Fundado em 28 de Setembro de 1998

28 de abril de 2021

A desejada: Elenir Teixeira


     Assustada, Luiza pulou da cama às sete horas da manhã. A campainha do telefone tocava insistentemente.

     Do outro lado da linha, sua grande amiga Regina cantava entusiasmada: “Parabéns pra você...” Sempre fizera questão de ser a primeira a felicitá-la. Certa vez, aguardou a última badalada da meia-noite para ligar, assegurando, dessa forma, sua pretensão.

     Uma vez de pé, apanhou o jornal na porta, leu as principais manchetes, preparou seu café e, enquanto o tomava devagarzinho, pensava... O fio tênue da memória levou-a a fazer longa viagem de volta aos anos quarenta. À mesa do café, ela e seu pai conversavam. Havia muita ternura entre eles:

     — Filha, em junho completarás quinze anos e, em dezembro, irás concluir teu curso ginasial. Estão a faltar-me condições para oferecer-te, como mereces, duas festas. Peço-te, pois, para escolheres a ocasião que desejas festejar.

     Por algum tempo, ela permaneceu calada, refletindo. Ambos eram acontecimentos importantes. Fazer quinze anos, seu maior sonho, como seria, também, o de outras adolescentes. Significava, certamente, maior liberdade. Poderia usar sapatos de saltos, vestidos um pouco mais decotados e até batom. Obteria, naturalmente, permissão para ir aos bailes com suas amigas, dispensando a vigilância implacável de seu irmão, e, talvez, até para namorar. Ah, quanta inveja sentia dos namoros de suas amigas! Por outro lado, para a aluna aplicada, ostentando sempre nota máxima no boletim, a conclusão do curso ginasial representaria uma grande vitória a ser celebrada. Entretanto, o sonho de liberdade falou mais alto.

     — Pai, quero festejar meus quinze anos.

     Sem prever o que lhe preparava o futuro, fez a escolha certa.

...

(Continua no livro dos 20 anos do Clube de Leitura - Modo de Fazer. E mais de Elenir: Haicais, poemas e críticas literárias de vários livros debatidos no CLIc)






24 de abril de 2021

Os cadernos de Dom Rigoberto: Mario Vargas Llosa

















 

Sábado - 17h00

24/04/2021

Google Meet


Um coletivo não pode organizar-se para alcançar nenhuma forma de perfeição sem destruir a liberdade de muitos, sem levar de roldão as belas diferenças individuais em nome dos pavorosos denominadores comuns. 


Egon Schiele




Quem ama sabe, e tem por sabedoria tudo o que concerne ao seu amor, sacralizando o detalhe mais trivial dessa pessoa. (pág. 22)




Uma vida mental rica e própria exige curiosidade, malícia, fantasia e desejos insatisfeitos, isto é, uma mente "suja", maus pensamentos, floração de imagens proibidas, apetites que induzam a explorar o desconhecido e a renovar o conhecido, desacatos sistemáticos às ideias herdadas, aos conhecimentos manipulados e aos valores em voga. 


Egon Schiele Ausstellung im Georg Schäfer Museum in Schweinfurt


... pois existiria prazer maior, para mim, do que te satisfazer? Para ti e por ti, fui Messalina e Leda, Madalena e Salomé, Diana com seu arco e suas flechas, a Maja Desnuda, a Casta Susana surpreendida pelos velhos luxuriosos e, no banho turco, a odalisca de Ingres. Fiz amor com Marte, Nabucodonosor, Sardanapalo, Napoleão, cisnes, sátiros, escravos e escravas, emergi do mar como uma sereia, aplaquei e aticei os amores de Ulisses. Fui uma marquesinha de Watteau, uma ninfa de Ticiano, uma virgem de Murillo, uma Madona de Piero della Francesca, uma gueixa de Fujita e uma rameira de Toulouse-Lautrec. Deu trabalho equilibrar-me nas pontas dos pés como a bailarina de Degas e, acredita, para não te decepcionar, até tentei me transformar, à custa de cãibras, naquilo que denominas o voluptuoso cubo cubista de Juan Gris. 



