Fundado em 28 de Setembro de 1998

31 de dezembro de 2013

Mensagem de William Lial - É chegada a hora

Amigos do CLIc.

Como estão todos?

Por motivos que pedem a minha atenção e tempo, tenho estado distante, mas não poderia ser de outro jeito. Porém, espero novos dias mais agradáveis, e, hoje, não quero falar dos 365 dias de problemas multiplicados por seis anos, mas da alegria, do prazer de tê-los conhecido. No seu grupo fui bem recebido, fui lido - por alguns, até muito lido, seja pelos meus textos em sites e blogs, seja pelos meus livros que alguns de vocês adquiriram através do Evandro. Obrigado a todos!

Sou muito grato aos que compraram meus livros, aos que os divulgaram - não vou citar nomes para não ser injusto, caso esqueça de algum -, aos que leram e comentaram meus textos, aos que ficaram felizes pelos simples textos que escrevi sobre seus textos. Foram gentis.

E para encerrar, convido-os a lerem meu último texto do ano, publicado hoje no meu blog sobre o ano que se encerra. É um texto pequeno, bem pequeno - não vamos tomar tempo demais diante o computador ao invés de celebrarmos com familiares e amigos não é, rs?! Aqui está o texto: http://williamlial.blogspot.com.br/2013/12/ao-velho-partida.html

Desde já, obrigado pela leitura!

Um Forte abraço a todos e um Grande 2014 pela frente com boas leituras, boas conversas, boas trocas, saúde e bons amigos!

William




William Lial é escritor (poeta, cronista, contista, romancista de um romance ainda não publicado), ensaísta literário, e mestre em Literatura Comparada. Autor de três livros de poemas, Sombras (2001), Noturno (2003) e O mundo de vidro (2005). Além de colaborar com jornais e revistas do país. Para saber mais sobre o autor e seus livros basta acessar e/ou seguir seu blog: http://williamlial.blogspot.com/, curtir sua página no Facebook: 

27 de dezembro de 2013

BEL CLIC N°9: by Rita Magnago

Ano I - Nr. 09 - Niterói, 26 de dezembro de 2013 
Cliceanos na Antologia UFF 2013
Uma noite pra lá de especial. Além dos seis integrantes do Clube de Leitura Icaraí que se classificaram e têm seus textos publicados na Antologia em homenagem ao centenário de Vinicius de Moraes, o companheiro Carlos Benites ainda foi agraciado com o 2º lugar em Poesias. Uma emoção a mais durante a solenidade de premiação realizada no auditório da Academia Fluminense de Letras no dia 17 de dezembro, na Biblioteca Pública de Niterói.

Conheça os textos dos cliceanos que constam na Antologia 2013 clicando nos links abaixo (exceto o do Winter, cuja liberação não foi autorizada pois o autor não considera a internet uma ferramenta adequada para este fim).


crônica Benites

http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/2013/12/premio-uff-2013-cronica-classificada-de.html

conto Rita
http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/2013/12/premio-uff-2013-conto-classificado-de_7674.html


conto Novaes/
http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/2013/12/premio-uff-2013-conto-classificado-de_18.html

conto Benito
http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/2013/12/premio-uff-2013-conto-classificado-de.html


poesia Benites
http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/2013/12/premio-uff-2013-poesia-premiada-de.html

poesia Luiz 
http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/2013/12/premio-uff-2013-poesia-classificada-de.html
Nasce o primeiro livro do Clube de Leitura Icaraí. Coquetel de lançamento será em 14 de fevereiro
Em gestação desde março de 2013, nasceu em dezembro o filho pródigo do Clube de Leitura Icaraí, comemorando um feliz casamento de 15 anos entre livros e leitores. Foram nove luas cheias e mais uma lua nova!
Parrudo, com 208 páginas, e textos de 29 leitores, o livro é dividido em três partes: a história do Clube, com depoimentos de participantes; textos sobre livros lidos pelo CLIc e uma Antologia com haicais, poemas, contos e crônicas de leitores.
A Editora da UFF, que confeccionou gratuitamente o livro do Clube, nos brindará ainda com a versão digital, em breve, e com o coquetel de lançamento. O livro já está à venda na livraria da UFF. Nossos agradecimentos ao Prof. Mauro, Ana Paula e equipe.
Lançamento em fevereiro
Você está convidadíssimo para a cerimônia oficial de lançamento do primeiro livro do Clube de Leitura Icaraí. Tome nota: dia 14 de fevereiro, das 19 às 21h, na Livraria da UFF ( Rua Miguel de Frias, nr. 9, Icaraí, Niterói). Esperamos por você!
Para conhecer mais sobre o projeto do livro, leia a entrevista com os organizadores e concièrges do CLIc, Evandro de Andrade e Cintia Campos clicando no link abaixo:
Leia a entrevista com os concièrges e organizadores do livro
Já votou no melhor livro lido pelo CLIc em 2013?
“Vermelho Amargo”, “As Mulheres do meu Pai”, “Infâmia”, “A Ilha sob o Mar”, “O Estranho no Corredor”,  “O ano da morte de Ricardo Reis”, “letras rebeldes, fluidos insensatos”, “Uma pena, uma saudade”, “Sidarta”, “Angústia”, “1934”, “O deus das pequenas coisas” e “Nas malhas do devaneio” foram os títulos que nos conduziram neste inesquecível ano de 2013.

