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30 de março de 2021

A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica: Walter Benjamin




A Acedia tem sido definida de várias formas como um estado de apatia ou torpor, de não se importar ou não se preocupar com a posição ou condição de alguém no mundo. Na Grécia antiga, a akidía significava literalmente um estado inerte sem dor ou preocupação. 






De 
Le Spleen de Paris (Os Pequenos Poemas em Prosa)

Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será mais fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.

Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.

De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.

Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.

Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"

Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam! 



De Gershom Scholem, poema sobre a "Saudação do Angelus", escrito a partir do quadro de Paul Klee, "Angelus Novus" e que foi enviado para o filósofo Walter Benjamin no dia de seu aniversário em 15 de julho de 1921.

"Aqui da parede, nobre, / não pouso o olhar em ninguém, / venho do céu que vos cobre / sou homem-anjo do Além // No meu reino o homem é bom / mas não é nele seu aposto / recebo do Alto o dom / e não preciso de rosto // A região de onde vim / tem medida e luz sem fundo: / o que me faz ser assim / é prodígio do vosso mundo // Dentro de mim está a urbe / para onde Deus me mandou / o anjo com este selo / nunca ela o deslumbrou // Minha asa está pronta para o voo altivo: / se pudesse, voltaria / pois ainda que ficasse tempo vivo / pouca sorte teria // Os meus olhos são negros e fundos / e nunca se esvazia o meu olhar / sei muita coisa deste mundo / sei o que venho anunciar // Não sou simbólico nem trágico /significo o que sou, é tudo / em vão giras o anel mágico / pois em mim não há sentido". (in BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Trad. de João Barreto. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 14, [N.T.])


Embriagai-vos
(Trad. Aurélio Buarque de Holanda, 1950)

É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso; eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar.

Mas – de quê ? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis.

E, se algumas vezes, sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder:

- É a hora de embriagar-se! Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor.


Enivrez-vous (Charles Baudelaire, Petits poémes en prose, 1869)

Il faut être toujours ivre. Tout est là: c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve. Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous.

Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront:

"Il est l'heure de s'enivrer! Pour n'être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise."


"Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário, e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo."

(Hegel, 1807)



Links:


  1. https://www.youtube.com/watch?v=BAaR9UHsUA0&feature=emb_logo
  2. https://youtu.be/07IKao3Ypcg 
  3. https://youtu.be/fY2npeXXmXI

28 de março de 2021

Entrevista em dose dupla: Benito Petraglia & Carlos Benites

Benito e Benites, ambos integrantes do Clic, tantas vezes classificados no Prêmio UFF de Literatura e outros prêmios, nos brindaram com mais uma entrevista-desafio, aquela em que as perguntas são formuladas e respondidas pelos próprios. Vejam o resultado e deem continuidade à entrevista utilizando o campo “Comentários”.



Nós temos em comum o fato de termos usado algumas personagens femininas da vida real que nos inspiraram a escrever alguns textos, como a Miss Eucalipto, a Dama do 996 e a menina da Livraria Travessa. Você tem alguma personagem feminina de ficção, que fez com que você se apaixonasse por ela?  Alguma que você lia e te deixava vibrando, pensando que ela seria alguém que você gostaria de viver uma história de amor e/ou paixão? Pode ser mais que um.


BENITO: O mais provável seria mencionar personagens de romances. Talvez a Luísa de Primo Basílio, ou Capitu, ou personagens de romances naturalistas. Mas a personagem feminina mais, por assim dizer, ardente vem de um conto! Isso, um conto, gênero em que a ação é o traço mais relevante. Trata-se de Conceição, de "Missa do Galo", construção genial do velho Machado. 

 É mulher apenas "simpática", "rosto mediano, nem bonito nem feio"; mas naquela noite de natal, naqueles breves momentos com Nogueira, transforma-se na figura feminina de papel mais provocante de todas que já li. E olha que ela não despe uma peça sequer de roupa. A dança que executa em torno do Nogueira, o clima criado, os gestos que ela faz: "Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los." - tudo contribui para a formação de uma atmosfera carregada de erotismo. Me deslumbrei junto com Nogueira. E ela, "que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima", naquela noite, só naquela noite.