"Sou o mais tímido dos tímidos. Sou divino." (p. 251)"




“(…)consegui encher o meu escritório de livros, gravuras e quadros que me couraçam contra a estupidez e a vulgaridade reinantes e formar um enclave de liberdade e fantasia onde , todos os dias, melhor dizendo todas as noites, consegui desintoxicar-me da espessa crosta de convencionalismos embrutecedores, vis rotinas, atividades castrantes e gregarizadas que você fabrica e das quais se alimenta, e viver, viver de verdade, ser eu mesmo, abrindo aos anjos e demónios que me habitam as portas gradeadas atrás das quais – por sua causa, sua – são obrigados a esconder-se o resto do dia.” (Pág. 230)


Página 153







 "Não sabemos: só podemos conjecturar"



"Os cadernos de dom Rigoberto é um livro arrebatador sobre a arte de amar, em suas formas mais variadas e profundas. Lançado originalmente em 1997, tornou-se um sucesso mundial. No romance, Vargas Llosa retoma os personagens de seu romance Elogio da Madrasta, de 1988, para narrar uma nova história de paixões e intrigas. Dom Rigoberto, embora seja um homem discreto, leva uma vida dupla. De dia, comporta-se como um senhor respeitável e de hábitos metódicos. À noite, aproveita as madrugadas insones para registrar fantasias amorosas em seus cadernos. Neles, sua ex-mulher, a voluptuosa Lucrecia, ocupa sempre o espaço da personagem principal. Por trás da aparência austera de corretor de seguros, esconde uma obsessão pelas mais loucas fantasias sexuais. Embora tenha passado anos de completa felicidade com Lucrecia - uma mulher sensual que amava atender seus desejos -, Rigoberto interrompeu bruscamente o idílio em que viviam quando descobriu que ela e Fonchito - filho de seu primeiro casamento - mantinham um tórrido caso amoroso. Assim, viu-se obrigado a expulsá-la de casa. O que dom Rigoberto não sabe é que foi o filho quem seduziu a madrasta, num plano maquiavélico para afastá-la de suas vidas. Agora, o destino de Lucrecia e dom Rigoberto está prestes a mudar. Fonchito, misteriosamente, põe em operação um plano para voltar a unir o casal. Mesmo sem descobrir o que o menino pretende, Lucrecia se deixa levar por essa nova artimanha que a colocará, mais uma vez, em contato com o que mais desejou."


Lucrécia y Rigoberto


“Um rebanho, como se sabe, é composto por gente sem voz própria e de esfíncter mais ou menos débil. É um facto comprovado, aliás, que, em tempos de confusão, o rebanho prefere a servidão à desordem. Daí que aqueles que agem como cabras não tenham líderes mas sim cabrões. E alguma coisa se nos deve ter pegado dessa espécie quando no humano rebanho é tão comum esse dirigente capaz de conduzir as massas até à beira do recife e, uma vez ali, fazê-las saltar para a água. Isto se não lhe ocorrer assolar uma civilização, que é uma coisa também bastante frequente.” (Pág. 119)


Olympia: Manet


A gata peluda, se você me entende.




A pornografia é passiva e coletivista; o erotismo, criador e individual. (p. 223)


L'origine du monde: Gustave Courbet


Dânae de Gustav Klimt



«Tenho o feiticismo dos nomes, e o teu enleva-me e enlouquece-me. Rigoberto! É viril, é elegante, é brônzeo, é italiano. Quando o pronuncio, em voz baixa, corre-me uma cobrazinha pelas costas e gelam-se-me os calcanhares rosados que Deus (ou, se preferes, a Natureza, descrente) me deu. Rigoberto! Ridente cascata de águas transparentes. Rigoberto! Amarela alegria de pintassilgo a celebrar o sol. Onde estiveres, estou eu. Quietinha e apaixonada, eu aí.»




 Mario Vargas Llosa ao criar em Os Cadernos de Dom Rigoberto um mundo de erotismo, sensualidade, desejo e paixão, transporta o leitor para todo um universo de sonho ousado e arrojado, criado pela imaginação fértil de um reservado corretor de seguros. Um livro que é a apologia perfeita do amor em estado puro.


A hóstia vermelha: Schiele

"(…)consegui encher o meu escritório de livros, gravuras e quadros que me couraçam contra a estupidez e a vulgaridade reinantes e formar um enclave de liberdade e fantasia onde , todos os dias, melhor dizendo todas as noites, consegui desintoxicar-me da espessa crosta de convencionalismos embrutecedores, vis rotinas, actividades castrantes e gregarizadas(...)

