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19 de março de 2017

Germinal: impressões de um leitor - Leo




“Os mortos não têm fome – sentenciou Maheu.”



Livro-tese, livro-denúncia, marco literário, Germinal é um livro divisor de águas, tanto fundador de uma escola literária quanto modificador de pensamentos: Não há como manter a inocência após ler Germinal.

Décimo terceiro livro da série Les Rougon-Macquart, no qual Éttiene Lantier – um dos protagonistas do livro - está na quarta geração.

O artigo indefinido é necessário pois difícil marcar o que protagoniza o livro: a fome? As injustiças? O estado animalesco a que essa população paupérrima tem que se submeter? Éttiene e sua luta contra a vaidade e seu amor por Catherine? A luta e a greve por dignidade?

Esse livro, marco fundador do Naturalismo- que leva o Realismo ao seu ápice ao criar uma narrativa com vida própria e não apenas o retrato de uma vida de penúria e injustiças. As ações são desencadeadas de forma a mergulharmos e sermos nós os personagens, guiados pelo autor, por vezes aparente, por outras desaparecido. Somos ratos. Como disse Afrânio Coutinho, o romance naturalista tem “o caráter extravagante de uma experimentação científica, que teria como laboratório a imaginação disciplinada e o espírito de observação do romancista”. No Brasil, Aloísio de Azevedo é uma de suas figuras: O cortiço e suas mazelas descritas nos remete, e muito, a Germinal

Dessa forma, Germinal conclama mais do que a pensarmos sobre o capitalismo, sobre a religião ou sobre a burguesia; nos conclama a viver na pele dessas personagens ricas: Maheu e seu senso de trabalhador respeitado por todos, Étienne - figura forasteira que desestabiliza toda a comunidade com suas ideias, Suvarin e sua didática política extrema, Catherine - figura passiva da dominação masculina pela força, Hennebeau e sua vida burguesa, e tantos outros que Zola divinamente descreve, criando um mundo próprio nesse microcosmo/laboratório que é a região de Montsou. Não há como não reconhecermos os tipos humanos condensados em cada uma das personagens.

O impacto dessa obra, no mundo e em nós, é o de acordarmos e quase escolhermos de que lado estamos. Não à toa justificamos cada grupo antagonista no livro, não à toa somos burgueses, ou mineiros, ou forasteiros, ou políticos. Identificamo-nos muitas vezes, culpamo-nos em outras. A inocência é deixada de lado a cada parágrafo. Não há heróis românticos, mas há heróis e muitos.


Parafraseando Maheu: Até os mortos têm fome...


A Reunião de Germinal, por Mariney



Perdoem-me, desde já, se o resumo da reunião não for fiel mas não fiz anotações e minha memória é claudicante no sentido de lembrar tudo o que aconteceu, especialmente os nomes de quem participou.

Fiquei muito feliz pois este livro foi minha primeira indicação e todos gostaram (com exceção do Hélcio que se sentiu claustrofóbico nas cavernas...kkk).

Segue o resumo:

Depois da apresentação pessoal de cada um dos presentes, teve início o debate.

Mariney explicou que este livro foi utilizado, por ela,com seus alunos, no período em que dava aulas na UFF.

Livro cruento e denso resultou numa reunião leve com abordagens diversas sobre o conteúdo. O realismo no estilo de Émile Zola fez com que todos se sentissem “enterrados” nas cavernas das minas de carvão ao longo da leitura do romance.

Foi mencionada a posição submissa e resignada das mulheres, quanto à sua relação com o homem e seu papel procriador de mão de obra, além de sua invisibilidade quando seus nomes eram mencionados como...”esposa de fulano, filha de sicrano...”

Outro aspecto que foi lembrado (por uma pessoa que estava nos visitando pela primeira vez, creio  que Flávia) foi o paralelo traçado, pelo autor, em relação à descrição da realidade miserável dos mineiros e, em contrapartida a abastança  dos burgueses. Também, o trato diferenciado dado, por estas classes, aos seus filhos: exigências duras na primeira e benevolência, na segunda.

Esclareceu-se que o livro não tem uma abordagem maniqueísta, e inaugura um novo estilo literário,o naturalismo.