 BENITES: As personagens femininas me atraem desde a adolescência ou pré-adolescência, quando eu já tinha me apaixonado pelos livros. Acredito que a primeira foi a Becky, namoradinha do Tom Sawyer no livro que conta suas aventuras, escrito por Mark Twain. Mas como tem muito tempo (e põe muito tempo nisso) que eu li pela última vez o livro, não tenho muitas recordações, não posso colocá-la num pedestal.  Mas daí veio outra personagem, que é pouquíssima conhecida, muitos inclusive não devem nem saber da existência desse livro e inclusive eu, confesso, tive que pesquisar para lembrar de seu nome correto (da personagem). Trata-se de Jeannine, personagem secundária do livro Gente como a gente, de 1976, livro escrito pela americana Judith Guest e que caiu em minhas mãos aleatoriamente em 1980, ao procurar livros no antigo Círculo do Livro.  A atração pela Jeannine tem a ver com a minha grande aproximação com o livro e com o personagem principal Conrad, que a conheceu dentro de uma biblioteca. Essa resposta em relação a essa personagem e à seguinte que vou falar, tem a ver com a resposta à próxima pergunta.  Como foi uma fase marcante de minha vida, já no fim da adolescência, Vestibular e, embora os problemas do personagem fossem bem diferentes do que eu tinha, me identifiquei muito com ele e, por tabela, o aparecimento da Jeannine, e a forma como ela era descrita, me deixou apaixonado por ela. Foi um livro que me emocionou bastante, e quando chegava ao final, me dava pena, e imediatamente o reli, não por não ter entendido alguma parte, mas por querer continuar mantendo contato com o livro. Essa personagem tinha uma aura tão linda, que ficava desenhando seu rosto enquanto eu lia e a imaginava como um padrão que eu gostaria de conhecer. Curiosamente, talvez instintivamente, tive relacionamentos que se ligavam a ela, mas que só tive noção dessa ligação anos depois.


Poderia citar também as personagens Aída do fenomenal Mario Vargas Llosa, por conta de seu ativismo político estudantil, mas para não me estender, vou citar uma personagem de um conto brilhante do Rubens Figueiredo. O conto chama-se "Alguém dorme nas cavernas" e a personagem é a espeleóloga Raquel. A culpa disso é do texto escrito pelo Rubens Figueiredo. Como te disse, Benito, há duas longas passagens (no mínimo), que eu considero umas das magistrais já lidas, nas quais o autor descreve as cenas de tal forma que o leitor dificilmente passa ileso. Como alguns críticos já têm comentado, ele vem seguindo uma importante característica do Graciliano, pois trabalha o texto de uma forma bem intensa, deixando-o ao mesmo tempo enxuto e preciso. Eu lia o livro e sentia o arrepio da pele da Raquel, os pelos de seus braços, os pingos escorrendo pelos seus cabelos, o cheiro da chuva e da natureza.  Vou deixar aqui, de brinde, duas passagens:

Os lobos vieram num ziguezague caprichoso, contornando barreiras invisíveis que eles mesmos inventavam no ar para se proteger. Um. Dois. O casal, a fêmea na frente. O macho atrás, (...) Experimentaram o cheiro novo, de Raquel, comedora de carne ela também. (...) Senti Raquel tremer, suar. Senti uma emoção palpitar dentro dela, respirar na sua pele. Lado a lado, boa parte do seu braço nu encostava no meu braço nu encostava no meu braço.(...)
O cabelo de Raquel ainda estava molhado. Lentamente, pus minha boca e meu nariz atrás da sua orelha. Ela não se mexeu. Os lobos diante de nós. Corri os lábios na sua pele, um, dois centímetros enormes. Respirei pelos seus poros. Descobri uma penugem macia na pele que desce abaixo da orelha, por trás na direção da mandíbula. Com a ponta da língua, provei a suavidade daquela ilha de cabelos. Resvalando de leve com os lábios, mal tocando em Raquel, minha respiração era uma penugem ainda mais tênue. Senti que o impulso de um arrepio atravessava o corpo de Raquel, uma reviravolta na sua pele. Ela não se mexia.
A frescura do seu cabelo molhado tocou um centímetro de minha pele, frio, em algum ponto da bochecha. Outra mecha refrescante deslizou um dedo na minha testa, deixando um rastro úmido, uma memória que ia se evaporar com o meu calor. Raquel não se mexia, mas seu cabelo de algum modo me acariciava. Os lobos a poucos metros de nós. Cochichei, sem saber por quê:
- Agora somos dois casais.


