga Tokarczuk




"No passado tive um relacionamento íntimo com um protestante, que, por sua vez, fazia projetos de autoestradas. Ele me dizia, supostamente citando Lutero, que aquele que sofre, vê as costas de Deus. Ficava pensando se eram os ombros, ou as nádegas, e como seriam essas costas divinas, posto que nem sequer conseguimos imaginar a frente. Parece, então, que aquele que sofre tem um acesso especial a Deus, pela porta de serviço, é abençoado, concebe algum tipo de verdade difícil de se entender sem o sofrimento. Desse modo, mesmo que pareça estranho, apenas aqueles que sofrem são sadios. Acho que assim estaria de acordo. "

Preparado para a Reunião

Lugar ideal.
Lebres correndo  entre as plantas,
e o povo feliz.

Mágica donzela
atrás do sol, surge Vênus.
Fagulha de luz.

Nosso CLIC é o Éden.
Juntos, nós compartilhamos

(Palavras de Janina Dusheiko - Elenir)


Rota de fuga da Sra. Dusheiko


"Quando a vista se enganchava neles, minhas pálpebras tremiam: essas estruturas erguidas nos campos, nas divisas, nos confins da floresta, feriam os olhos. Em todo o planalto havia oito delas. Sabia isso com exatidão, pois lutava contra elas, como Dom Quixote lutava contra os moinhos de vento.(...)
Pag.48    Sobre o ossos dos Mortos



Scream & Yell - Provérbios do Inferno - de William Blake



Olga Tokarczuk defende o valor das mudanças no ousado "Correntes" | Diario de Cuiabá


Os jornais procuram nos manter num estado de desassossego permanente para manipular nossas emoções, desviar nossa atenção do que realmente importa. Por que deveria me submeter ao seu poder e pensar da maneira que eles obrigam a pensar?


Cidade de Klodzko


ESTILHAÇOS DA HISTÓRIA


Janina Duszejko, vive em um remoto vilarejo sem nome, onde, sozinha, está travando uma guerra contra seus vizinhos, que são caçadores. Vegetariana e militante aguerrida da causa dos direitos dos animais, Duszejko está aflita com o inexplicável desaparecimento de seus cães de estimação e padece de toda sorte de angústias físicas e mentais. Quando os vizinhos começam a aparecer mortos de maneiras improváveis – um engasga com um osso enquanto come um cervo que ele mesmo matou, outro cai em um poço abandonado –, Duszejko tenta convencer a polícia de que os próprios animais estão se vingando dos caçadores.


Neve no vale do Klodzko


“É um grande mistério como os desafios despertam em nós forças verdadeiramente vivificantes”.

“Acredito que cada um de nós vê o outro a seu modo, portanto tem o direito de chamá-lo da maneira que acha adequada e conveniente"



“Acho que a psique humana se constituiu para nos incapacitar de enxergar a verdade. Para nos impedir de ver o mecanismo sem obstáculos. A psique é nosso sistema de defesa — é responsável por não nos permitir entender aquilo que nos rodeia. Ocupa-se principalmente de filtrar as informações, embora as possibilidades do cérebro sejam enormes. Seria impossível suportar tamanho conhecimento, visto que todas as partículas do mundo, por menores que sejam, estão compostas de sofrimento. (P. 208)


Autora do SOBRE OS OSSOS DOS MORTOS


As pessoas são capazes de entender apenas aquilo que inventam para si mesmas e é com isso que se alimentam. 

Todos nós somos católicos em termos culturais, mesmo que não gostemos disso. (P. 211)

Eu não conseguia deixar de pensar que aqueles que usam a palavra "verdade", mentem. (P. 174) 

As pessoas em nosso país não possuíam absolutamente nenhuma capacidade de se associar ou constituir uma comunidade... É um país de individualistas neuróticos que, no meio de outras pessoas, começam a instruir, criticar, ofender e demonstrar sua indubitável superioridade.

Acho que na República Tcheca é completamente diferente. Lá, as pessoas conseguem conversar tranquilamente e ninguém discute com ninguém. Mesmo que quisessem, não conseguiriam, pois sua língua não serve para discutir. 


Chupa cabra

A senhora deveria saber que tudo o que podemos imaginar constitui algum tipo de verdade. 

