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30 de janeiro de 2010

São Bernardo


A reunião de 29 de janeiro de 2010 foi a décima quarta na reitoria da UFF (mais a bissexta de Os Sertões). Nela, discutimos São Bernardo, de Graciliano Ramos. Já começo avisando: nem de longe conseguirei reproduzir as falas que ouvi.

Valeu a pena esperar!. O número de participantes estabilizou nos 30, o que é excelente. Ficou a conta, pelo número de cadeiras disponíveis. No final, até o segurança da portaria da reitoria ficou sem sua cadeira, emprestada para o último participante a chegar. Que noite quente! Reunimos análise técnica, conhecimento multidisciplinar, sensibilidade, seriedade, descontração, etc., tudo no devido tempo. Que noite! E na hora de terminar, a reunião parecia querer começar de novo. Mesmo assim, eu gostaria de continuar escutando.

As primeiras falas da noite enfatizaram a personalidade de Paulo Honório, sua formação agreste, sua maneira de lidar com as pessoas segundo o préstimo que cada uma poderia ter. Paulo Honório julgava as pessoas pelo seu custo/benefício. Foi aí que entrou a abordagem política do livro, de que, sendo Paulo Honório um homem de alma agreste, ele aprendeu cedo que o mundo era dividido entre molambos e dominadores. Ele nasceu mulambu, lutou na vida para se tornar dominador e ao galgar sua nova condição lidava com os “molambos” do jeito que os dominadores lidavam. Alguém questionou se a reflexão de Paulo Honório através da escrita de sua estória o mudaria realmente. Inicialmente ele tentou escrevê-la contratando aqueles que achava saber fazê-lo melhor que ele, porque afinal ele não sabia mesmo. O livro seria mais um empreendimento seu. Quando percebeu que para escrever sua estória dependia exclusivamente de si, de enfrentar sua consciência, suscitou em nós o sentimento de que haveria salvação para ele. Mas acho que foi só para nos revelar que somente Paulo Honório's chegam a este estado de angústia e acídia, resultado esperado para aqueles que passam por cima de seus semelhantes. Sofrem sim, é verdade, mas sofrem com conforto porque são proprietários de são bernardos. A escrita de Graciliano na 1a. pessoa nos aproxima perigosamente de Paulo Honório, nos contamina, e nos faz ter lampejos de identidade com um verdadeiro crápula. Existem surreais Paulo Honório's nas personalidades de muitos de nós. Aliás, merece destaque a análise feita, comparando o estado letárgico dele com o relógio parado, do seu estado de espírito e o ambiente ao seu redor.


Divulgação da EdUFF para o mês de Janeiro.


Foi interessante saber que o máximo de socialismo que existia em Marx equipara-se ao Ato dos Apóstolos (vou deixar distorcido assim mesmo porque só esse assunto daria para escrever páginas e mais páginas). Esta questão foi motivo de alerta sobre a necessidade de se ter uma visão crítica das leituras feitas na Internet. Tudo bem, mas não ler por não saber se terá o discernimento devido também é muito crítico. A solução seria ler e participar de um clube de leitura como o nosso. E mais uma coisa ... o que é o ponto de vista! Assim como para Freud tudo se resume ao sexo e à mãe, para Marx tudo se reduz ao econômico (desculpem-me os ortodoxos).

Afeto devia ser um sentimento estranho para Paulo Honório, que só o sentia pela velha Margarida. Foi muito interessante a análise psic em relação ao aspecto concreto da fala de Paulo Honório. Ele não sabia falar de seus sentimentos, o que não prestava era o coração, quem tinha defeito era o cérebro. Ao invés de falar dos sentimentos, ele se referia aos órgãos do corpo. (Algo aproximado)

Houve quem não perdoasse Madalena, pois ela, uma professora, não poderia ter fraquejado e aceitado casar com um cara matuto daquele, supostamente por uma garantia de vida com menos dificuldades financeiras. Expressei a dúvida se a aparente apatia de Madalena não decorreria da narrativa ser em 1a pessoa, porque víamos todos sob a ótica de Paulo Honório. Mas veio a contrapartida implacável: se Madalena ao menos amasse o filho, ela não teria suicidado. Alguém chegou a questionar se Madalena teria suicidado realmente, mas aí é especulação em terceiro grau, assim como a possibilidade do capanga assassino não existir, tratando-se de uma esquizofrenia de Paulo Honório. Acho que o arrependimento de Madalena era maior que seu amor pelo filho, por isso que ela se matou.

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