****
 Raquel já estava há algum tempo no lago, cada vez mais à vontade. De vez em quando vinha até a margem pegar folhinhas aromáticas para esfregar na pele, no cabelo. Boiava, afundava, se mexia na água quase sem fazer ruído. Como um peixe no fundo do rio. Ela já não pensava em cavernas, não pensava em Timóteo, já não era Raquel. Ela era água, era folhas, (...)
Rindo de mansinho, puxou-me pela mão, me fez entrar no poço, de calça, camisa, chapéu. De alguma forma, eu me desfiz disso tudo e Raquel passou a me esfregar as folhas aromáticas, quase tão macias quanto as suas mãos. Tentei não fazer ruído também, tentei ser água como ela. Procurei a ilha de penugem macia por trás do seu pescoço, abaixo da orelha. Raquel ria em silêncio. Escolhia pontos em meu corpo, distantes um do outro, no peito, nos ombros, onde apertava de leve o nariz ou tocava com a ponta de um dedo, e soprava. Suave, úmido. Duas ou três vezes pensei que eu fosse afogar no seu cabelo, mais água do que o poço. (...)
Raquel havia estendido uma toalha na margem. Me levou até ali. Minhas mãos esmagaram as folhas cheirosas da relva. Acho que arfei e rosnei como um bicho. Antes de dormir. 



 
E entre personagens masculinos, há algum com o qual você tenha se identificado, ou mesmo que fosse bem diferente de você, mas que tenha criado um elo muito forte entre vocês? Também pode ser mais que um.

BENITO: O personagem masculino é o Paulo Honório, de São Bernardo, do Graciliano Ramos. Não sei se é identificação, não sei se é por ser bem diferente... Quer dizer, diferente de mim ele é. São visões de mundo opostas. Ele é um possessivo, um explorador, que dá preço a tudo, enfim, um capitalista empedernido. Mas a força, a sinceridade, a densidade humana com que o velho Graça infundiu de vida este personagem lhe dão uma dimensão existencial enorme, sobretudo após o suicídio de Madalena, quando toma consciência do "mal" que fazia às pessoas. Toma consciência, bem entendido, mas não se modifica, pois o projeto inicial dele é construir o livro pela divisão do trabalho, como está na primeira frase do romance. A  propósito, como te disse, estou escrevendo, como você, um texto sobre uma fictícia opinião de Paulo Honório sobre a polêmica questão das biografias, interessante ideia do teu orientador. Quando ficar pronto te mando.



BENITES: Os personagens masculinos são o Conrad, do Gente como a gente, e o Santiago Zavalla (Zavalita), do Conversas na Catedral. O primeiro, como eu falei na pergunta anterior, é o personagem principal de um livro que muito me marcou.  Eu estava num período bem difícil, e daí as páginas do livro aos poucos foram me trazendo momentos de prazer e emoção. Embora as razões do sofrimento do personagem fossem bem diferentes das minhas, eu me identificava bastante com ele. Vibrava no crescimento que ele ia obtendo aos poucos.  A cada vitória, era como se eu comemorasse um gol. Com 17/18 anos, o livro veio como uma tábua de salvação, um companheiro e tanto. Quando o livro terminou eu lamentei e já coloquei como meta de que iria relê-lo em seguida.  Acho que comecei a relê-lo no dia seguinte. Aí esperava um tempo e voltava a ler uma, duas, três vezes.  ... não sei quantas vezes eu o li.  Acho que eu o li ainda uma última vez com mais de 30 anos, depois de ver o filme passar na tv, por ter ficado curioso sobre minha reação ao ler o mesmo livro que tinha lido há mais de dez anos pela primeira vez.