Languor - Félix Valloton



Nu avec chat - Balthus



Rosalba de Botero




Arthur Roessler




21 de abril de 2021

A construção de uma amizade: William Lial




Como é gostoso e importante para a formação da criança ouvir histórias. Ao contá-las instigamos a curiosidade e o desejo de “quero mais”, expresso pelas crianças no “conta outra vez”. São esses sentimentos que nos movem para conhecer e aprender as coisas que estão no mundo, e, sabendo-as registradas em livros, certamente iremos recorrer a eles, nos tornando, assim, leitores por desejo e motivação. (PERRONE; LARA, 2002, p. 123)



A literatura infantil, felizmente, é base da criação intelectual e prazer pela leitura de muitos de nós. Não são poucos os relatos de quem teve sua infância recheada de livros infantis, de Monteiro Lobato à Ana Maria Machado – para os mais jovens. Muito importante, portanto, como diz a professora e ensaísta Nelly Novaes Coelho,

A Literatura infantil é, antes de tudo, literatura, ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática; o imaginário e o real; os ideais e sua possível/impossível realização. (COELHO, 2000, p. 27)

O livro da professora e escritora Francisca Nóbrega, Uma pena, uma saudade (1989), é um bom exemplo dessa presença do imaginário que se funde ao mundo real, representado no encontro de uma menina com um pássaro falante, narrado sem digressões para explicar como esse diálogo fantástico é possível; antes deixando tudo ao correr da pena, como no mundo tradicional, onde todo fantástico é natural, sem estranhamentos da ordem do extraordinário e irreal, como se costuma ver na literatura infantil.


"Uma pena, uma saudade" é um dos livros do debate de julho no CLIc

No seu enredo, a história é de uma menina que conhece um pássaro, um Colibri, e este se torna seu amigo, companheiro das melhores horas, divertindo-a e trocando aprendizado, carinho e amor. Na narrativa, a menina parece ter como único amigo o pássaro que lhe faz grande falta na ausência. E essa amizade vai sendo construída aos poucos, passando pelo período da observação para o do primeiro contato, seguido pelo da descoberta do outro e da necessidade e prazer da sua companhia, como consequência do amor já instalado, chegando à concepção da amizade propriamente dita e à partida do amigo com os seus, no outono, “outro outono” (p. 20), como diz a narradora, sinalizando que esse outono é também de outra ordem, além da tradicional das estações, como veremos mais à frente.

No decorrer da leitura podemos encontrar muitas características que já fazem parte da tradição da Literatura Infantil, dentre elas: o texto conciso, marcado pela oralidade, com vocabulário familiar, o uso da fantasia como forma de experimentação da verdade, personagens impulsionados pelo livre arbítrio, pela aproximação afetiva, pela empatia – que aproxima Carolina do Colibri, além da curiosidade inicial –, pela busca da felicidade, o uso de personificações e antropoformizações (AZEVEDO, 2001), como o pássaro Colibri que age como humano, com sentimentos e reações comuns ao homem; enfim, são características que também contribuem para a concepção de uma narrativa de iniciação, a exemplo do que ocorre em algumas “literaturas para adultos” como Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister (2009), de Goethe, também comumente chamados de “Romance de Formação”. Além disso, essas formas de iniciação são tradicionais nos livros infantis.

Mas o livro é mais do que essas características. Sua narrativa delineia o surgimento e desenvolvimento de uma amizade de encantos, tanto do ponto de vista ficcional e fantástico, como do ponto de vista humano. A amizade retratada na fábula segue um crescendo, constrói-se, como podemos perceber de acordo com algumas observações que julguei mais distintivas, e que procuro desenvolver a partir do parágrafo seguinte.

No que chamo de primeiro estágio da amizade, a menina é atraída pela curiosidade e encanto de ver um passarinho – ou melhor, um bichinho; ela ainda não sabe o que ele é –, a voar sobre flores. Vítima de seu limitado conhecimento do mundo, ao ver o passarinho, julga que ele teria um segredo, “Aquele passarinho escondia um segredo” (p. 5), – suposto segredo que, na verdade, intrigou a menina pelo fato de todos os dias o pequeno pássaro estar a beijar as flores; o que, porém, não se configura num segredo, mas numa falta de conhecimento da atividade trivial do pássaro que não a exerce escondida de ninguém; contudo, sendo a menina uma menina, vivendo a descoberta inicial do mundo, obviamente não sabia o que fazem os Colibris – bichinho que até então ela nem sabia que existia.