Não deixe de votar no livro que você mais gostou acessando o blog do CLIc. A pesquisa está no lado direito do blog, logo abaixo da foto "CLic nas cidades".
Viva os participantes do Clube de Leitura Icaraí!

Um 2014 de grandioso convívio literário no nosso clube de leitura!

Les concièrges 
Clube de Leitura Icaraí (CLIc)
Reuniões na segunda sexta-feira útil de cada mês, das 19 às 21h,
na Livraria da EdUFF, à Rua Miguel de Frias nr. 9, Icaraí, Niterói, RJ

25 de dezembro de 2013

Livro indicado - O Homem Interdito: Marcelo Benini


R$ 15,00

Em 37 histórias curtas, que buscam desafiar os limites da crônica, o autor constrói um painel sobre a vida contemporânea, tendo a literatura como pano de fundo.

* * * 

Marcelo Benini é mineiro de Cataguases, cidade de grande tradição cultural e literária. 

Excertos de "O Homem Interdito"


Compêndio da Anatomia dos Amores Mortos

Cada amor malogrado tem a sua própria maneira de deixar ressaibo. Eis por que a natureza tem sabedoria, posto que amores não se destinam ao esquecimento. Esquecer é um remédio alopático, que só faz empurrar o amor lá para dentro, entranhando-o, calcificando-o dentro de nós e nos tornando museus de histórias mortas.

Cada um que se vire e crie para si uma maneira peculiar de arrastar seus amores. Eu tenho a minha e aqui a revelo sem receio de alogia ou julgamento. Tenho a aptidão de receber em meu corpo o espírito dos amores fúnebres e dar novamente voz a cada um deles. Esse fenômeno, todos já o conhecem por psicofonia. No meu caso, o singular é que todas as moças em questão ainda estão por aí, vivinhas. Algumas se casaram novamente, outras tiveram filhos, enfim, tocaram a vida, como se diz.

...

O Homem Interdito


Gravura digital (a.i.), de Ralfe Braga, inspirada no livro O HOMEM INTERDITO

Nunca me interessou o homem obediente. Evitei sempre os temas rotineiros, a crônica de hábitos. Tais observações serviriam apenas para dar lastro ao imbróglio em que se transformou a vida neste mundo. Ocupo-me do homem vencido, sobrepujado, aquele que se curva com tristeza, entregue bovinamente ao estado das coisas.

Há grande diferença entre o homem obediente e o homem interdito. O primeiro vive absorto em enganos. Aceita a mentira para suportar a si mesmo. Ainda que o ar lhe esmague as vias ele acreditará na fraude da felicidade. O homem é um animal abatido, nele há essa memória infernal das coisas às quais jamais compreenderá. A sabedoria do homem interdito é aceitar a tristeza como uma condição.

O primeiro enfrentamento se dá a cada manhã, quando os cílios movem-se autômatos e já a primeira claridade oprime os sentidos. Acaso não deveríamos ao abrir os olhos extasiarmo-nos com a luz? Estamos a adivinhar o peso de algum jugo inaudito quando fechamos as pálpebras em um gesto de proteção e desejamos adiar a vida por alguns minutos?


...



O Domingo dos Ipês (Trois Gymnopédies)

A flor se desprende do talo e cai com delicadeza de flor. Cai como a melodia: douloureux, triste, grave. Antes de chegar ao chão, destino que lhe impõe responsabilidades humanas, a flor estala de amarelo o contraforte azul que é o céu.

Só é perceptível na flor o amarelo, assim como só é perceptível a felicidade no olhar de um pai que pressente o filho. Pintem de azul todos os calendários no mês de setembro! Sem manchas brancas, sem tristezas plúmbeas. Apenas azul-setembro.

As flores vão caindo e juntando-se a muitas outras flores sobre a grama gris. Não chove há três meses. Pergunta-me a amiga que gosto há em viver em uma cidade tão insípida? Digo-lhe que é o céu, pois que abaixo dele nada combina bem. À umidade de doze por cento até as almas ressecam, concordamos. Tem-se, então, a vida nessa cidade de estranhos hábitos, o de ignorar o nome da moça que vive no apartamento ao lado, de não se dizer bom dia no elevador e de caminhar olhando sempre o chão.

...




O Sorriso dos Infelizes

Ainda existe em minha memória o menino que tocava bandoneon nas ruas de Santelmo.  Esse menino não existe mais e talvez eu mesmo já não exista. Eu e aquele menino nos perdemos no tempo. Não sei as causas que o levaram ao desaparecimento, isso caberá às autoridades de Buenos Aires investigarem e darem uma explicação convincente à população e aos milhares de turistas que visitam a cidade. Quanto a mim, sei exatamente por que deixei de existir, mas isso não vem ao caso agora.