(citando Blake)




William Blake: Biography offers glimpse into artist and poet's visionary mind - BBC News


Provérbios do Inferno


No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.
A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.
Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.
O verme partido perdoa ao arado.
Mergulha no rio quem gosta de água.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.
Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.
A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.
A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.
As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.
Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.
Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.
Nenhum pássaro se eleva muito, se eleva com as próprias asas.
Um cadáver não vinga as injúrias.
O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.
Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.
A loucura é o manto da velhacaria.
O manto do orgulho é a vergonha.
As Prisões se constroem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a glória de Deus. A fúria do leão é a sabedoria de Deus. A nudez da mulher é a obra de Deus.
O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora.
A raposa condena a armadilha, não a si própria.
Os júbilos fecundam. As tristezas geram.
Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.
O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
O sorridente tolo egoísta e melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que ejam flagelos.
O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.
A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.
A cisterna contém; a fonte derrama.
Um só pensamento preenche a imensidão.
Dizei sempre o que pensa, e o homem torpe te evitará.
Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade. A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha.
A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.
De manhã, pensa; ao meio-dia, age; no entardecer, come; de noite, dorme.
Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece.
Assim como o arado vai atrás de palavras, assim Deus recompensa orações.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Da água estagnada espera veneno.
Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais que suficiente.
Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!
Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.
O fraco na coragem é forte na esperteza.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar sua presa. Ao receber, o solo grato produz abundante colheita.
Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser.
A essência do doce prazer jamais pode ser maculada.
Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar seus ovos, assim o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.
Criar uma florzinha é o labor de séculos.
A maldição aperta. A benção afrouxa.
O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a Beleza; as mãos e os pés, a Proporção.
Como o ar para o pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível.
A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco.
A Exuberância é a Beleza.
Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso.
O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade.
Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos.
Onde o homem não está a natureza é estéril.
A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada.
É suficiente! Ou Basta.



A escritora costumava vir em Maio, num carro carregado até o teto de livros... Se eu a conhecesse um pouco menos, certamente leria seus livros. Mas por conhecê-la, tinha medo de os ler. Era possível que eu me achasse neles, descrita de uma forma que não poderia entender? Ou os lugares que amo seriam totalmente diferentes do que são para mim? De alguma forma, as pessoas como ela, que dominam a escrita, costumam ser perigosas. Logo, levantam suspeitas de falsidade - que não são elas mesmas, mas um olho que está sempre observando, e transformando em frases tudo que observa; assim retira da realidade a sua qualidade mais importante - sua inexpressividade. 



Enquanto olhava para o planalto e sua paisagem em branco e preto, entendi que a tristeza é uma palavra importante na definição do mudo. Constitui a base de tudo, é o quinto elemento, a quintessência. 



Não compartilho dessa sua confiança nas autoridades. É preciso fazer tudo sozinho.



Oração pelos falecidos


Era difícil conversar com Esquisito. Ele falava muito pouco, e se não podíamos trocar ideias, era preciso ficar em silêncio. É difícil conversar com certas pessoas, particularmente homens. Tenho uma teoria a respeito disso. A partir de certa idade, muitos homens desenvolvem autismo de testosterona, que se manifesta lentamente como uma deficiência de inteligência social  e da habilidade de comunicação interpessoal que compromete a formulação de ideias. Um ser humano atacado por essa moléstia torna-se taciturno e parece imerso em seus pensamentos. Mostra-se mais interessado pelas diferentes ferramentas e maquinarias. Sente-se atraído pela Segunda Guerra Mundial e por biografias de pessoas famosas, geralmente de políticos e malfeitores. Sua capacidade de ler romances desaparece quase por completo, pois o autismo de testosterona interfere no seu entendimento psicológico dos personagens. Acho que Esquisito sofria dessa moléstia. 


Alguns cães costumam ser bobos, 

assim como as pessoas. 