O segundo, Zavalita, pertence a um livro que eu lamento muito que o clube tenha ficado tão relutante em ler. Eu o considero melhor que todos os outros livros do autor já lidos no Clube. E creio eu que qualquer outro que já leu muito do Vargas Llosa deve pensar a mesma coisa. É daqueles tipos de livros que qualquer um que já escreveu algum texto gostaria de escrever. Me identificava também por suas atividades como participante de grupo político estudantil e das certezas e incertezas sobre esse movimento e tudo em sua vida. Mas creio que esse romance só será lido no Clube se eu estiver afastado dele.


 

Temos também em comum o fato de termos partido para estudar Letras na UFF já na fase adulta, muitos anos depois de termos estudado cursos que eram considerados os mais procurados em nossas épocas, você Medicina e eu Engenharia. O que sentiu de diferente?  Foi difícil tomar essa decisão? Alguma decepção em um dos cursos?

BENITO: É verdade. Nós regredimos, socialmente falando. De fato, senti diferenças siginificativas. A primeira foi imediata, de cara literalmente, diferença visual. Logo que entrei na sala, no primeiro dia, vi que a turma era colorida - era branco, era pardo, era negro, era vermelho, era amarelo. Na minha turma de cem alunos de medicina na UFF só um era negro. Outra diferença diz respeito à quantidade e ao nível de exigências quanto às tarefas escolares. Pede-se e cobra-se muito pouco dos alunos de Letras. Ou, pelo menos, pedia-se e cobrava-se. Outra diferença refere-se às ideias dos professores. Sabe-se que médicos, de modo geral, até por origem de classe, têm um pensamento, assim, meio conservador, pra não dizer... pois é. Pensei que na Letras, área de Humanas, fosse encontrar um ambiente mais progressista e não foi tanto assim. Agora, a diferença das diferenças, a sublime e suprema diferença é que encontrei meu caminho, ainda que tarde. A dificuldade de tomar a decisão se deveu basicamente aos meus pais. Muito humildes, mais humildes que os seus - excurso dramalhão mexicano -, queriam o diploma de médico do filho, eles que arduamente trabalharam para esse fim. Acho que no final ficou tudo bem. Dei a eles o diploma, e a mim dei-me o futuro.



BENITES: A primeira vez que o curso de Letras veio a mim, foi quando eu era adolescente e uma professora de Português, que gostava de minhas poesias, falou que eu seria escritor e que eu deveria estudar.  Só não lembro se ela falou exatamente Letras, mas a lembrança é que ela falou de um curso que me levaria a ser escritor. Mas eu já havia tomado a decisão muito cedo de que eu seria engenheiro elétrico. Não tenho certeza se seus pais eram mais humildes que os meus.  Mas essa decisão foi porque eu era bom em Matemática e, por ter como vizinhos dois irmãos, um médico e um engenheiro, algo que alguém disse (não lembro quem) me fez decidir muito cedo que carreira eu iria seguir. Acho que nem quando eu recebi um troféu num concurso de poesia e outro por escrever uma peça de teatro chegou a abalar minha decisão na época. Do meu início numa faculdade particular até chegar na UFF, comecei a ver que aquilo não era meu lugar, mas, assim como você, me sentia preso ao desejo dos pais de ter um filho que fizesse um curso de grande prestígio. Mas não lembro de pressão por parte deles especificamente pelo curso de Engenharia. Eu que me pressionava. Fui ajudado por um professor argentino que me deixava boiando completamente na sua disciplina, e tendo cursado mais de uma vez, sem sucesso, e mesmo não faltando tanto para me formar, entendi que nunca iria aprender aquela disciplina e o desânimo que já me tomava aumentou. Abandonar o curso foi a melhor decisão tomada.  Mas tem dias que eu penso que eu poderia ter seguido adiante, caso tivesse outro professor e eu acabaria levando o curso nas coxas até o final. 