Ocorre que eu e aquele menino cometemos erros graves. Eu, o de tirar a fotografia e ele, o de se deixar fotografar. Naquele segundo em que meu dedo pressionava o botão, nenhum de nós poderia imaginar que estaríamos para sempre ligados. É tão raro haver um encontro como aquele, onde há total cumplicidade das tristezas. Passamos a vida procurando por isso e acreditamos por algum motivo que tal afinidade esteja nos olhos da mulher amada. O que vem a ser o amor senão essa esperança de que um olhar seja suficiente? Ocorre que são tantas e tão fracassadas tentativas que resta apenas um cansaço autômato de turistas fotografando.  

...


* * * 


(As histórias continuam em "O Homem Interdito" de Marcelo Benini)


24 de dezembro de 2013

Amor é amor, seja do que jeito for: Luiz Gavri


BARREIRAS/CONTATOS


Uma das ... características do tecido nervoso é

a memória; ... ser permanentemente modificado 

por ocorrências únicas.

(Freud, Projeto de uma Psicologia Científica, 1895)




Memórias são atalhos em florestas
Não são os mesmos a cada passagem 
Nem o destino a que conduzem.
Barreiras de contato entre neurônios 
Não deixam passar energia.
Quando cedem à ternura
Não se fecham jamais.


Caminante, no hay camino, Se hace camino al andar
(Antonio Machado)


Ultrapassando limites

Multado pelo teu desprezo
Sabia aonde chegar
Para te encontrar despida,
Nua de preconceito,
Muda de sensatez,
Sem medo do talvez.


“Tristeza não tem fim, Felicidade, sim” 
(Tom Jobim e Vinicius de Moraes)


Tristeza é asfalto duro
Felicidade, a paisagem que se renova
Nas colinas e depressões
Do teu corpo moreno
Das tuas palavras loucas


(Niterói, 24/12/13)





Luiz Gavri é docente da UFF. 
Médico com pós doutorado em Parma e Verona. 
Poeta finalista do Prêmio UFF 2013. 
Participa do Clube de Leitura Icaraí desde Março 2012. 
Leia mais da obra literária de Gavri no livro "Clube de Leitura Icaraí: 15 anos entre livros"




Bom Natal e Feliz Ano Novo!



19 de dezembro de 2013

Prêmio UFF 2013: conto classificado de Rita Magnago



MEU ENCONTRO
















Éramos dez. Achei que seríamos um grupo ainda menor. Confesso que, antes de entrar, pensei várias e várias vezes, perdi o sono, tive muita vergonha, mas enfim, resolvi tirar minhas lentes de contato - não tanto porque não posso enxergar bem os demais, mas porque não posso ter certeza da fisionomia deles quando me vêem. E assim consegui a coragem para comparecer, um pouco menos desconfortável, só um pouco.
Na recepção nos indicaram o local do vestuário. Cada um que entrava se dirigia para lá, onde, no nosso armário, um roupão atoalhado cor bege esperava, dobradinho. Sentamos em círculo com uma cadeira no meio, a do mediador. Quando a moça da recepção avisou que todos os participantes estavam presentes, o mediador levantou-se, trancou a porta, dirigiu-se para a lateral da sua cadeira, tirou o roupão e ficou em pé no meio de nós, inteiramente como veio ao mundo, para explicar o método, melhor dizendo, a experiência.


  Não sei se alguém prestou atenção, eu não consegui. Mesmo sem a minha lente eu ia vendo uma coisa balançando à medida que ele falava e me desconcentrei. Comecei a suar, senti o rosto quente, acho que viajei.
D. Lorena, d. Lorena, a senhora entendeu? Agora todos precisam tirar o roupão. Podem ficar com ele sobre a cadeira mesmo e sentar em cima. É até bom que protege.
Siim, eu disse meio gaguejando e com a voz rouca – sempre que fico nervosa minha voz começa a sumir. Esse homem é um louco, pensei. Protege? Protege? Que é isso? Nunca me senti tão desprotegida. Olhei ao redor e todos já tinham se livrado de suas vestimentas. Quatro homens e seis mulheres. Meu Deus, como é que eu vim parar aqui? Desembaracei-me daquele cordão na altura da cintura desfazendo o meio nó, movi os braços para tirar as mangas sem me levantar, o roupão ficou preso, tive que levantar um pouquinho, que constrangimento! Olhei para baixo, ai que vergonha! Ainda por cima fiquei toda arrepiada - era de frio, mas vai que alguém pensasse diferente... minha nossa senhora, valei-me.