Desenrolei cuidadosamente as grevas repulsivas e vi os seus pés. Fiquei surpresa. Sempre tive a impressão de que os pés são a parte do corpo mais íntima e pessoal, e não os genitais, ou o coração, nem mesmo o cérebro — órgãos insignificantes e supervalorizados. É nos pés que se encontra todo o conhecimento sobre o ser humano, é para lá que flui todo o sentido fundamental daquilo que realmente somos e de como nos relacionamos com a terra. Todo o mistério — o fato de sermos compostos de elementos da matéria e, ao mesmo tempo, estranhos a ela, isolados — jaz no contato com a terra, em sua ligação com o corpo. Os pés são nossos pinos da tomada. Contudo, nesse momento, esses pés nus eram, para mim, a prova de sua estranha ascendência. Não podia se tratar de um ser humano. Devia constituir uma forma inclassificada, uma daquelas que, como disse Blake, dissolvem os metais em vastidão, transformam a ordem em caos. Talvez ele fosse uma espécie de demônio. (pág. 15,16)


Trecho do livro


"Quando íamos dormir, embalados pelo vinho, eu e Boros nos abraçamos de gratidão por essa noite. Depois eu ainda o vi na cozinha tomando seus remédios e bebendo água da torneira. Pensei que era um homem muito bom, esse Boros. E era bom que ele tivesse suas próprias moléstias. A saúde é um estado incerto e não pressagia nada de bom. É melhor viver tranquilamente doente, assim pelo menos sabemos qual será a causa de nossa morte. Veio ao meu quarto no meio da noite e ficou de cócoras junto da cama. Eu estava acordada. — Está dormindo? — perguntou. — Você é religioso? — tive que lhe fazer essa pergunta. — Sim — respondeu com orgulho. — Sou ateu. Pareceu-me interessante. "




26 de outubro de 2021

Leite Derramado

O Livro do mês já havia sido posto em votação, mas até aquele momento ainda não estava decidido se o grupo leria 'Crime e Castigo' ou 'Leite Derramado'. Foi então que um boato de amizade entre o moderador e Chico Buarque de Hollanda desencadeou grande número de votos, favorecendo o último livro.
... ele me disse que vai fazer uma força para trazer o Chico Buarque (são amigos) para o encontro do Leite Derramado. Assim, será um encontro e tanto. Então, meu voto para o livro de maio é para o LEITE DERRAMADO.
meu voto também é para Leite Derramado e será um encontro muito esperado com a possível presença do autor.
Apesar de tentativas de esclarecer a não veracidade do relato, a 'bola de neve' já havia sido posta em movimento e rapidamente, o livro havia alcançado os votos necessários para liderar a competição. Os critérios de escolha foram questionados e algumas manifestações surgiram, pondo em dúvida a idoneidade da votação. Porém, como de costume, o livro mais votado foi acatado por todos. 'Leite Derramado', o quarto romance de Chico Buarque (após 'Estorvo' (1991), 'Benjamim' (1995) e 'Budapeste' (2003)), era o livro de maio.
Thurma, sugiro 'melar' essa votação de Maio. Aqueles que por ventura votaram no 'Leite Derramado' em função da possível presença do Chico Buarque talvez precisem rever seu voto...
..., você está insinuando que... votamos em Leite Derramado por causa dos olhos... verdes ou azuis? nem sei, do Chico Buarque???????????
'Leite Derramado' relata as memórias de Eulálio, um velho homem, em seus últimos dias de vida, num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, Eulálio relembra sua história, a de seus descendentes e a de seus ancestrais. A narrativa, apresentada em ordem lógica e cronologicamente embaralhada, torna mais fiel a identificação do narrador com um idoso. Este estilo de narração foi comparado aos trabalhos do cineastra francês, Alan Resnais, 'Hiroshima Meu Amor' (1959) e 'O Ano Passado em Marienbad' (1961), nos quais o tempo e a memória se misturam a todo instante.  Já o conteúdo histórico e cultural despertou semelhança entre o romance de Chico Buarque e 'Casa-Grande & Senzala' (1933), de Gilberto Freyre (1900 - 1987). O paralelo foi feito através da identificação de pontos de convergência entre as obras, tais como o mandonismo, o patrimonialismo, e a exaltação da riqueza e diversidade de raças e de culturas que formam o povo brasileiro.