O Curso de Letras veio bem tarde, e embora tenha noção de que se tivesse feito o curso mais cedo, algumas coisas poderiam ter sido melhores pra mim, imagino que essa decisão na fase madura de nossa vida ajuda bastante em alguns aspectos. Lembro que acumulamos mais conhecimento de vida e até da literatura, o que ajuda bastante no entendimento d a literatura. E não sei se tivesse feito Letras aos 17 anos eu teria partido depois para fazer especialização e depois Mestrado, e pensando no Doutorado. E lembro que quando fui estudar Letras foi para estudar Inglês, já que eu tinha concluído o curso do Fisk e queria obter a licenciatura para dar aula, coisa que eu sempre me negava a me imaginar como tal, talvez até por trabalhar numa faculdade voltada aos professores.  Do meio para o final eu praticamente já tinha decidido que iria seguir a área de Literatura, por conta de todas as disciplinas ligadas a ela, tanto as de língua inglesa, quanto as da literatura brasileira, grega e latina. No curso de Engenharia era uma época de poucas meninas. Acho que na particular estudei com 4 ou 5, sendo que duas são musas que eu pretendo escrever um dia, e na UFF eram só duas ou três meninas em todas as disciplinas. Hoje, se eu for no curso de Engenharia, há um equilíbrio entre os sexos. Talvez uma das habilitações até tenha grande predomínio masculino, mas nem de longe parecido com a minha época. De repente até haja mais mulheres em outras habilitações. Minha afilhada inclusive estuda Engenharia. No curso de Letras nem precisa dizer, mas em todas as disciplinas era o inverso da época da Engenharia. Outra diferença era a dificuldade em se ter uma nota de 9,0 pra cima na Engenharia. Lembro que tinha uma disciplina que fiquei com média 9,5 e eu achava fácil por conta do meu gosto pela Matemática, mas que reprovava muita gente. Mas todos comemoravam quando conseguiam atingir a média 7 e assim não precisavam fazer prova final.  Mas em geral, no curso de Letras só se o aluno não quisesse nada com a hora do Brasil, ou quando percebíamos claramente uma atitude maldosa do professor em relação a um ou mais alunos que alguém era reprovado.  A questão citada por você da relação racial eu percebi melhor na UFF, pois na Engenharia que eu me lembre só havia dois negros ou descendentes.  Já na Letras, embora não fossem tantos, percebia com mais facilidade que a UFF não era somente para os alunos ricos e brancos.   Na particular, tinha colegas que já trabalhavam, e isso me incomodava no início por não ter conseguido um trabalho, o que aconteceu depois que fiquei empregado. Na Engenharia da Veiga de Almeida, eu conheci mais gente com mente parecida com a minha, pensando no lado político. Na UFF, os estudantes de Engenharia era um celeiro de alunos com posições conservadoras, que remavam contra as ideias de boa parte dos estudantes dos outros cursos. Muito individualismo. Creio que se juntavam aos alunos da faculdade de Direito e Medicina. Quando teve uma greve estudantil em apoio aos professores, eu era o único do curso de Engenharia. Eram alunos também que pensavam mais em festa do que propriamente estudar.  E eu posso falar tranquilamente disso, pois eu circulava em todos os ambientes. Eu gostava de participar de tudo que era atividade esportiva e cultural nas duas instituições, se amigos marcavam para ir a festas no final de semana, eu também ia.  Foi uma época que eu me enriqueci bastante culturalmente, indo a teatro, cinematecas, festivais musicais, e participava do time de voleibol e futebol de salão da Engenharia. Mas estudava firme, pois sabia que se não ficasse horas na biblioteca, eu não aprenderia. Na Letras, acho que dependia muito de cada habilitação, pois cada uma tinha um perfil, assim como do turno. A turma que melhor me adaptei foi a que estudou comigo nas disciplinas da noite. Eram alunos mais batalhadores, que valorizavam o dinheiro que tinham que gastar em livros e cópias, que eram mais responsáveis com trabalhos e, o melhor, com um sentido de grupo melhor que todos.