***
O mediador - eu não gravei o nome dele ainda -, sentou-se e pediu que nos apresentássemos e contássemos nossa experiência prévia em tratamentos anteriores. Pediu que o senhor careca começasse.
Essa deve ser minha décima tentativa. Já tentei nutricionista, endocrinologista, ortomolecular, mas o problema sempre volta. Emagrecer eu emagreço, mas não consigo manter. Depois de dois meses começo a engordar tudo de novo e mais ainda.
A seguir veio a moça que estava ao meu lado – eu seria a próxima e já comecei a gelar -, ela disse que tinha ido a médicos, usado produtos naturais, tomado vários tipos de chás e também engordava tudo de novo pouco tempo depois.
        Eu? Bem, como os colegas, fiz inúmeras tentativas. Além de médicos, tentei a dieta Dukan, a mediterrrânea, a de 600 calorias, fiz caminhadas e ginástica. Tive bom resultado em algumas vezes, mas com o tempo...
A dança das cadeiras continuou. Havia entre nós até um senhor que já tinha feito cirurgia bariátrica, aquela que reduz estômago, sabe? e mesmo assim engordou de novo, porque tinha compulsão por leite condensado e bebia direto da latinha toda vez que sentia fome.
Na segunda rodada de perguntas tipo ‘integração’, como chamou Danilo - acho que esse é o nome dele, me recordo agora -, a questão foi porque resolvemos aderir à experiência. 
Na vez da minha resposta, o grupo riu pela primeira vez - precisávamos mesmo de um pouco de descontração, ufa! -, e eu só respondi a verdade: desespero.      
Após a saraivada de comentários que no fundo diziam mais ou menos isso, Danilo começou a falar. Levantou-se de novo, foi até o ‘flip chart’ e desenhou um rosto desconjuntado de um corpo. O rosto era redondo e o corpo, obeso, disforme e assexuado.
Esse, senhores, fui eu, ele disse. Esse, senhores, são vocês hoje. Alguém discorda?
Ninguém falou coisa alguma. Danilo então nos contou de sua formação em psiquiatria e psicologia e que é sabido em todo o meio médico que em um grande número das pessoas que engorda e tem dificuldades para controlar o peso, a causa é emocional, excetuando os problemas na tireoide e outras raras enfermidades. Mas que não convém a tantas especialidades médicas e nichos de mercado abertos com o filão da obesidade divulgar isso. Trata-se o efeito e não a causa, daí o método atual ser inovador, ele disse.
Continuou explicando que optaram por uma abordagem não ortodoxa, “não vamos indicar sessões de psicologia para ninguém” por acreditarem que o resultado seria muito mais rápido. Eu deixei a reunião com dor de cabeça, nunca pensei que vergonha desse enxaqueca, mas enfim, ao menos permanecia viva.

***
  Em casa me esmerei ao máximo na ingestão de poucas calorias, comprei peixes, fiz legumes ao vapor, caminhei a semana quase toda, fugi dos doces como o diabo da cruz. No encontro nudista da semana seguinte, digo, no encontro para emagrecer, eu tinha perdido dois quilos. Quase todos os companheiros de opróbrio também foram vitoriosos e aos poucos íamos deixando, junto com os quilos a mais, a timidez.
Falávamos de nossos sentimentos durante a semana, do que nos motivava a continuar prestando atenção à alimentação, aos exercícios. Vomitávamos sapos, derramávamos hipócritos conceitos, chutávamos o balde mesmo, como se diz. O olhar do outro ali sempre tinha um grande peso, mas esse era incrivelmente leve e só nos ajudava nas balanças, tanto na física quanto na emocional.
De minha parte, o que eu queria era parecer melhor e mais agradável aos colegas e a mim mesma. Mudava por dentro para transparecer por fora. Em casa sentiam a diferença. Minha forma de tratar a família era outra, o tom crítico dava lugar a uma abordagem mais compreensiva. A assertividade das colocações aumentava no trabalho também e a descontração com os amigos era evidente. Mudei as cores das minhas roupas, meu estilo, cortei o cabelo, caprichei nas unhas. Queria refletir o novo eu que estava reconstruindo.
Ao cabo de três meses de programa nosso incentivador mor, no início do encontro, fez outro desenho no quadro. Era um rosto com um corpo; não tinha nada de atlético, mas era uno. Muitos sorrisos iluminaram aquela reunião. Sabíamos que, na realidade, o tratamento ia muito além do corpo, o foco era a auto-estima, mas, que importa? Ela estava lá no alto mesmo.

***
Fiquei no programa durante uns sete ou oito meses. Saí de lá com o que a ciência diz ser a faixa recomendável para minha idade, altura e sexo, mas isso nem de longe foi o principal. Eu agora me gostava, estava feliz e confiante. Não que eu ache que os obesos tenham problemas com a felicidade, cada um com seu cada um, com seus parâmetros e seus conceitos, mas, admito, eu tinha. Aliás, eu e todos os que estavam naquele grupo. Isso descobrimos depois, quer dizer, nosso mediador nos contou que o critério usado para selecionar o grupo-teste incluía os que já tinham feito várias tentativas de emagrecer sem sucesso e se sentiam mal com isso. Eu superei o medo de me encarar desnuda e sei onde estão cada uma das minhas muitas máscaras. Só que eu, eu não preciso mais delas.
Três anos já se passaram. Sim, se você quer saber, continuo magra. Fome? Normal, quer dizer, até hoje de manhã, quando li no jornal a seguinte manchete, título e subtítulo: Charlatão vende filmes com obesos nus. Falso psicólogo prometia método inovador de emagrecimento. E na matéria, minha foto, eu ali, nuzinha em pelo, só com um quadradinho disfarçando meu rosto.  Alguém me compre um chocolate, URGENTE!