O livro foi elogiado por sua poesia, lirismo, pelo estilo do autor em não ter medo de surpreender com palavras, e por sua musicalidade. A leitura foi dita passar a sensação de ouvir Chico Buarque ler, mais do que o primeiro capítulo somente, mas o livro inteiro. Como se “o livro fosse o que não coubesse na canção”.
“Não há um parentesco próximo entre romance e música. Mas existe uma música na estrutura dos meus livros. E também há sempre uma música no fundo da minha cabeça quando escrevo, quase uma trilha sonora, um assovio, um cantarolar que dita o ritmo.” (Chico Buarque em conversa com o cineastra Roberto de Oliveira)
Aparte a inegável genialidade do autor e o mérito da obra, o tema, não atraiu a todos. Alguns o descreveram como monótono, no sentido de começar e terminar da mesma cadência, sem despertar maior ou menor interesse. Sensação, que possivelmente foi acentuada, pelo fato da leitura seguir a de 'Dois Irmãos' (livro do mês de abril). Duas sagas familiares com triste desfecho e visões bem pessimista de histórias de vida, que mostram degradação de uma família, de uma sociedade, e de um espaço físico.
Outra crítica, da qual o livro foi alvo, foi seu término abrupto, causando a sensação, ao final da leitura, de “faltar algo”:
Eu terminei Leite Derramado e estou com uma sensação de que está faltando algumas páginas no final do meu livro. O final é na página 195 MESMO? Que coisa estranha....
Vai ver literatura é isso mesmo, deixa o final em aberto para que o leitor continue a estória do jeito que achar melhor.”
A estória do Eulálio não termina mesmo porque nenhuma estória termina de fato, sobretudo a do Eulálio e seus eulálios gerações afora.”
Estes últimos livros parecem sempre conter alguns quebra-cabeças envoltos em mistérios dentro de enigmas. Os autores não facilitam a vida dos leitores.”
A literatura continua sendo um esforço do homem para se indenizar pelas imperfeições da sua condição. " A literatura, como toda a arte, é a nossa confissão ao mundo de que a vida não basta".”
Sabiamente, foi comentado que “ler um livro do Chico não pode ser igual a ler um livro de um desconhecido”, pois “... quando vamos ler um livro de um escritor consagrado: já vamos munidos de expectativas... isso tanto pode nos fazer gostar ‘a priori’ como nos tornar mais exigentes”. E, de fato, a admiração por Chico Buarque não passou em anonimato.
Admiradora desde todo o sempre do "Chico olhos de ardósia", não havia lido nenhum de seus romances até então. Gostei muito do "Leite Derramado", leitura de pura fruição, Quanto lirismo em sua narrativa! A meu ver, a saga e a decadência dos Assumpção pareceram "menores" diante da beleza do texto e, muitas vezes, me senti "como se" estivesse lendo uma letra de música..., do "velho e conhecido Chico, é claro"...
Não sei se gostei muito do livro, mas concordo plenamente quanto ao lirismo. A narrativa, o uso das palavras, algumas frases super-sensíveis e belíssimas. Comparo o livro àquela frase "Life is a voyage, not a destination". A saga do Eulálio pode não ter me encantado mas a forma de descrevê-la sim. Por outro lado, volto a me perguntar: - estarei eu influenciada por toda a obra musical do Chico e pelos olhos cor de ardósia? Pode ser...
Os temas de discussões online, decorrentes do livro, criaram um maravilhoso Sanatório Geral. Eclético, o grupo, ao longo do mês de leitura, não se intimidou em termos da diversidade de assuntos abordados.

