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30 de março de 2019

O sonâmbulo amador: José Luiz Passos

"...Diante do espelho, olhe nos olhos e repita duas ou três vezes aquele seu nome de infância. Jura, Jura, no meu caso. Vão e façam igual, qualquer coisa lá dentro se abre. Na vertigem dessa palavra, voltarão, tenho certeza, de bem longe, as cenas de um tempo adormecido, o começo das coisas, momentos que passaram a se fazer notar, com gente que não nos pedia nada em troca. Eram apenas o que eram. Não deixa de ser incrível que uma centelha disso tudo sobreviva nas cinzas de um mero apelido defasado".



Os que não nos veem por muito tempo acabam guardando consigo, como se dentro de um refrigerador, conservadas, aquelas nossas vontades de bem antes.

Cada pessoa tem seu modo de atar a razão dos eventos e o laço com os seus semelhantes.

Minie, num momento mais complicado, falou que eu tinha o que ela chamava de disponibilidade zero. Que não prestava atenção às pessoas e só vivia metido dentro de mim mesmo. Não era homem para ela e talvez nem sequer fosse bom amigo, já que ela não podia bater o telefone numa noite em que estivesse mal, pois eu não atenderia. Então que amizade era essa?

Pois é certo que nem o melhor nem o pior bastam ser realizados, precisam também ser comentados com todas as suas expressões. É de seu próprio relato que um beijo tira sua potência maior. De novo, não há mistério aqui. Amor não é mistério, é o gosto continuado na rotina, e tornado ainda mais vivo pela história dessa mesma rotina.






Poema transcrito por Jurubeba para Heloísa

Falem de mim como sou e nada menos, 
nem soado em qualquer malícia.
Digam de alguém que amou sem razão,
porém bem demais.
Alguém sem zelo fácil,
mas se alarmado, 
perplexo ao extremo.
Alguém cujas mãos, como as de um bárbaro,
atiraram fora uma pérola mais rica que seu clã.
Alguém que,
de olhos vencidos,
embora estranhos ao humor dissolvente,
choram tanto quanto as seringueiras que entornam sua pele de goma alva e medicante. 



Com muito carinho, a própria Heloísa, desde o período mais chegado da nossa convivência, me apanhava na boca, de joelhos ou deitada na cama. Antes de me agradar com a mão e com a língua, ela dizia alguma coisa proibida. Essas coisas hoje me soam tão bobas, e ao mesmo tempo não posso deixar de valorizar o que elas significavam para nós dois. Eram momentos de plena inconsciência, eu acho. Mais ainda, era a confiança em seu estado puro, entre marido e esposa. Heloísa fazia uma voz diferente, como se fosse de manha com criança, as pupilas grandes e paradas, e se dirigia às partes do meu corpo, dizia o que ia fazer, utilizando nisso expressões de baixo calão. O efeito era imediato. Meu corpo ouvia as suas instruções com interesse. Era como se nossa conversinha tola tivesse uma mágica qualquer. E penso que o verdadeiro mistério dos bem casados é que essas práticas mantêm sua eficácia por uma centena de anos. Quem vai explicar isso?  





Mande os seus saírem dos buracos, ele disse.
Não posso tirar ninguém de seu canto.
Já levantei o braço e daqui a pouco duzentos soldados vão estar aqui em cima de você, ele disse.
Então seremos duzentos e dois.
Onde estão os seus?
Hieronymus Bosch: navio dos loucos
Estão do seu lado.
Como assim?
Os meus estão do seu lado, eu disse.
Você agora está sozinho.
Eu estou com você, eu disse.
Você está preso e agora vai morrer.
Você também.
Como assim?
Você também vai morrer.
Eu vou morrer de quê? Quem vai me matar?
Isso importa?
Vou morrer mas não vou morrer agora, ele disse.
Você se importa com a hora certa?
Me importo que você agora esteja preso, ele disse.
Então pode baixar o braço.
Agora você vai ver o que vai lhe acontecer.
Agora somos duzentos e dois, eu disse.
E todos estão do meu lado.
São duzentos e dois os lados, eu disse.






Madame Góes é uma personagem dada a frases lapidares, daquelas que vemos nos parachoques de caminhões, balsâmicas às vezes, filosóficas outras, ditas naqueles momentos mais urgentes quando, então, redobra seu tom celestial. Eis algumas frases suas: 
  • Essa tendência de buscar coincidências de gosto e daí tirar um fio para mais, o começo de um contato continuado, ela me disse, isto é que é o verdadeiro sentido de uma vida sadia;
  • Maturidade nenhuma chega com o avanço da idade;
  • ... em matéria de sofrimento tudo é uma questão de memória e sempre, sempre e principalmente, da pura e simples comparação. 
  • A decência é o conjunto das exterioridades que, segundo a época em que se vive, harmonizam entre si a aparência da pessoa com o seu porte, sua linguagem, seu traje, seu modo de receber quem lhe procura, e assim por diante.
  • Para quem não tem vergonha o mundo inteiro parece que é só seu. 
  • O futuro pertence apenas aos espinhos no coração de Jesus.