Ainda como parte do primeiro estágio, e no campo da observação, a menina dá pouca importância ao pequeno voador, como muitas vezes acontece entre os adultos na construção de uma amizade – em princípio, aquele que um dia será nosso amigo do peito, não nos causa grande impressão –, por isso, relata a menina: “[...] logo, logo, [o bichinho] deixou de ser assunto para mim” (p. 7).

Mas como as futuras amizades parecem nos buscar e nos direcionar para o encontro delas, o desinteresse da garota dura apenas “por vinte e quatro horas” (p. 7), até o passarinho retornar no dia seguinte; quando ela toma a iniciativa do primeiro contato – alguém sempre dá o primeiro passo, caso contrário, sem passo inicial, as amizades não existiriam.

No entanto, a menina, que não sabia distinguir se a ave era ave ou inseto (p. 7), interroga a pequena criatura que, blasé, não responde: “— Você é ave ou inseto?” (p. 7). Porém, olhando o passarinho de perto, depois da repentina aproximação deste, quase a tocar o seu nariz, a menina tem sua primeira revelação: ele tem asas, e é um passarinho, não um inseto, como ela julgou possível nas suas especulações iniciais ao observar o pequeno voador. Caso relevante, o da descoberta, no mundo da criança, algo sempre revelador, novo e importante para um cérebro em desenvolvimento que a tudo capta e se maravilha. O ser novo soa encantado.

A partir daí, agora no segundo estágio da amizade, a menina não mais esquece o pequeno pássaro, como podemos ver no exemplo abaixo, em forma de poesia – gênero constante nessa fábula que, vez por outra, se mistura à narrativa em prosa do seu texto.

Vinha a tarde, ele vinha.
E eu ia correndo pra janela.
Louca pra vê-lo. (p. 8)

E dessa forma, foi-se construindo o início da convivência e do acostumar-se com a presença do outro, foi surgindo a necessidade de se verem e a constante dedicação de parte do seu tempo ao futuro amigo, passando a observá-lo e a apreciá-lo, principalmente por parte da menina – o que não é diferente do que fazemos com nossos amigos; normalmente os admiramos por algo, em muitos casos somos seus fãs, orgulhamo-nos de sermos amigos de alguém tão especial. E era especial para a menina o pequeno voador, mesmo que, nesse ponto, ainda não tivessem se comunicado verbalmente, apresentando-se mutuamente e formalmente.

Assim, a menina vem todos os dias a procura do passarinho, e quando não o encontra – por alguns dias em que ele fica sumido –, sente o vazio provocado pela falta: “Confesso que fiquei desapontada, sentindo a sua ausência. Fiquei triste mesmo” (p. 11), lembra a narradora, já deixando clara a necessidade da menina pelo outro.

A essa altura, quando já nos sentimos imersos na leitura e no universo do livro, ressurge o pássaro, que se dirige à menina, agora, por palavras – o que já não nos causa espanto, não por sabermos que se trata de uma fábula, coisa que sabíamos desde o início, mas porque, imersos na leitura e no seu universo, vestidos de observadores, quiçá tomados da própria menina, tudo nos é possível e aceitável, não buscamos diferenciar fantasia de mundo lógico real. Mas enfim, com o contado oral tomado pelo pássaro, a linguagem, antes era apenas corporal, agora se configura em voz e palavras. Então a amizade que, até aqui, parecia uma via de mão única, tendo em vista que o pássaro não havia se comunicado realmente com a menina, além de exibir-se, como julgava ela, a amizade, afinal, toma uma direção mais efetiva, o pássaro não só fala como declara o seu carinho e afeição pela criança: “— Menina sem graça! Eu estive doente, com indigestão de suco de frutas misturadas. Só fiquei bom para poder voltar para você” (p.11).



Com essa confissão, o pássaro não só corrige um caminho de amizade, antes defeituoso pela ausência do discurso de uma das partes, como também demonstra que se preocupa com o que o outro, no caso a menina, pode pensar dele, da sua ausência, já que faz questão de justificar essa ausência, causada por uma indigestão, e, como se não bastasse, ainda dá indícios do seu amor nascente pela criança: “Só fiquei bom para poder voltar para você”.