18 de dezembro de 2013

Prêmio UFF 2013: crônica classificada de Carlos Benites



Alguém está na calçada



















As redes sociais nos últimos anos passaram a representar papel importantíssimo na sociedade. Tivemos uma mobilização intensa da população iraniana que fez das redes sociais uma importante plataforma de crítica ao regime. E aqui no Brasil recentemente tivemos uma explosão jamais vista em que as redes, principalmente o facebook, twitter e o youtube, eclodiram um movimento que nem a mídia televisiva foi capaz de brecá-lo. Nos dois casos, houve uma certa incredulidade. No caso do Irã porque sua população não tinha até aquele momento um perfil que a vinculasse a um instrumento que identifica a modernidade, pelo contrário, todos a ligavam ao conservadorismo, principalmente por seu vínculo religioso em todos os movimentos políticos recentes.  E no caso das manifestações no Brasil, estrangeiros e até brasileiros tentavam entender o que se passara. O que poderíamos afirmar somente é que as redes serviram como motor propulsor para que as duas populações encontrassem dentro delas mesmas uma força que estava presa.
Mas as redes não funcionam hoje somente para a mobilização da sociedade em grandes eventos. Ela tem sido capaz de fazer com que personagens, que passariam anônimos em qualquer situação, se transformem em celebridades instantâneas, ganhando até popularidade mundial. Um dia desses recebi uma foto que me foi compartilhada por uma amiga que estudou comigo no Liceu. Era a imagem de um morador de rua de Porto Alegre deitado e enrolado em um cobertor. E lendo um livro.  Esse fato – ler um livro – detonou uma reação no autor da foto e respectiva postagem, pois só aí ele prestou atenção no citado morador de rua. A partir da postagem da foto, ela transformou-se num viral, que recentemente descobri que é algo que explode de forma inesperada na internet, compartilhado e visualizado por um enorme número de pessoas.  Ou seja, o autor da foto só “encontrou” o rapaz deitado ao relento porque ele lia um livro, e as pessoas que a compartilharam só encontraram os diversos moradores de rua que eram invisíveis aos seus olhos após aquele dia. Caso o mendigo leitor estivesse deitado sem o livro e até sem cobertor, o fotógrafo possivelmente passaria direto e, talvez, se fosse perguntado cinco minutos depois sobre o que tinha visto, ele nem lembraria que tinha alguém deitado na calçada.
Isso me fez lembrar o Amigo. O conheci lá pelos meus seis ou sete anos, quando ia cortar o cabelo na barbearia na Rua São João junto com meu pai. Ele aparecia sempre para pedir dinheiro para os barbeiros e frequentadores do local. Dizia que era para completar para o almoço. Chegava sempre sorrindo, dizia que se não tivessem nenhum cruzeiro não teria problema, que ele poderia pedir a outras pessoas na mesma rua. Mesmo depois de receber só um centavo de um ou outro ainda ficava por um bom tempo e conversava alegradamente com os presentes, contava piadas, falava sobre tudo. Esses milicos ainda destruirão o Brasil, dizia ele. Ele representava para mim um mistério. Sempre brincava comigo, dizia que eu seria jogador de futebol ou astronauta, que seria o primeiro brasileiro a chegar à Lua. Ninguém sabia seu nome, era apenas o Amigo, nome escolhido porque ele tratava a todos por “ô, amigo!”. Mas diziam que ele era de família rica, e estudara em bons colégios, alguns até falavam que fizera faculdade. Mas as teorias se dividiam em várias correntes: a primeira de que ele fora mandado embora de casa, e essa corrente se dividia em outras, de que teria sido por uma briga com os pais por conta de política, outra que diziam era que ele ousara ter um relacionamento com a filha de uma família rival e a subcorrente que mais repetiam era de que quando servia no Exército uma bomba estourara perto dele, ferindo sua cabeça e sua perna direita – ele tinha uma ferida grande na perna e mancava – e acabara pirando, o que acabou fazendo com que sua família não o aceitasse. Outra corrente teorizava que ele mesmo optou por sair de casa, discordando de tudo, e que não queria viver de riqueza. Ainda havia uma terceira teoria que falava que ele teria uma casa bem grande, mas que só usava para dormir, preferindo viver nas ruas, porque perdera toda a família num grande desastre. Para mim ele era apenas o Amigo. E foi assim por vários anos. Por algum motivo parei de ir ao barbeiro preferido pelo meu pai e, assim, deixei também de ver o famoso pedinte da rua São João.
Estava já próximo às provas do Vestibular. Época em que eu não tinha tempo para nada. Só pensava nos exames, morrendo de medo, temendo o fracasso. Saía do Liceu e ao invés de ir para casa, decidi ir na direção contrária, pegando a Amaral Peixoto em direção às Barcas. Quase em frente à Sabiá Discos, onde as pessoas mais se aglomeravam, disputando espaço, filas de ônibus, bancas de camelôs, homens mostrando as maravilhas de um produto milagroso - para limpar o chão de sua cozinha, madame - e o corre-corre normal da cidade, bancários querendo voltar do almoço para explorarem e serem explorados, a fiscalização querendo pegar os camelôs e esses suspendendo suas bancas para escaparem – OLHA O RAPA!  Ou seja, tinha de tudo. Enquanto isso, eu ia devagar, pensando nas danadas das provas. De repente, noto mais a frente que as pessoas que iam na mesma direção que eu enviesavam para a esquerda e aquelas que vinham na minha direção iam para a direita. Pensei, deve haver um buraco ali. Continuei em linha reta para ver do que se tratava. Então, após o último se desviar, eu já dava o próximo passo quando esbarro com o pé direito em algo e ouço um barulho metálico. Olho para baixo e vejo algo que parecia uma tigela, mas que depois olhando melhor, parecia mais um prato bem fundo de alumínio, daqueles que minha mãe usava para nos dar mingau, e uma moeda de cinco centavos que quase caiu no chão, rodopiando pelas bordas do prato até parar. - Cuidado aí, seu Gomes! Quer que eu perca meu negócio? Havia um mendigo sentado na calçada, tendo ao lado uma muleta, que ficava encostada e amparada no muro, a tigela em frente à ponta de sua perna direita, que vi que tinha sido amputada na altura do meio da canela e tinha a ponta toda enfaixada por um pano encardido. E dois livros em capa vermelha dura, parecendo ser de uma coleção, logo leio: Crime e Castigo I e II. Vi que a reclamação era comigo, mesmo que ninguém me chamasse de Gomes. Mas o grito veio logo depois que esbarrei no prato. E aquilo me deu um sobressalto também, pois meu sobrenome era Gomes. Olhei para o rosto com a barba enorme e logo reconheci.  Era o Amigo. Talvez ele ouvisse que chamavam meu pai de Gomes e se lembrara de mim. Ou então ficou louco e me confundiu com meu pai.