A semelhança entre nomes de participantes, por exemplo, deu origem a frutíferas brincadeiras em relação a duplos, heterônimos e ghost writers. 'O Homem Duplicado' (Saramago), 'Budapeste' (Chico Buarque); e até mesmo trabalho de Sigmund Freud (1856 - 1939) e conto do escritor austríaco Arthur Schnitzler (1862 - 1931) sobre um personagem e seu duplo, foram recomendados. E, como se não bastasse, foi revelada a existência de um duplo de Caetano Veloso no grupo!
“...Chico procura sempre manter separado o escritor do compositor, num esquema que ele mesmo chamou de "esquizofrênico". Quando se dedica à literatura, deixa o violão no estojo e evita ouvir música. Quando termina o livro e passa a temporada de lançamento e de traduções, volta a procurar os acordes e as linhas melódicas de suas canções, com um frescor de quem estivesse começando do zero.”
Outro ponto que desencadeou polêmica, surgiu da comparação entre o ciúme doentio dos personagens Eulálio (Leite Derramado) e Bentinho (Dom Casmurro):
...Se o Eulálio é o Bentinho do livro do Chico, o Chico parece ter os próprios olhos de Capitu.”
Essa de comparar os olhos do Chico com o da Capitu tem um fundo heterônomo: a ressaca de Capitu é a ressaca do mar, a do Chico é a ressaca da birita.”
A brincadeira, provocando alhures, levou essas mulheres de Chico a mirarem, não no exemplo daquelas mulheres de Atenas, mas nos 'olhos de gatão selvagem', como certa vez escreveu Tom Jobim.
Quanto aos olhos de ressaca, são de ressaca sim porque, como os da Capitu, têm a capacidade de tragar os que os fitam.”
Onde já se viu querer falar do Chico e logo dos olhos dele!
Qualquer homem que fale mal dos lindos olhos cor de ardósia do Chico é pura inveja.
Liga não. Isso é coisa de fã. ´Vai levando´ que ´ vai passar´”.
E um tema, dito vital para a humanidade (?!!), foi debatido: a cor dos olhos verdes de Chico Buarque.
Trata-se de uma questão vital para a humanidade (humanidade, feminina, é claro): afinal de contas, os olhos do Chico são azuis ou verdes?
Pra mim, a cor dos olhos do Chico varia de acordo com as condições climáticas, iluminação, local e cor da camisa e até estado de espírito. Nesse vídeo que você mandou, devo concordar, eles estão azuis. Tenho alguns outros DVDs em que eles parecem verdes... lindamente verdes.”
“...eu achava que eram verdes, mas olhando o vídeo postado,... no início tive a impressão de que eram cinzas, e depois verdes e também azuis,...
O fato é que, verdes, azuis ou ardósia, são irresistíveis.”
Foi tal a empolgação, que mesmo os participantes masculinos deram sua opinião e um deles até saiu divulgando espontaneamente a cor de seus próprios 'olhos negros'. Foi um 'Forrobodó'!!!

Divulgação preparada pela EdUFF para a reunião do clube em maio.

A reunião ocorreu no dia 29 de maio na Livraria da EdUFF. Às vésperas, o clima de descontração foi brindado com a volta do malandro, trazendo consigo mais um boato: a possibilidade de ver o Chico olhos nos olhos.
Atenção fãs do Chico, no início do mês enviei um email para a Companhia das Letras convidando o autor para vir à reunião do Clube de Leitura e só hoje me telefonaram informando que há chances de que o Chico compareça porque ele precisou cancelar um evento fora do Rio. Vocês poderão finalmente resolver a questão da cor dos olhos dele pessoalmente. Desconfio que tenha sido um trote.”
Automaticamente, um clima de imagina só surgiu entre os participantes. Alguns pensaram que haveria novo forrobodó no Clube de Leitura e em Icaraí, de onde se contempla Mar e Lua. Outros pensaram ser fantasia, um sonho impossível.
E então como é que é mesmo...? Chico, o dos olhos de ardósia, com Leite Derramado e tudo mais, em nossa reunião? Só falta dizer que vai trazer o violão e entrar pela porta da frente cantando "Tem Mais Samba" para enfeitar o encontro e aliviar a espera! Eita! que só de trote já "tá quas 'bão!' Um pouquinho mais e vira maravilha. Faz isso não, ...
O malandro, se verdadeiramente troteiro, com sua lábia, pode ter pensado: ai, se eles me pegam agora! Porém, os que não vivem sem fantasia (e um bom toque desta deve ser positivo!), deixaram-se levar por um "até pensei que pudesse ser mesmo verdade", afinal o grupo já havia sido contemplado com a ilustre presença de Gustavo Bernardo, autor de 'O Filho Eterno'. E se? O que será que teria acontecido? Seria um Quem te viu, quem te vê? Chico poderia até mesmo chegar fora de hora, pois a expectativa por sua chegada duraria até o fim.
O que acham de mudar o local da reunião para o teatro? O espaço na livraria vai ser pequeno.”
Gente minha... ... se essa história for (ou fosse?) verdade mesmo ... se o moço dos olhos de ardósia vier (viesse?) camuflado no seu "piolho estético" (e isso se o Ouriço não lhe emprestasse elegância!). Carolinas, Janaínas, Januárias e todo o resto da banda? O que/quem mais falta vir ou viria (virá?). Sei lá! Subiríamos todos ao palco para fazer o coro da Ópera do Malandro? Ou ficaríamos de olhar perdido na janela como Carolina sem ver o tempo passar? Niterói vai ser notícia! E boa!
Quanto ao fato de o Chico ir... na vida devemos sempre ter sonhos!!!Porque não?????
Ao final da reunião, pois é, o de Hollanda não apareceu e a autenticidade do convite nunca foi revelada. Sonhos são sonhos e quem sabe outra noite! Mas, agora falando sério, apesar de você, não ter ido à reunião, no Clube de Leitura não houve desalento, nem desencanto. Ninguém ficou injuriado e, como sempre, teve Olê, Olá. Pois, alguns são como ‘o homem sério que contava dinheiro’, ‘o faroleiro que contava vantagem’, ‘a namorada que contava as estrelas’, ‘o velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou que ainda era moço pra sair no terraço’, e a meninada assanhada. Assim como a banda, que com uma marcha alegre se espalha na avenida, em dia de reunião do Clube, parece que a cidade toda se enfeita. Faça Sol e Chuva, estão sempre todos juntos trocando em miúdos tantas palavras que levam consigo um pouco da música e poesia que este autor de ‘Leite Derramado’, homem do povo, domina com maestria.
Estou toda empolgada... não precisa do tapete... seu entusiasmo e o do grupo são constantemente um reforço muito carinhoso aos nossos (pelo menos meus) sentimentos. Até lá!!!!!!
Acabou que quem perdeu uma ótima oportunidade pra participar de um excelente debate, regado a queijos, vinhos e muita energia positiva, foi o Chico Buarque. Mas a gente perdoa ele... não há de ser nada...
E "Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou".
(A banda – Chico Buarque – 1966)