Nunca entregue o que é seu de uma vez só.
Assim ninguém lhe dá valor;



Estamos sempre sendo arremessados ao confronto com a dureza daquilo que melhor estaria se fosse simplesmente esquecido.






       Na cama deitei Minie de costas e fiquei por cima, com cuidado por causa do meu peso. Ela é miudinha, parece um garoto de escola. Deitei nela e comecei a procurar. Ela afastou mais as pernas. Cheirei o seu pescoço e vi ali ao lado a tatuagem na descida do ombro direito, em direção às costas. Já tinha visto aquilo antes. Era um cavalo-marinho esverdeado, que agora estava de frente para mim, me olhando com aquela expressão curiosa.  Beijei várias vezes essa figura e, enquanto entrava em Minie, comecei a lamber o sal daquele animalzinho que me acenava mergulhado dentro da pele de minha amiga. Digo apenas que, após nosso encontro, quando então me aliviei, prontamente quis saber de Minie se ela precisava de um copo d'água ou que eu fosse buscar papel no banheiro. Ela disse que não. Ficou ali um tempo, de bom humor. Depois levantou e foi fazer alguma coisa no quarto, de que não me lembro, e só então saiu para se lavar. Foi caminhando completamente nua, era a primeira vez que via Minie assim, pelas costas, inteira, desprovida das roupas, indo dali adiante com a precisão ligeira dessas pernas, que agora me pareciam tão compridas. 
       Com essa tranquilidade, sem mostrar vigilâncias nem forçar absolutamente nada, ela fazia de um grande erro algo que nos chegava, de repente, como um bem durável e doce demais. 


A turba, a multidão, o populacho, com as pressões que exercem sobre o tino individual, acabam por nublar decisões que são as mais acertadas, decisões que têm a ver com o destino pessoal que cada qual traça minuto a minuto, dia após dia.



Grande vencedor do Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2013, O sonâmbulo amador é um romance original, cativante e por vezes irônico, sobre os feitos nem sempre memoráveis de um homem marcado pela perda. Apesar de suas crises e incertezas, ele tenta se corrigir e acertar como marido, como funcionário, como amigo e até mesmo como herói. Jurandir é um pequeno funcionário da indústria têxtil pernambucana. Dias antes de se aposentar como chefe de segurança no trabalho numa tecelagem no interior de Pernambuco, empreende uma viagem ao Recife para resolver um processo trabalhista. A jornada prova-se um pesadelo; sem motivos aparentes, ele incendeia o carro da empresa e perde o controle de suas ações. Dois meses depois, é internado numa clínica psiquiátrica na cidade alta de Olinda e, a pedido de doutor Ênio, começa a escrever seus sonhos, que entrelaça com eventos do passado, relatos da juventude, suas opiniões e sua rotina de interno. Ao perder o limite das suas convicções, esmagado por eventos trágicos, tenta aceitar o passado e conviver com a precariedade do presente com a ajuda de um enfermeiro e de uma interna. Através do que Jurandir vê e narra, através mesmo do que ele tenta esconder, o leitor vai tomando consciência das tragédias que cercam a vida desse homem aflito: o acidente na juventude que o deixou manco; suas reflexões sobre a fragilidade das amizades; a traição e a crise no casamento; o desenlace fatal de seu único filho. Em quatro “cadernos”, José Luiz Passos mescla formas distintas de narrar — a vivência diária de Jurandir, seus sonhos, suas lembranças da juventude e do casamento, seus próprios textos sobre figuras do passado — para compor, gradualmente, um retrato comovente, que revela o personagem tanto no que ele diz quanto no que procura esconder.

Visite o site do escritor


27 de março de 2019

Minha leitura de "O sonâmbulo amador"

O SONÂMBULO AMADOR

by Rita Magnago




Fraturas na alma
ossos rachados desde a infância
colagens imperitas
que arrasto pelas ruas
e mancam meu espírito.

Penso no pai ausente
o do Moreno,
o meu 
e eu.
A história que Jura jurou
fazer outra
repetiu a falta.

Na casa tecelã
o rosto queimado 
pela fúria da lida
injusto, injusta.
Quem é mesmo que está na foto?
Eu menino?
Meu menino?
O menino aprendiz?