Parece incrível, mas o tempo entre o esbarrão, o som da moeda no prato, a reclamação, a conferência e catalogação dos bens do mendigo e da verificação de sua própria condição física, além do reconhecimento de seu rosto durou pouquíssimos segundos, que pareceram uma eternidade, tal o desconforto que senti após ser encarado. Logo repeti o que os outros transeuntes faziam, desviei para a esquerda e segui o passo. – Nem uma moedinha, astronauta?
No dia seguinte, mesmo com pressa de voltar para casa e tendo que estudar, uma força me levava para o caminho contrário. Lá estava o desvio das pessoas, que passavam automaticamente por ele, como um objeto invisível. Fiquei de longe observando o cenário e ouvia o barulho de moedas caindo e em seguida o via sacudindo o mesmo prato de alumínio com o som de uma moeda chacoalhando. Resolvi tomar coragem e segui na sua direção, peguei uma moeda do bolso e parei. Na mesma hora ele me encarou. Dessa vez não havia raiva no olhar. Um sorriso misterioso, misto de deboche, esperança e também de desafio. Não conseguia identificar qual característica daquele olhar se sobressaía. Sei que sentia todos os efeitos sobre mim. Sacudiu o prato. Joguei a moeda e olhei que só havia uma moeda. Onde estavam as outras que eu vi o povo jogando? Deduzi que o artifício era deixar só uma como chamariz, escondendo as outras. Obrigado, AS-TRO-NAU-TA! E soltou uma gargalhada. Repeti o trajeto por vários dias seguidos, semanas, meses. Todos os dias, ao final das aulas, lá estava ele. Sempre a moeda brilhando no prato, a muleta ao lado e as pessoas desviando no automático, como se fosse realmente para não caírem num buraco esquecido pelo poder público. E os dois volumes de Crime e Castigo, que em alguns dias estavam abertos.
Final do ano, saio da aula, e vejo um reboliço. Gritos. Duas senhoras e o Amigo. Pelo que ouvia, deviam ser donas de uma das lojas da galeria e moravam ali perto. Queriam retirá-lo dali. Nós iremos lhe dar banho e comida, mas saia daqui. O mau cheiro está incomodando a freguesia. Ele gritava. Quero ficar! Daqui não saio. Dois homens ajudaram as senhoras e o seguraram. Sem escapatória, ele segura o prato, mete a mão direita no bolso e ouço barulho de moedas, pega com a outra mão a muleta. Ele me vê. Astronauta, os livros, os livros! Eu vou atrás, atrapalhado pela multidão curiosa. Entraram no prédio ao lado da Caixa Econômica e eu atrás. Não me deixaram subir, mas estiquei a mão com os livros e ele conseguiu agarrá-los. Obrigado, astronauta.
No dia seguinte, o Amigo não estava ali. Nem no seguinte. Nem nos outros. Ouvi rumores, sem confirmação, que um mendigo matara duas senhoras num prédio do Centro da cidade. Uma seria dona de uma joalheria da galeria e a outra sua irmã. O mendigo fugira, levando uma bolsa de dinheiro, mas que deixou quase tudo na calçada, distribuindo com os meninos de rua e prostitutas que faziam ponto em frente ao prédio. Nunca ninguém mais o encontrou.