Reunião 29/05/2009 - Postagem feita originalmente em 30/05/2009

21 de outubro de 2021

"O Tempo entre Costuras" - María Dueñas


Quando estou entre costuras
não sinto o tempo passar.
Os sofrimentos e agruras
vão pousar noutro lugar.



Semana de reunião, os comentários sobre o livro começam a pipocar na caixa de entrada de emails dos participantes do clube de leitura, feito mísseis então inexistentes durante a guerra civil espanhola, cenário do romance do mês. É verdade que a segunda guerra mundial também surge como pano de fundo da estória, pela intensa participação nazista nas forças de apoio ao generalíssimo Franco. Sira Quiroga, a protagonista do romance, dublê de espiã e costureira, transita entre diversos personagens históricos desse período e sua vida reflete bem a conturbação da Europa em geral e da Espanha em particular. Estende sua aventura ainda pelo Marrocos e Portugal de Salazar, contando com uma intensa interferência inglesa no decorrer dos acontecimentos, uma vez que suas ações passaram a ser comandadas pelo serviço secreto britânico a partir de um certo momento. María Dueñas constrói uma trama interessante que sugere que os fatos históricos, em última instância, podem ser determinados por pessoas anônimas que não chegam a ter seus nomes registrados na história, que embora invisíveis, enquanto trabalham em suas atividades rotineiras, influenciam ativamente aqueles que decidem de fato os destinos do mundo.

Como sempre, as opiniões entre os participantes do clube têm sido bastante díspares, havendo desde aqueles que acham que Sira não passa de uma Sabrina espanholada a aqueles mais apaixonados que atribuem a Sira um destino bem melhor, sugerindo que nossa heroína representa a verdadeira essência feminina: “elegante, corajosa, inteligente, audaciosa, sedutora, leal, amorosa, Mulher.”

Não perdemos por esperar a próxima sexta-feira!

E ela veio! Duas horas entre costuras de pequenos retalhos de ideias e conceitos diversos que nos permitem seguir a confecção de nossa bagagem de leituras. Na reunião, as opiniões sobre o livro foram bastante antagônicas e divergiram de modo quase equilibrado (50 a 50%). De modo geral, o conteúdo de 'O Tempo entre Costuras' foi elogiado por proporcionar aprendizado em termos de costumes e história. A autora expôs estes temas de forma abrangente e agradável, o que nos levou a especular se este não seria seu 'carro chefe', ou seja, o livro parece ter sido construído a partir de uma pesquisa, onde as personagens são elementos introduzidos a fim de preencher a trama.