Nesse momento, a amizade se configura com o amor correspondido. O passarinho quer bem a menina, e a menina quer bem ao passarinho; ele esteve doente e voltou por ela, ela esperou por ele, e também esteve doente – embora de forma metafórica, também teve uma indigestão, “indigestão de saudade” (p. 11), feito vazio no estômago provocado pelo vazio circunstancial do outro. E a declaração da narradora aos leitores não deixa dúvida disso:

Naquele exato momento,
Eu entendi o que as pessoas
Sentem quando dizem:
“Eu te amo!” (p. 13)

Nesse ínterim, dá-se a epifania. A menina descobre o que está sentindo, e o pássaro se revela no mesmo nível de querer que ela. Amar, nesse contexto, é sentir esse vazio que comentei acima, é sentir a falta do outro, quando longe, é querê-lo sempre perto, se importar com ele e sentir-se feliz pela atenção recebida. Como dizia Schopenhauer: “a amizade verdadeira e genuína pressupõe uma participação intensa, puramente objetiva e completamente desinteressada no destino alheio; participação que, por sua vez, significa nos identificarmos de fato com o amigo” (SCHOPENHAUER, 2002, p.220); identificação clara no encontro dos dois, passarinho e criança. E este foi mais um estágio da amizade, a descoberta dos sentimentos.

Desse momento em diante, menina e passarinho, não se desgrudam, criam uma parceria; cúmplices, descobrem que para haver amizade, assim como amor, é necessário dois existirem. O amor precisa ser mútuo para se realizar com sucesso e felicidade. Isso é representado pela repetição no texto da palavra francesa “pás de deux”: “Parecia convidar-me para um pás de deux” (p. 14), diz a criança, e mais à frente: “aprendi a fazer ponto, giro, rodopio, corrupio... tudo em pás de deux” (p. 20). A amizade se constrói e caminha a dois, a passos de dois, juntos. Não se é amizade se apenas um caminha sozinho.



E inebriados pelos momentos de alegria vividos juntos, nem percebem que nunca haviam se apresentado formalmente: nem seus nomes sabiam. Quando se expõem com o nome, este se configura em um novo estágio na amizade e numa nova revelação: “— Eu, Colibri, da nobre geração dos Grandes Beija-flores” e “— Eu, Carolina, da geração das garotinhas que ninguém entende” (p. 17), apresentam-se.

Mas há outro dado importante nessa apresentação: eles trocam presentes como faziam muitos de nossos antepassados ao conhecerem alguém ou receberem visitantes em seu mundo. Os presentes, nessas condições, são uma amostra de consideração, de respeito e, no caso específico dessa fábula, de dar ao outro algo seu – percebam que os presentes dados pelos personagens são partes de cada um, inclusive, diretamente dos seus corpos. Literalmente eles dão parte de si, e isso é muito significativo. É como se dissessem “Eu estarei sempre com você!”, firmando um compromisso.

Outro dado relevante é o fato da menina se proclamar pertencente à “geração das garotinhas que ninguém entende”. Suas palavras a colocam dentro do campo das muitas crianças que se sentem pouco ou nada compreendidas, e que, ao encontrarem um novo amigo, ou simplesmente um primeiro amigo, dedicam a esse o seu carinho e com ele compartilham intensamente sua vida. Esse amigo salva seus dias, porque a compreende como ninguém até então, o que, por conseguinte, a aproxima ainda mais do novo companheiro; uma amigo que, na visão da menina, é a poesia, por tudo o que ele representa; pela amizade, pela aparência, pela beleza, enfim, pelo fascínio que lhe causa. Nos olhos repletos de poesia romântica de Carolina, o pássaro transmuta-se em poesia, representa-lhe a harmonia da vida, uma metáfora da liberdade e do viver solto, feliz: “— E os da minha raça vão saber o que é poesia, quando virem um dos teus” (p. 17), diz a menina ao Colibri. A importância disso, desse momento, é declarada pela narradora quando afirma que

Aquela hora foi solene e séria,
Pois é sempre solene e sério
O instante da revelação. (p. 19; grifos meus)

Entre os motivos que podem fazer de uma revelação algo solene e sério, no caso específico desse texto, e nesse momento, está a possibilidade dessa revelação tratar-se de uma nova entrega. Em nosso mundo, onde os nomes são tão importantes, onde eles nos antecedem e nos apresentam, fazê-los conhecidos é revelar-se mais; nomear é revelar, é confirmar a existência, a realidade, a presença como ser presente, real. E para uma criança que encontra alguém (se me permitem a personificação do Colibri) que a compreende e a acompanha nesse mundo de sonho – a amizade parece um sonho para Carolina –, isso é fundamental, dá um sabor especial a sua vida. Essa revelação dos nomes, e espécies (Colibri e garotinha), fortifica a relação. Além disso, o nome dado à menina pelo Colibri também é muito significativo: Menina-Flor.