Prêmio UFF 2013: conto classificado de Benito Petraglia

Adamastor



















          


       Dois corpos próximos entre os escombros. Homem e mulher na faixa dos 40.
        Dito assim a história acaba. Acabaria para o passante sabedor que o hotel da rua do Rosário ruiu à 1h da tarde e que só trouxe consigo os olhos e a curiosidade. O fato de estarem próximos não lhe diria nada. Mero dado fortuito, randômico lance de dados – face voltada para o seis ou para o um. O fato de estarem nus também não. Um poderia estar tomando banho no quarto 601, o outro ainda não se vestiu no quarto 102.
         Mas não para mim, agente especial de companhia de seguro. Conhecem-se bem: de cofres escancarados para receber a prestação do prêmio, avaras para pagá-lo depois do sinistro. Eu preciso saber que ela se chama Rosa e ele Expedito, que vinham com intermitência ao hotel, escolhiam o quarto 402, sempre na hora do almoço. Quem me diz é Salvador, o gerente do hotel, que tinha saído dez minutos antes de 1h para fazer aposta na mega sena da virada numa loteca ali perto.
        Preciso saber ainda mais – que Rosa era caixa de banco na rua Almirante Barroso, Expedito tinha escritório de advogado na rua México. Cada um era casado. Rosa estava em processo de divórcio, Expedito vivia maritalmente com esposa e filhos.
        Pronto. Aqui também há um limite, para além do qual a Companhia não se interessa. Mas não para mim. Não me satisfaço com os efeitos práticos dos fatos. O realismo utilitário empece a imaginação. Os direitos da imaginação e da poesia hão de sempre achar inimiga uma sociedade industrial e burguesa.
        Quero ir além. Por isso escrevo ficção. É meu desafogo nas horas de folga. Costumo fabular situações que ultrapassam a realidade objetiva de que disponho, ainda que sejam as mais banais, como, por exemplo, um desencontro amoroso. Um amante despede o outro no final do ano e ambos se despedem da vida com a ruína do hotel.
        Expedito e Rosa são nomes bons. Permaneço com eles. Dão azo a simbolismos úteis para a história. Expedito era perdulário, impaciente, tinha pressa em viver. Rosa era de uma alegria efêmera. Murchava antes que a Terra desse sobre si uma volta inteira. Depois negrejava sob o influxo soturno de saturno.
        Gosto dessa combinação de sons. Forma e conteúdo articulados para servir à narração. O literato a quem mostro meus textos diz que isso se chama aliterações e assonâncias, que é um recurso mais próprio da poesia. Ah, quem me dera se minha prosa fosse sempre poética e leve, não abstrusa, pesada, penosa de ler!
        Mas se  o  final é o  desencontro, é que  antes  houvera o  encontro. Como aconteceu?  Podia lançá-los no reino da Suécia, Rosa e Expedito cortesãos da rainha. Ele a convida a uma dança, ela aceita, e lá vão voando pelo salão, a valsa unindo os corpos num só corpo, harmônicos e sensuais no movimento. Nada mais pronto e eficaz para armar um encontro.
        Não, minha história é banal. Rosa é bancária, Expedito advogado. Ele vai toda sexta-feira depositar os ganhos da semana no banco da Almirante Barroso. Expedito achou em Rosa uma graça particular (era de manhã). “Bem que ela pode substituir Acácia, que começa a tomar ares de mulher casada, a fazer exigências indevidas, a querer mandar em mim”, pensou ele. Rosa, logo que o viu, reconheceu que entre todos os homens Expedito era homem único, escusados seus assomos galantes por supérfluos. “A vontade senti de tal maneira, que ainda não sinto coisa que mais queira”, diz ela sozinha diante do espelho.
        Notem que tenho controle sobre meus personagens e suas ações, sei o que pensam, o que sentem e o que fazem. Narrador onisciente, me diz o literato. Por isso, é fácil deduzir das linhas a assimetria amorosa. Por isso, a relação já nasce sob risco, germina já o gérmen da separação. A não ser que sobrevenham mudanças imprevistas, para Expedito é mais um caso extraconjugal, para Rosa é um amor nunca tido. Ele é volúvel, ela é vulnerável.
        Agora é tratar de juntá-los naquela sequência costumeira, sempre a mesma. O primeiro passeio, o primeiro bar, a primeira praia, o primeiro cinema, o primeiro presente, o primeiro jantar, o primeiro beijo, a primeira transa. Trâmite concluído e processo encerrado, eis que a praxe se impõe na vida dos amantes. A metáfora burocrática foi a figura de linguagem mais adequada que encontrei para dar conta do automatismo das relações. Acho triste essa ideia de duas fases do amor: a conquista e depois a vida em comum. Vida em comum significando estabilidade, ausência de perigo, coração e mente desligados dos cuidados de continuar a encantar a outra parte.
        As narrativas curtas são também um pouco assim. O recheio é um enchimento a ar, simples conduto para o fim. Firula no meio campo prelibando o gol. Daí minha insistência: é muito importante que o texto ofereça o prazer da leitura, independente do conteúdo. O essencial na concepção do conto, antes de começá-lo, é ter nas mãos o princípio e o final, a frase de impacto e a frase lapidar. A mim, por exemplo, não me custa antecipar agora a extrema sentença de minha história – “o sofrimento amoroso é uma dor enorme”.
        É hora então de pô-los no hotel, de separá-los. Mesmo porque Expedito já visitou o lado lunar  de  Rosa   e   não   gostou   do  que   viu. É  homem  sem  compromissos,  que  se compraz no leve borboleteio por entre as flores. Entabula as primeiras escaramuças no assédio a Dália, para depois de Rosa. Pois para ele, Rosa passou, pertence ao depois. Ela de nada desconfia, que é grande dos amantes a cegueira, não percebe seus amuos e fugas.
        Expedito escolhe o momento sexualmente propício para lhe falar, não com as blandícias do início, mas com as negativas do fim, que não, não pode, não é mais possível, você entende? Não, ela não entende, queda e muda, ela não entende, paralisada de espanto, eu não entendo. Após o ato e o dito, Expedito dorme, relaxando de um dia de demandas tensas.
        Não Rosa. Como pode dormir uma pessoa posta ao desamparo, aflição e desengano cumulando um coração já de si sempre triste? Rosa rumina, passa e repassa pensamentos, entre eles, este: “Eu não ligaria se ele morresse, mas não suportaria vê-lo afastar-se de mim”. Grave e gravíssimo pensamento, grávido de consequências. É ele que justifica e explica os crimes passionais. Logo, não seria inverossímel, num contexto armado desse jeito e com uma personagem construída dessa maneira, doentiamente melancólica, que uma arma se guardasse de sobreaviso em sua bolsa, prestes a ser usada num momento de desespero.