Winter falou sobre os equívocos do autor em relação à menções feitas pelo personagem Suvarin sobre o anarquismo.

Este mesmo personagem, que permaneceu mudo por 2/3 do livro, aparece, no final, como autor do ato terrorista que aniquila uma das mineradoras e causa a morte de muitos, além de textualizar: ”esse ódio aos burgueses é apenas o desejo desesperado de serem burgueses, também”, em relação aos mineiros rebelados.

Mariney falou sobre a posição dos sindicatos e seu distanciamento em relação à realidade do trabalhador. Chegou mesmo a sugerir que os sindicalistas deveriam continuar trabalhando e dedicar tempo extra no sindicato. Falou, também, que numa disputa, o capital possui sempre mais gordura, para queimar, que o trabalhador, o que lhe dá vantagem nos resultados das negociações.

Creio que foi Marlie que falou que o Etiéne era o personagem sonhador que, ao longo do livro, vislumbra melhorias para os mineiros mas no final, vai embora, não criando raízes.

Alguém,também, se referiu à falta de consciência deste personagem, escondido nas ruínas de Requillard, se refestelando com os roubos de Jeanlin, enquanto os mineiros, em greve, não tinham nada para comer.

Elenir e mais alguém (desculpe não lembro) referiram-se ao lirismo do momento de amor entre Catherine e Etiene no fundo da caverna.

Outro momento, de texto emocionante, mencionado (acho que pelo Evandro e mais alguém) foi a morte do cavalo, na inundação.

Leo e Inês se referiram ao título do livro como uma sugestão de resultados históricos futuros a partir da germinação de ideias.

Evandro falou sobre a infelicidade do personagem Hennebeau que, apesar de possuir riquezas, não conseguia o que ele considerava mais importante na vida dele que era o amor da esposa. Ela possuía amantes mas não se deitava com ele. Ele trocaria toda a fortuna do mundo por uma noite de amor com ela. Comentou-se, então, que nem sempre a posse de  bens materiais trazem felicidade. Mariney também lembrou que AMOR só três personagens do livro vivem: Etiénne, Cathérine e Hennebeau.

Mais uma vez, peço desculpas se algo passou sem que eu me desse conta.

Gde abraço a todos e até ...”Brás Cubas”...


14 de março de 2017

Elenir é a ganhadora de "O homem que vendia ilusão" de Rudolf Bickel

Germinal segundo Elenir


"Germinal é um dos melhores livro que li no Clube de Leitura, reunindo densidade política e requinte literário. Uma verdadeira obra prima, inesquecível e atualíssima!"




Evandro, amigo, concordo plenamente. Livros como Germinal; Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov; O Homem que Amava os Cachorros; Indignação; O Estrangeiro... e tantos outros que agradeço ao CLIC tê-los lido. 

Gosto desse gênero literário. Profundo. Suavidade só na poesia. Romances fortes e densos me apaixonam.

Gostaria de acrescentar que não apenas,na poesia a suavidade me agrada. Gosto do escritor que sabe intercalar parágrafos tensos, profundos, com outros poéticos que nos levam a fechar os olhos e dar asas à imaginação. Ou um parágrafo de paixão. 

Pausa para descanso. 

Este é um grande escritor. 


Trecho de Germinal;  

"Eram quatro horas da manhã. A noite fresca de abril se acalentava com a chegada do dia. No céu límpido as estrelas cintilavam, enquanto a aurora tingia o oriente de púrpura. E os campos escuros, adormecidos, revelavam somente um frêmito, o vago rumor que precede o despertar." 

"E foi, enfim, sua noite de núpcias, no fundo daquele túmulo, sobre aquele leito de lama, a necessidade de não morrer antes de ter provado a felicidade, a  obstinada necessidade de viver, de fazer mais última vez a vida. Amaram-se no  desespero absoluto, se amaram na morte." 

Esta parte linda, não me acalmou. Emocionou-me e arrepiou-me.


2 de março de 2017

Tudo pode mudar… de repente!