Músculos débeis
cabeça sem força
coragem de morrer 
ou de matar.
Um surto 
um  louco 
muitos sonhos a decifrar
pela noite sonâmbula
pelo dia soturno.

Há uma claraboia tênue
depende da lua
das fases
que preciso acordar.
Há ainda o amor
e o carnaval.

Rasgo o tempo
misturo os modos
para poder separar
juntar os cacos
e seguir.

Vivo,
apesar das feridas.




26 de março de 2019

Tocaia Grande - a face nada obscura


Começo esse pequeno texto envergonhada, com uma confissão. Foi meu primeiro Jorge Amado. E mais uma: achava o autor previsível, lugar comum pelo que já conhecia  de Gabriela e Dona Flor. Então, Tocaia Grande foi uma surpresa muito positiva. De saída me lembrando que os pré-conceitos são mesmo uma bosta e depois me revelando um grande autor. Dezenas de personagens, riqueza de detalhes, vidas emocionantes. Fui envolvida em todas as etapas. Pude ver o nascimento do lugarejo do zero, a partir de uma ideia, de uma estratégia de combate e de uma linda vista. O crescimento árduo, lento, seguindo o ritmo da vida da época. Os obstáculos, as reconstruções, a destruição.

Vi muito além de um povoado pobre habitado por jagunços e putas. Vi uma lição de vida, expondo mazelas, intolerância, machismo, crimes, mas também solidariedade, união, força e justiça. Adorei o capitão Natário, o turco e o Tição. Dentre as mulheres, gostei muito da Coroca e da Bernarda. Ao contrário de algumas colegas que já se manifestaram, não achei que o sexo fosse over.  Para mim foi na medida exata para o que era. Enfim, uma leitura agradável, instigante, divertida, retrato magistral de uma época de coronelismo. E que final! Com sua licença...

Ah, uma curiosidade. Tocaia, além do sentido mais usual, é também poleiro de galinhas, um regionalismo do nordeste. Tudo a ver.


Até sexta, pessoal, e obrigada Maria Marlie, pela insistência. Valeu demais!

23 de março de 2019

Desespero: Sonia Salim


Edvard Munch - Desespero


Estou movida por uma grande angústia
e tomada pelo desespero
que emana de minha alma

Nas minhas veias flui melancolia

A desolação tomou conta de mim inteiramente

Não fossem os diálogos de nossos olhos
ao suicídio, eu já teria sucumbido
esse silencioso devorador de vidas

Talvez o meu coração seja ambíguo
duvidoso e direcionado a contradições

Ou essa paixão tenha sido voraz
incapaz de conviver com o medo
da separação e do vazio

Frustrações imaginárias...

Oh, meu grande amor!

Ensina-me a estabilizar o desespero
através do brilho do seu olhar

Eu não quero morrer!



      Sonia Salim



Poema feito a partir da leitura do livro 1934, Alberto Moravia, 
debatido no Clube de Leitura em Outubro de 2013.




21 de março de 2019

Da tentativa de definir o indefinível: Elenir Teixeira

                                                                                                 
                                                                         “Por que é que para ser feliz é preciso não sabê-lo?" Fernando Pessoa






 Certamente, os habitantes simples da utópica Ilha do Nanja, ilha de pescadores, criação da escritora Cecília Meirelles num dos mais belos textos da literatura brasileira, “Natal na Ilha do Nanja” (1966, p.169) não saberão definir a felicidade. Porque não se preocupam em buscá-la ou defini-la. Simplesmente vivem. São felizes e não têm consciência disso.

 O homem, nessa busca incessante e crescente pela felicidade sem conseguir conquistá-la, faz sua realidade pesar. Falta leveza ao mundo moderno. E uma vez que a ciência não nos tem ajudado muito a encontrar o que, realmente, nos tornará mais felizes, apesar de tantos estudos  e pesquisas, abordemos o tema à luz da literatura. No livro Seis propostas para o próximo milênio (1990, pp.19 e 39), Ítalo Calvino, seu autor, diz: 

[...] No universo infinito da literatura sempre se abrem outros caminhos a explorar, novíssimos ou bem antigos, estilos e formas que podem mudar nossa imagem do mundo.

 [...] A literatura tem como função existencial a busca da leveza  como  reação ao peso de viver.  

Citamos, como exemplo, Memórias inventadas- A infância (2003), de Manuel de Barros, onde, no capítulo “Sobre Sucatas" (pág.XV-sic)lê-se:            
     
 "[...] Isto porque a gente foi criada em lugar onde não tinha brinquedo fabricado. Isto porque a gente havia que fabricar os nossos brinquedos: eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. [...] Estranhei muito  quando mais tarde, precisei morar na cidade . Contei para minha mãe que vira  um homem montado no cavalo de pedra apontando uma faca comprida para o alto.   [...] Para mim homens em cima de pedra eram sucata O mundo era um  pedaço complicado para o menino que viera da roça. [...] Não vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que tudo que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o  que não vira sucata é árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata." 