        Ouve-se um estampido. Podia ser o ruído de uma rachadura, fissura minando o alicerce central do edifício. Não, é Rosa que acabou de fazer barulho no quarto 402, e agora fala. Fala para quem, se há só um corpo imóvel e surdo deitado ao lado dela? Mas fala, palavras oriundas de um mundo remoto, ignotas memórias redivivas, lenda, sonho ou fantasia, ela fala, ou recita, “já que minha presença não te agrada, que te custava ter-me neste engano, ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada? Daqui me parto, irada e quase insana da mágoa e da desonra aqui passada, a buscar outro mundo.”
        O literato aconselhou-me a terminar aqui. Que seria este o auge do relato, que conviria deixar insinuado o suicídio de Rosa. Mas eu não quero deixar nada insinuado. Houve o suicídio, claro que houve! qualquer criança intuiria, ainda que o passante curioso não visse a perfuração produzida por projétil na têmpora direita de Expedito, nem visse a perfuração produzida por projétil na têmpora esquerda de Rosa (ela era canhota). Além disso, seria mentir ao leitor, não cumprir o final anunciado.
        Quero sobretudo pôr moral na minha fábula, tenho todo o direito a fazê-lo. Quero afirmar com todos os prefixos que esta é uma história de desafeição, de desestima, de desamor, é soneto de separação,  não  soneto  de  fidelidade,  que,  não  importa  de  onde  venha, se da fera ou da bela, do macaco ou da dama, do corcunda ou da donzela, do gigante ou da ninfa, o sofrimento amoroso é uma dor enorme.

                                                                                                                      
     

Prêmio UFF 2013: poesia classificada de Luiz Gawryszewski

    
Para não dizer que não falei de seios
 

 
                                                                  
      









 

Se o parto é a primeira separação,
O seio é o primeiro encontro
Com a pele, o calor e o leite.
O leite! Que seja infinito e que dure
O bastante para saciar a fome.

Que seja o primeiro dos seios
Depois dos desencontros 
Do primeiro dia da creche
E do não daquela menina
Tão bonita e tão vestida.

“Deixa ver, que te mostro”,
E, debaixo da mangueira,
No fundo do quintal, viu
E nunca mais esqueceu.
Do que a mãe lhe ocultava
Nos banhos trancados,
Na noite escura.

“Tira logo a roupa, garoto”.
Ela falou, assustando-o
Na incerteza do que faria,
Nem saber das delícias
Que ela lhe escondia.

Mostrou-se na política,
No seio do partido,
Mas, no meio da multidão,
Eram curvas, não palavras,
O que os seus olhos ouviam.


"Te quero nua", lhe diria.
“Revela-me teu corpo, pois,
Já não tenho o que esconder.”

Foram muitos seios,
Morenos, brancos, negros.
Tantos beijos, corpos, sonhos,
Vindas, despedidas.

Sem os desencontros,
Nunca os derradeiros encontros
Nem os seios da mulher amada.
Uma, duas, três, quatro,
Que importa o número,
Se for infinito enquanto dure.