Excelente livro do nosso colega cliceano Daniel. Narra a saga de uma família com suas lutas, a coragem e a tenacidade ao imigrar para o Brasil no tumultuado século passado. Exemplo que bem pode representar o caso de muita gente que precisou se adaptar às novas condições de vida em terras tropicais. São textos sensíveis e autônomos que vão nos envolvendo intensamente ao longo da leitura. Daniel faz um poema de cada situação da vida de uma família com fortes valores humanos.

Ser estrangeiro: a eterna questão do preconceito, da necessidade de discrição para não se fazer notar. Talvez uma das mais recorrentes lições da sábia família retratada no livro seja motivada pela história de perseguições do século XX, o que exigia dos imigrantes moderação e sobriedade no falar, vestir-se e comportar-se. Comedimento era palavra de ordem. Daniel apresenta um panorama esplêndido da formação do povo brasileiro a partir dos processos migratórios que ocorreram.

Na apresentação que faz do livro, o cineasta Sylvio Tendler constata a universalidade do drama humano abordado. Quando o narrador conta a história de seus pais, o faz a partir do que são os rituais do cotidiano de grande parte dos grupos de imigrantes que cruzaram os mares fugindo do horror das guerras do velho continente. A certa altura, suspeita-se que o segredo das famílias que venceram o desafio, em maior ou menor grau, é revelado: “rigor e afeto bem dosados”, cumplicidade e solidariedade no sofrimento. “O calar-se era o respeito de cada um ao perceber a dor do outro.”

Os rituais domésticos à mesa, as orações, as tarefas, a disciplina, a higiene, etc., proporcionam uma radiografia da família, a intimidade entre os membros fortalecida pela solidariedade, pela proteção e o afeto mútuos, pela educação para o mundo e para a vida. “O brilho nos olhos dos pais eram a memória de outros tempos vividos e eram, também, os tempos de agora, o eterno momento vivido agora”. O agora é o melhor momento da vida, sem igual, é preciso acreditar nisso.

O narrador reincide inúmeras vezes naquilo que parece caracterizar sua tradição pessoal, a figura da mãe reinando soberana nos domínios do lar, na educação dos filhos e nas relações familiares. O marido submetendo-se, como bom e fiel companheiro, ao seu protetorado doméstico. Ele afirma que a mãe sustenta a sua dignidade apesar da crueldade de oferecer a troca de qualquer um de seus outros quatro filhos pelo filho preferido, quando este é convocado para a guerra. “Pode sortear entre meus quatro outros filhos. O sorteado servirá à Pátria conforme o seu desejo”, ela diz para o major das forças armadas. Imagino o que passou pelo coração dessa mãe, uma terrível escolha.

A problemática do sexo, suas pulsões e inibições potencializada num ambiente coletivo, é abordada de maneira objetiva e nos remete ao intemporal embate entre o público e o privado. A masturbação se mostra uma via para o autoconhecimento. “A masturbação coletiva na calada da noite aumentava o brilho dos olhos na escuridão, assemelhando-se ao brilho do luar. Mantinham o silêncio e a privacidade como as batidas abafadas dos corações.”  

Realmente um texto com incrível poder literário, que nos seduz pelo ritmo poético das palavras, arrebatando-nos em seu fluxo melódico. A editoração é super caprichada, um projeto visual pensado e sentido nos mínimos detalhes. Simplesmente profundo, de uma leveza que nos sustenta em seu livre planar de emoções. Escrita musical gravada numa singela pauta que se desdobra “até o infinito em emoções harmônicas e desarmônicas, que mesmo um belo texto literário não poderia descrever. O coletivo inscrito nas individualidades de cada ser”. Uma maneira muito legal de se contar uma história, que na verdade retrata incontáveis histórias, atrelando pequenos trechos pela correlação de suas ideias chaves, em que um contexto vai se formando a partir das experiências pessoais de cada leitor, como num tecido formado a partir de seus retalhos.



O que se percebe, ao final do livro, é que o destino estrangeiro não é apenas o porto de chegada dos imigrantes. Ele é também o destino de todos nós, homens e mulheres peregrinos de nossa própria existência, cada qual a seu modo construindo sua própria história… de repente!