 O poeta vê, pelo olhar da criança, a beleza e a riqueza do mundo muito além dos bens materiais que o dinheiro permite adquirir.     

Mais um belo texto mostrando que nas coisas simples, na contemplação da natureza, na poesia, num simples gesto amigo, pode-se,  provavelmente,  encontrar a felicidade.

A alegria, a meu ver, também pode contribuir para a felicidade.  A alegria descrita de forma primorosa  por Katherine Mansfield ao iniciar o conto "Felicidade" (1941, pp.7 a 28) em que a personagem Berta Young aguarda ansiosamente convidados para um jantar:

 "Embora  Berta Young já tivesse trinta anos, ainda havia momentos como aquele em que ela queria correr, ao invés de caminhar, executar passos de dança, subindo e descendo da calçada, rolar um aro, atirar alguma coisa para cima e apanhá- la  novamente, ou ficar quieta e rir de nada: rir, simplesmente."

 A despeito de tanta preocupação com a felicidade e de ser tratada como sentimento inatingível, nutro grande esperança de que, neste milênio, como propôs Calvino, ou nesta década, ou, quem sabe, ainda neste dia, a encontremos bem perto de nós. Percebendo-a, não a deixemos escapar.

O homem, aos poucos, busca a leveza, trazendo para sua realidade a fantasia e o sonho. “Não se trata absolutamente de fuga para o   irracional. Mas de mudança do ponto de observação. De ver o mundo sob uma outra ótica”como tão bem esclareceu Calvino (pág.19, op.cit.). Proliferam em todos os cantos do país rodas e grupos de leitura. concursos de poesia, de contos e romances com número cada vez maior de concorrentes. Oficinas de literatura. Contadores  de histórias visitando escolas e hospitais para levar alegria e otimismo a crianças e a doentes. Nunca se leu, ou publicou, tantos livros. E até em bares onde os frequentadores, antes, reuniam-se para conversa fiada, animada pelo vinho ou pelo “chopinho”, hoje marcam encontros para dizer poesia. Tudo isso alimenta minha esperança.

Concluo, pois, que ser feliz é uma arte. E, como tal, devemos cultivá-la em nosso dia a dia. Basta deixar que a vida aconteça.


Que, a exemplo de Bertha Young, possamos ficar quietos e, simplesmente, rir. Mesmo que seja de nada. Mesmo sabendo que perdas, decepções e tristezas irão surgir. Porque isto é viver. Porque isto, talvez, seja felicidade.


Salve o 20 de Março!

 Dia Internacional da Felicidade 


Elenir é poeta e haicaísta


20 de março de 2019

A Assembleia Geral Extraordinária da ACIL elegeu




Prezada Professora Luciana,  Ilustríssima Presidente da Academia Itaperunense de Letras, em cujo nome cumprimento todos os ilustres membros dessa casa,

Senhores e senhoras!

Este vai ser um discurso de gratidão!
É com imensa alegria que participo dessa solenidade de posse na nossa querida Academia Itaperunense de Letras.
Aos 86 anos de idade, praticamente 87, que completo daqui a 33 dias, eu não esperava mais viver tamanha emoção.
Agradeço a todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para que eu estivesse aqui hoje, desde os anjos que cuidam de mim todos os dias, até os amigos que torcem e me incentivam a continuar vivendo e amando como outro qualquer do planeta, passando pelos familiares que, mesmo distantes, estão sempre presentes por meio de um grupo de WhatsApp, denominado “Família do Firinfinfim”, que reúne desde os bisnetos até os filhos, noras e genros.
Para alguém que toma notas na sua pequena caderneta mental e depois transcreve essas notas em despretensiosas crônicas, o mundo inteiro é digno de gratidão, pois é o mundo, do qual somos parte, a nossa matéria prima. Por isso, minha gratidão se estende ao mundo todo. E por consequência, como não podia deixar de ser, minha gratidão primeira é para com o Autor do mundo, que nos permite chama-lo de Pai.
As redes que esse mundo vai tecendo são, para mim, sempre incompreensíveis mas, também, sempre reveladoras e construtoras de sentido para a minha vida. Jamais imaginei um dia estar enredado na mesma rede da qual fazem parte Guimarães Rosa, o patrono nacional da Cadeira 31 que hoje assumo, Emiliano Silva, o patrono regional e Gladistone Gripp Lopes, que me antecedeu na mesma cadeira ou todos os outros que o antecederam.
É, pois, honrado e agradecido, que me junto a vocês todos, queridos membros da Academia Itaperunense de Letras, prometendo dar o melhor de mim para fazer jus a tão grande honraria.
Aos meus familiares e amigos aqui presentes, mas também aos que não puderam comparecer, meu agradecimento por terem sido, desde o início, os pacientes leitores desse (aspas) “contador de causos”, o que sempre foi minha única pretensão.
A todos os presentes aqui hoje, seja fisicamente ou imaterialmente, como a minha inesquecível Isabel, presente no meu coração encantado, cujo nome nunca me canso de repetir, minha eterna gratidão.