22 de março de 2021

O corpo interminável: Claudia Lage

 



Claudia Lage no Clube de Leitura Icaraí



O corpo interminável

Claudia Lage

Melhor Romance de Ficção de 2019




Presença da escritora confirmada


20/03/2021 - 17h00



O que é o corpo interminável? Gosto de relacionar o título do livro ao conteúdo  e verificar se foi o título que conduziu a narrativa ao longo do livro, como um fio condutor, ou se ele surge a posteriori, quando a história já foi contada, rotulando o texto. No título “o corpo interminável” o que seria este corpo? Tem um trecho do livro em que Daniel se imagina no útero de sua mãe sendo torturada. Fiquei pensando se o que imaginamos não teria uma origem real, a partir do que fica registrado no DNA de nossos antepassados. Daniel estaria imaginando assim algo que ele realmente experimentou no útero de sua mãe, uma sensação, uma memória de uma experiência de quando ele ainda não tinha uma linguagem para registrar o que sentia, e que lhe deixou um vazio, uma espécie de ausência, uma melancolia. O corpo é interminável porque ele registra a memória e transmite a seus descendentes suas emoções, sua dor e cria no bebê  a sua forma de sentir a vida desde o útero? É interminável porque se refere a uma metáfora, o corpo social, em que a história vai transmitindo às futuras gerações seus traumas, superações, seus recalques? O que é um corpo interminável? Seria interminável porque é um coletivo que não se limita ao indivíduo, estendendo-se além dele nas experiências de empatia, solidariedade, sofrimento, alegria, enfim, compartilhamentos? Se refere aos corpos que desapareceram durante a ditadura e, por isso, sem o devido luto, tornaram-se intermináveis?



Gama Revista

Alguém tirou uma foto



Story



"O menino não se conformava, entrou no quarto do avô, revirou as caixas. Esqueceu de manter tudo em seu devido lugar, ou não havia esquecido, havia descoberto que o devido lugar não existe, só faz a gente pensar que existe pelo hábito das coisas não saírem dele, criarem marcas, raízes e não se moverem de jeito nenhum."



"Melina costumava ir à biblioteca pelas manhãs, enquanto eu ia às tardes. Sem saber revezávamos o único exemplar do livro sem nunca nos cruzarmos, a não ser entre as páginas (estávamos praticamente no mesmo ponto). Naquele dia trocamos as primeiras palavras, mas era como se já existissem outras. Como se em nós houvesse esse encontro, o da leitura, um outro tipo de presença."



Nijinski

3 de março de 2021

2° Encontro do CLIc-Rio: Conversa no Jardim Botânico

FOI ASSIM:
As conversas de Zavalita, Ambrosio e Carlitos foram retomadas nesta mesa


CONVERSA NO BICYCLETTE



Fotografia tirada pela Cintia





Personagens mais importantes do romance "Conversa no Catedral" (compilado por Rita)


Santiago Zavala, apelido Zavalita e Magro, um dos filhos de Dom Fermín, contra o governo vigente no Peru, se envolve em política na universidade, chega a ser preso, é solto pela influência do pai, sai de casa, vai trabalhar como jornalista em “La Cronica”. Casa-se com Ana.


Popeye Arévalo, apelido sardento e ruivo, amigo de Santiago na adolescência e apaixonado por Teté, filho do senador Emílio Arévalo.

Ambrosio Huxley, ex-motorista de Dom Fermín, filho de Trifulcio, que estava preso, e de Tomasa, a negra. Mulato forte que chegou a amedrontar Apristas e Comunistas quando trabalhava para Caio Bermudez. Amante de Amália. Se fode em Pucallpa, por culpa de Hilario Morales, enganado por Ludovico. Costuma comer na Catedral, bar para onde leva Santiago para tomar uma cerveja e conversar quando se encontram, anos depois da revolução.