Na era do ipad, relembramos nossas antigas aulas de datilografia (para quem as teve) através da italiana Hispano-Olivetti Lettera 35, pretexto para a sentença de morte de um futuro em comum entre Sira e Ignacio.


Quanto a Sira, alguns leitores a acharam uma personagem vazia, imatura, simplória, facilmente manipulada, enquanto outros a leram como uma mulher corajosa, decidida e à frente de seu tempo. O final do livro, também variou de “horrível!” a “um grande barato!” ou “Dez!” 'O Tempo entre Costuras' foi uma leitura de altos e baixos.

A mudança abrupta na estória a partir da segunda metade do livro (ou pouco mais adiante para alguns) deu pano para manga. Esta mudança foi dita ter transparecido uma sensação de súbita desumanização da personagem principal, não compatível com a narrativa da primeira parte do romance, passando a sensação de haver dois livros em um só. Uma leitora descreveu o desconforto como 'não conseguindo acompanhar a personagem e não querendo que ela a acompanhasse!'. Em defesa de 'O Tempo entre Costuras', comentou-se sobre um processo de amadurecimento pelo qual passa a personagem principal, o que explica a mudança natural de caminhos na estória. A construção deste processo de amadurecimento parece ter sido o problema.

A linguagem e estilo de escrita foram vieses à parte. Ao ceder a narrativa em primeira pessoa à personagem principal, María Dueñas, segue a 'escola dos estilistas', utilizando-se de frases longas e descrições detalhadas de ambientes, vestimentas e outros pormenores, o que resulta em um estilo de leitura requintado (a modo Proustiano). A autora, porém, não é sempre feliz ao utilizar esta ferramenta, que às vezes se mostra excessiva e repetida. Como resultado, o que deveria revelar o bom gosto da personagem (com ares de sofisticação e elegância), ocasionalmente, acaba por retirar a fluidez da leitura lembrando-nos sobre sua existência e revelando-nos suas intenções.






 "O tempo, entre costuras,

alinhava seus recados;


faz de n
ós, entre molduras,


mosaicos desengon
çados."

18 de outubro de 2021

O Brasil que lê

 



É com muita alegria e orgulho que te entregamos o certificado. 
Com mais de mil projetos inscritos e o seu foi um dos contemplados, parabéns! 

Obrigada por fazer parte dessa pesquisa tão importante e por fomentar a leitura de maneira excelente e notável. Vamos continuar caminhando juntos por um Brasil leitor.

Obrigada.
Atenciosamente,
O Brasil que Lê.

16 de outubro de 2021

Primavera: Elenir / Outras primaveras: Everardo


Chega a primavera!
Onde as flores e os jardins?
Os prédios cobriram.



Amanhece...
Pela minha janela, uma brisa suave                        
traz o cheiro gostoso da terra
lavada pela chuva da noite.
Acalma o  meu corpo...
Acaricia a minha alma...
Desperta- me para a vida.                                            
                                                                       








Os ipês florescem.
Rosas, brancos e amarelos
Natureza em festa.




Chega a primavera!
     Cores, aromas e flores.
       Só minha alma inverna.



Por todos tão esperada
ei-la que surge sorrindo.
Trazendo cor e alegria
com muitas flores se abrindo
Nos ramos brincam os pássaros 
e as crianças no jardim.
O mundo fica mais belo
Que bom fora sempre assim!
Há mais doçura na brisa
e doce é o perfume do ar.
Os que brigam fazem pazes
pois é tempo de se amar.
Não! Não pensem que isto é sonho,
que se trata de quimera.
É tempo de nós saudarmos
a querida PRIMAVERA!

(Elenir)

.
* * *

outras primaveras

no ermo campo do céu
onde não ousa medrar
um espinho, espelho meu
na primavera no mar

na tristeza de Orfeu
que Eurídice foi buscar
no mais longo e escuro breu
– setembro não vai chegar

espelho, espelho meu
que nada pode espelhar
do ermo campo do céu
à primavera no mar

(Everardo)

(12/09/2012, d.)

Abraços (nada pessimista) a todos,