Obrigado!

Aquiles





Primeira Reunião da ACIL com o Aquiles


Aquiles
Cadeira: 31
Patronímica Nacional: Guimarães Rosa 
Patronímica Regional: Emiliano Silva
Membro que ocupou a cadeira antes: Gladistone Gripp Lopes
Solenidade: 07/12/18, às 19h30min.


Parabéns aos Imortais eleitos para a Academia Itaperunense de Letras (ACIL)!!!!

Ieda Tinoco Boechat - Cadeira nº 18 - Patronímica: Aluísio. Azevedo.

Marly Aparecida Carvalho de Mattos - Cadeira nº 29 - Patronímica: Cruz e Souza.

Guimarães Rosa
Aquiles Ernesto de Andrade
Cadeira nº 31 - Patronímica: Guimarães Rosa. ( maior número de votos) 

Parabéns aos candidatos eleitos!

Planejamos a Solenidade de Posse para a primeira semana de dezembro.

Parabéns!

Abraços,

Luciana.


18 de março de 2019

Nobel de Jacques Fux: Adriana Mendonça


Na superfície, o livro de Jacques Fux pode ser lido como uma espécie de revista Caras da literatura. É por esse, senão outro motivo, que o lemos numa “sentada” – fofocas de pessoas que conhecemos e admiramos. Mas a destacável intelectualidade e boa escrita de Fux não pode servir a esse fim, é pouco para ele. Portanto, peguemos a escada rumo ao porão para visualizarmos os outros níveis do livro.

Na atualidade, Nobel se presta perfeitamente aos debates sobre obra x homem. Se são ou não confundíveis, logo, passíveis de absolvição ou de condenação juntas ou separadas de seus autores. Pelo que me lembro, tudo começou com Monteiro Lobato e a negra Anastácia, que suava no forno e fogão para fazer deliciosos quitutes, mas quem desfrutava da glória era Dona Benta, avó branca, proprietária e escravagista(?). Muitas são as bocas que desejam atiçar as brasas da fogueira das vaidades e, à Savonarola, consumir com a obra de Monteiro Lobato, outras não.



Fux parece amalgamar a obra ao homem. Ele declara que o homem é a obra, e ainda joga luz sobre aspectos mesquinhos de autores consagrados, e ainda mais, atribui-lhes à mesquinhez a genialidade ou talento. O gênio criador imerso nos baixos sentimentos despertaria a mais intensa capacidade criativa. Fux entende que só quando se chafurda na merda é possível “botar pra fora” as melhores letras - grandes obras fermentaram no fundo do poço antes de subirem à gala para nosso conhecimento.

Esse ideal de artista povoa nossas mentes há quanto tempo? A ideia de que só as drogas possibilitam o go deep, que só aquele pé na bunda histórico para um capo lavoro, ou que toda boa obra deve vir do submundo da alma, são questões difíceis de serem contrariadas porque atendem ao estereótipo.
Curioso ler Nobel logo depois de assistir ao Ilustre Cidadão. Nesse filme, o ator diz que o sofrimento não é necessário para a produção de uma obra, mas escreve o contrário disso e nós ficamos sem saber o que ele pensa de verdade.


A terceira colocação do autor é a humanização dos ídolos, sobretudo daqueles que alçaram a maior honraria a que um escritor pode chegar. Jacques é a lixa que raspa o verniz da polidez e nos entrega o osso de elegantes autores – o ego, a energia motriz de toda obra.

Como estamos a tratar de um grupo de discussão gostaria de deixar minha opinião quanto às questões propostas no livro.

1 - Eu, se pudesse, absolveria as obras, acho que elas devem existir, o filtro deveria ser a educação, o debate e a reflexão. Ninguém tem a capacidade de proibir uma manifestação artística antes de ela ser proposta. Depois de pronta, podemos estabelecer-lhe requisitos como idade e local apropriados para a sua exposição. O censor é uma pessoa eivada de preconceitos e padrão moral próprios de sua tribo, logo, a discussão é da sociedade e pode haver nichos específicos para as ditas obras chocantes. Em último caso, a justiça poderá ser acionada. Também não confundo obra e autor porque o texto é que deve valer. Todos os autores passarão, mas é de seus livros que precisaremos para seguir adiante.
2 – Pessoalmente, a mais interessante pergunta do livro é: só na dor há criação?