Dom Fermín, pai também de Chispas e Teté, marido de Dona Zoila, ex-patrão de Amália, homem rico que vivia bem com o regime Odriísta da década de 1950.

Amália, empregada de que quase se aproveita Santiago. É despedida da casa dos seus pais, passa a trabalhar no laboratório de Dom Fermín e depois Ambrosio lhe consegue um emprego na casa de Hortensia.

Cayo Bermudez, filho de Abutre e de D. Catalina, o que, após uma trama onde enganou Ambrosio e outro amigo de infância, o futuro coronel Espina Serrano, casou com a Índia, de origem muito pobre, o que seu pai nunca perdoou. Mais tarde vira ministro todo poderoso do governo de Odría graças a Serrano.

Amigos da faculdade: Aída, por quem se apaixona mas não tem coragem de declarar-se; Jacobo, melhor amigo que acaba namorando Aída, Washington, Héctor, índio Martírez, Solórzano e Ave

Capitão Paredes,colaborador do coronel Molina, do governo

Senador Landa, outro amigo do regime

Hortensia Heredia, a Musa, amante de Caio, patroa de Amália

Queta, melhor amiga de Hortensia.

Ludovico, era empregado de Caio e depois passa para a polícia.

Carlitos, jornalista alcoólatra amigo de Santiago

Becerrita, jornalista chefe do setor de polícia




Los cliceanos de Icaraí no quisieron leer, pero el CLIc-Rio leerá. 

Conversación en el Jardín Botánico alrededor de la obra de Mario Vargas Llosa, "Conversación en La Catedral". 

La literatura, la gastronomía, el senderismo ... el resto nosotros inventamos. 

Punto de encuentro: Cafetería "La Bicyclette" 

Fecha: 04/26/2014 - Sábado 

Hora: 12:00 








O CLIc não quis ler, mas o CLIc-Rio vai ler. 

Conversa no Jardim Botânico em torno da obra de Mário Vargas Llosa, "Conversa no Catedral".

Literatura, gastronomia, caminhada...  o resto a gente inventa.

Ponto de Encontro: Café "La Bicyclette"

Data: 26/04/2014 - Sábado

Hora: 12:00 h

Programe-se


1 de março de 2021

Opinião de uma leitora – Rose Timpone


Ler em ipad é tudo de bom!

Terminei de ler o livro “La isla bajo el mar”, de Isabel Allende, na sexta-feira à noite, totalmente capturada pela autora que brilhantemente nos leva nesta história que junta fatos reais com ficção. Este foi meu primeiro livro no Ipad, o primeiro que li todo. Fiz muitas marcações, comentários e adorei.



A experiência de ler em ipad está aprovada. Tem índice das minhas anotações que o ibooks faz sozinho.  Posso fazer uma busca de alguma anotação ou trecho do livro que eu digito a palavra e ele elenca tudo sobre a palavra. Além disso, eu tenho sempre o mesmo volume na mão e é mais cômodo para segurar do que o livro.  Posso recorrer ao dicionário ali mesmo dentro do livro. Posso marcar alguma coisa e mandar por e-mail, enfim, recomendo a todos.



Eu li com o ipad em Portrait, deitada, sentada, em pé.  Ele não é pesado, meu ipad é o 2 e eu acho ele leve e prático em comparação a livros grossos.  Por exemplo, La isla bajo el mar tinha mais de 700  páginas, o que eu considero bem grosso, e tem as inconveniências do livro grosso quando a gente chega numa parte do livro que tem que dar uma forçada para ele abrir mais, com o ipad não tem isso.


Os livromaníacos podem sentir a falta do cheiro do livro, mas posso dizer que compensa. Outra vantagem também é que você pode ter mil livros dentro dele. Eu adoro tecnologias e o ipad é transformador.