Eu mesma me faço essa pergunta, pergunto aos autores que gosto, pergunto a cada trecho surpreendente que me fez fechar as páginas do livro e me colocou na reflexão. Como não tenho resposta recorri a Sócrates.



O método socrático diz: uma afirmativa correta é aquela que não dá marguem a ser racionalmente contestada. Uma afirmativa é verdadeira se não pode ser invalidada. Se puder, não importa o número de exceções, nem a posição intelectual ou social das pessoas que acreditam na dita verdade. Sócrates me anima a dizer que a afirmação de Fux em Nobel é no mínimo imprecisa. Gabriel Garcia escreveu Cem anos de Solidão dentro de seu quarto, numa situação familiar favorável, inclusive com a mulher trabalhando para pagar as contas de casa. Jane Austen! Produziu uma obra maravilhosa só na observação, escreveu escondida, porque não “pegava” bem uma moça ser escritora. Guimarães Rosa, espiritualizado, místico, mítico, viveu uma vida tranquila ao lado da amada esposa. William Wordsworth e seus poemas doces sobre cantos de pássaros ou a perninha de algum gafanhoto.

Ah, mas daí pode-se dizer: não sabemos o inferno que eram as almas dessas pessoas. Realmente não sabemos. Mas, se todos vivemos no inferno, vivermos todos no paraíso, teria o mesmo efeito para a criação literária. De qualquer maneira, parece-me imprecisa a afirmação de que a criação precisa dos extraordinários: sofrimento, pecado, sujeira etc etc.

Acho que a vida conturbada do artista funciona como marketing e, em outros casos, o próprio artista adora se adequar ao estereótipo, esquecendo-se que escrever é trabalho duro.

Enfim, parece-nos decepcionante ver uma grande obra ser produzida na boa e velha domesticidade ao mesmo tempo que, por outro lado, isso nos confrontaria, porque perderíamos o álibi por não estarmos nós mesmos produzindo algo realmente bom.

3 – Achei válida e divertida a difamação perpetrada por Jacques, nos ajuda na interpretação das dores humanas, sobretudo a auto depreciação.

Boa reunião ao grupo de Icaraí, beijos.


16 de março de 2019

A rainha Ginga: José Eduardo Agualusa


A rainha guerreira

"Muito mais tarde, enquanto envelhecia, compreendi que o amor exige uma espécie de cegueira. Amamos não quem os nossos olhos enxergam, mas quem o nosso coração demanda. O ser amado é, quase sempre, uma invenção indulgente de quem ama."



" Há mentiras que resgatam e há verdades que escravizam."


A roda do mundo não para nunca.
TUDO SÃO COMEÇOS

Para os amigos que não puderam estar presentes à reunião, de 12/05, transcrevo o trecho do romance  que foi marcado, entre outros,  por todos os presentes (pág.121) e creio que por vocês também:
"...o amor exige uma espécie de cegueira. Amamos não quem os nossos olhos enxergam, mas quem o nosso coração demanda. O ser amado é, quase sempre, uma invenção indulgente de quem ama."
Desejo que seus olhos e corações vejam, igualmente, o ser amado. Sem engano.

Bjs.

Elenir




“Sabendo que muitos dos Bantos eram embarcados para Pernambuco durante o início do século XVII, parece ser razoável supor que muitos deles pudessem ter sido aliados ou partidários de Nzinga, ou que, esporadicamente tivessem ouvido falar de sua fama. Se tal fosse o caso, isso nos forneceria uma importante explicação para a persistência da imagem de Nzinga no Nordeste do Brasil e, possivelmente, para parte da resistência afro-brasileira em certas regiões.” (Glasgow, p. 141)



DEU NO FOCUS PORTAL CULTURAL - CLIc na imagem

Os portugueses sempre foram mais africanos do que europeus.


Donana de Jânsen


Conquistei o paraíso, mas mordeu-me a serpente.





Os flamengos gostam tanto de beber que mesmo com a corda no pescoço, no patíbulo, são capazes de brindar ao carrasco e de partilhar com ele o derradeiro copo, de forma que se vão deste mundo borrachos e cantando. 

“O Inferno, de resto, não é tanto uma soma de tormentos, e sim a ilusão de que tais tormentos nunca cessam. O Inferno é eterno, ou não seria Inferno. tenho para mim que a principal diferença entre o Inferno e o Paraíso é que no Inferno nos pesa o tempo, o tempo todo, enquanto no Paraíso não se sofre dele.” 


«Meus senhores holandeses: o meu camarada, o índio Filipe Camarão, não está aqui; mas eu respondo por ambos. Saibam Vossas Mercês que Pernambuco é Pátria dele e minha Pátria, e que já não podemos sofrer tanta ausência dela. Aqui haveremos de perder as vidas, ou haveremos de deitar a Vossas Mercês fora dela.»





Os esparciatas educavam os filhos para a guerra. Eles espancavam os filhos para os fortalecerem. Os jagas também. Os esparciatas incentivavam os  rapazes a roubar comida. Se fossem apanhados seriam castigados não por terem roubado, mas por se terem deixado capturar.  Também os jagas incentivavam os filhos a  roubar gado e outros bens. Os esparciatas cultivavam a deusa Ártemis e houve um tempo que passaram a chicotear os meninos em seu altar. 



Maurício de Nassau

Principais realizações no período em que administrou a região conquistada pelos holandeses no Nordeste brasileiro:



Estabeleceu uma situação de boas relações entre holandeses e brasileiros (latifundiários e comerciantes);

- Melhorou o sistema de produção de açúcar no Nordeste;

- Diminuiu tributos dos senhores de engenho de Pernambuco; 

- Modernizou urbanisticamente a cidade de Recife, construíndo canais, diques, pontes, palácios, etc;

- Criou, Zoológico, Museu Natural e Jardim Botânico em Recife;

- Modernizou e melhorou a qualidade de serviços públicos na cidade como, por exemplo, coleta de lixo e bombeiros.






Muito mais tarde, enquanto envelhecia, compreendi que o amor exige uma espécie de cegueira. Amamos não quem os nossos olhos enxergam, mas quem o nosso coração demanda. O ser amado é, quase sempre, uma invenção indulgente de quem ama. 



Vista da Cidade Maurícia e Recife

Frans Janszoon Post

Estou velho. 
Nesta altura da minha vida só a loucura me entusiasma. 
Ah! A loucura que o amor inflama. 



Cipriano defendia, como Valentino de Alexandria e outros panteístas, que tudo o que existe é Deus, incluindo cada homem e cada pedra, e que esse Deus que somos todos não é nem bom nem mau, ou é tudo isso sem distinção e alheadamente. 

Deus, disse-me Cipriano, é o que somos dormindo. — Todas as coisas têm o seu Deus — acrescentou. — Estamos cercados por Eles. 

Fiquei durante muito tempo pensando naquilo. Imaginando cada homem, cada ser, segregando o seu próprio deus a partir de algum órgão escondido sob a pele da alma: o grave Deus das corujas. O hábil Deus das cobras. O Deus generoso dos quintais. O Deus traiçoeiro das adagas. O Deus zebrado das zebras. O Deus tagarela dos corvos e dos advogados. O humilde Deus dos pardais. O Deus insalubre dos pântanos. O Deus cabisbaixo dos canalhas. O pálido Deus das osgas. O rápido Deus das tormentas. O líquido Deus dos peixes. O áspero Deus dos sertões. O cálido Deus das praias. O ressequido Deus dos cactos. O esquivo Deus dos jaguares. O Deus perfumado dos jasmins. 








A verdade é aquilo que está exposto.

Deus é o que somos dormindo.

15 de março de 2019

As intermitências da morte: José Saramago



Nos vemos em breve
Naquele dia, ninguém morreu. É assim que se inicia a obra. Seguidamente, tomamos conhecimento das preocupações de setores como a Igreja (a qual, sem a noção de morte, e consequentemente de paraíso e ressurreição, deixa de ter sentido, bem como a figura de Deus), o governo, os hospitais, os lares, tudo visto por Saramago com grande ironia.

          É então que um velho moribundo tem uma ideia para morrer, juntamente com o seu neto bebé, também sem salvação: serem transportados para o país vizinho.

          A notícia deste ato espalha-se e a família é condenada pelos media e pela população, até se ficar a saber que práticas semelhantes começam a ocorrer por todo o país, nuns casos por misericórdia, noutros para as famílias se verem livres dos pesos mortos que os seus velhos e moribundos constituem lá em casa.

          O governo decide, discretamente, vigiar determinadas zonas fronteiriças para controlar esta prática. Surge, então, em cena um grupo que organiza o transporte dos moribundos, auto-denominado máphia, que chantageia o governo, com base na violência (quatro vigilante em coma por dia), conseguindo que a maior parte dos vigilantes seja desativada e que 35% passem a trabalhar para si, máphia.

          Certo dia, o Diretor da Televisão Nacional lê, em direto, uma carta da Morte, onde esta esclarece que, a partir das zero horas desse dia, tudo voltará ao normal. Quem imediatamente vê nisto uma extraordinária oportunidade de negócio são as agências funerárias, os carpinteiros que fabricam caixões, os coveiros (por exemplo, exigem um aumento substancial de ordenado). O primeiro a morrer, em cima da meia-noite, é o presidente da associação das agências funerárias (oh, ironia!).

          A intenção da Morte com a sua «greve» é mostrar aos seres humanos o que seria viver para sempre,  mas, ao constatar os resultados dramáticos de tal experiência, decide fazer regressar tudo à primeira forma. E, assim, as pessoas voltam a morrer, com uma pequena diferença: as pessoas serão avisadas da sua morte uma semana antes, para que possam resolver os últimos assuntos (testamentos, por exemplo, etc.)

            Passado algum tempo, uma das fatídicas cartas anunciadoras da morte é devolvida várias vezes, o que faz com que a vítima - um violoncelista - permaneça vivo para além da data estipulada para a sua morte. Esta decide, então, alterar o verbete do violoncelista, mudando-lhe o ano de nascimento para o seguinte, o que faz com que o homem se torne «um ano mais novo».

          A Morte decide disfarçar-se de mulher, instalar-se num hotel e ir vê-lo atuar ao vivo. Os dois conhecem-se, encontram-se um par de vezes e, certo dia, ela encontra-se com ele na casa deste, transportando consigo no bolso a carta fatídica. No entanto, os dois acabam por dormir juntos e ter relações sexuais. A Morte queima a carta.

          No dia seguinte, ninguém morreu.

(Fonte)





DEBATE ANTECIPADO PARA 14/07/2016 - 


19:00H


VARANDA DO CENTRO DE ARTE UFF

Foi dar uma voltinha


“Aprende, pensava, aprende de uma vez, pedaço de estúpido, portaste-te como um perfeito imbecil, puseste os significados que desejavas em palavras que afinal de contas tinham outros sentidos, e mesmo esses não os conheces nem conhecerás, acreditaste em sorrisos que não passavam de meras e deliberadas contracções musculares, esqueceste-te de que levas quinhentos anos às costas apesar de caridosamente to haverem recordado, e agora eis-te aí, como um trapo, deitado na cama onde esperavas recebê-la, enquanto ela se está rindo da triste figura que fizeste e da tua incurável parvoíce.” José Saramago (As Intermitências da Morte)




MEMENTO, HOMO, QUIA PULVIS ES ET IN PULVEREM REVERTERIS



Acherontia Atropos

"É o costume, as pessoas dizem cousas à toa, lançam palavras à aventura e não lhes passa pela cabeça deter-se a pensar nas consequências. "

Retrato musical do violoncelista 58 s que seduziu a morte

As intermitências da morte e Todos os nomes



Aqui, na sala da morte e da gadanha, seria impossível estabelecer um critério parecido com o que foi adoptado por aquele conservador de registo civil que decidiu reunir num só arquivo os nomes e os papéis, todos eles, dos vivos e dos mortos que tinha à sua guarda, alegando que só juntos podiam representar a humanidade como ela deveria ser entendida, um todo absoluto, independentemente do tempo e dos lugares, e que tê-los mantido separados havia sido um atentado contra o espírito. Esta é a enorme diferença existente entre a morte daqui e aquele sensato conservador dos papéis da vida e da morte, ao passo que ela faz gala de desprezar olimpicamente os que morreram, recordemos a cruel frase, tantas vezes repetida, que diz o passado, passado está, ele, em compensação, graças ao que na linguagem corrente chamamos consciência histórica, é de opinião que os vivos não deveriam nunca ser separados dos mortos e que, no caso contrário, não só os mortos ficariam para sempre mortos, como também os vivos só por metade viveriam a sua vida, ainda que ela fosse mais longa que a de matusalém, sobre quem há dúvidas de se morreu aos novecentos e sessenta e nove anos como diz o antigo testamento masorético ou aos setecentos e vinte como afirma o pentateuco samaritano. Certamente nem toda a gente estará de acordo com a ousada proposta arquivística do conservador de todos os nomes havidos e por haver, mas, pelo que possa vir a valer no futuro, aqui a deixaremos consignada.




"...as esperanças tem esse fado que cumprir, nascer umas nas outras, por isso é que, apesar de tantas decepções, ainda não se acabaram no mundo..."

"Isso a que chama mistérios é muitas vezes uma proteção, há os que levam armaduras, há os que levam mistérios."




As Intermitências é uma fábula contada em 200 paginas. 
Uma fábula sobre a importância de morrer e como esse simples fato altera a vida de todos que vivem.


«No dia seguinte ninguém morreu.» 


Arnold Böcklin – Self Portrait With Death

“É assim a vida, vai dando com uma mão até o dia em que tira tudo com a outra.”