Este nome entra no plano das proposições, ou seja, o nome se propõe a significar, a definir a menina; por um lado por que o pássaro a conheceu entre as flores, onde ele costumava passear; por outro, por que a delicadeza e a importância de Carolina para ele parece se assemelhar à atração e importância da flor para os Colibris; e tudo isso somado representa a importância das flores para ambos: foi entre as flores que se conheceram, é entre elas que se encontram, é delas que o Colibri vive e foi graças a elas que ele veio à casa da menina e ganhou uma amiga. As flores ainda aparecem mais à frente no texto como fonte de amizade, amor e mais, como veremos adiante. Assim, o que o nome Menina-Flor invoca não é exatamente o que o nome significa, como diria Agamben sobre as proposições dos nomes (2012, p. 102-103), porém está relacionado, representa o que significa a menina para o pequeno pássaro.

Dessa forma, a amizade dos dois segue seu caminho. Construída, não da noite para o dia, mas com o tempo, com a maturação, como costumam construírem-se as amizades. E ambos vivem esse sentimento por vasto tempo: “E nossa vida era uma longa caminhada que não acabava nunca” (p. 20), diz a narradora.



A amizade dos dois era uma parceria, um companheirismo e uma cumplicidade que representava uma caminhada a dois, o “pas de deux”, já dito antes e repetido nesse ponto da narrativa, corroborando com a ideia de parceria. Além disso, havia uma troca entre eles, “Eu tinha sempre coisas para contar e ele, coisas para ouvir. Depois ele contava e eu ouvia” (p. 20), como declara Carolina; uma troca que define toda amizade, proporcionando o enriquecimento e o crescimento mútuo dos amigos, sempre a dois, juntos e iguais.

E ser iguais é mais um ponto expressivo na narrativa e na amizade de ambos: não há diferença real entre os dois, desenvolvem-se e descobrem um mundo novo lado a lado. Não há diferenças, um voa com asas e coração, outro voa com a satisfação e coração; ele é pequeno diante dela, e grande, diante dos beija-flores, não colibris; ela é grande, diante dele, e pequena diante dos homens; contudo, os dois são grandes diante de si mesmos – grandes um para o outro.

Enquanto isso, imperceptível em meio a essa construção da amizade, o tempo é força estranha. Imersos no prazer da companhia, o tempo inexistiu para os dois. Nem sequer foi eliminado, pois não foi percebido, não existiu até então – existir é característica imprescindível para se fazer presente e, assim, ser eliminado. Desprendidos das amarras do tempo que os obrigaria a medirem-se diante o tempo do mundo, viveram livres, cada dia como o mesmo dia – estendido eternamente – e, ainda assim, como um novo dia – revitalizado e redescoberto, nascido a cada reencontro. Sobre isso diz Carolina: “Fazia tanto tempo que brincávamos juntos, que dava a impressão de que não tinha havido o ‘antes dele’” (p. 21).

Essa declaração de que parecia não ter existido “o antes” do pássaro, portanto, “o antes” desse tempo em que Carolina e o Colibri vivem agora, no momento da percepção do tempo, assemelha-se à definição de tempo na Física projetada por Aristóteles, ao afirmar que o tempo é “a medida do movimento segundo o anterior e o posterior” (apud NUNES, 2002, p.29). Nas palavras de Carolina, permite-se vislumbrar que ela sabe que o tempo se dá entre o antes e o agora (o posterior ao antes), porém, ela percebe que, durante o tempo compartilhado com o Colibri, não houve esse antes e depois, só o presente.

Apesar disso, como nada é para sempre, já dizia o ditado popular, um dia, de acordo com a rotação sazonal, o tempo passa, e dessa vez é percebido; o Colibri tem que partir: já era “outono, outro outono” (p. 20), como diz a narradora. E como falei ainda no início deste texto, esse outono a que Carolina/Narradora se refere, é também, e principalmente, de outra ordem. Ele representa, dentre outras coisas, a tristeza, a chegada da velhice, da queda dos frutos, folhas e flores, refere-se à derrocada, às noites mais longas, contrárias à luz do verão que se encerra; tudo o que se configura na tristeza da partida e do fim de um período, de uma estação de alegria.



Diante desse novo panorama, tem-se mais um estágio da amizade que agora se conservará na lembrança, como nos casos em que, mesmo estando os amigos distantes, não se esquecem, um do outro, e, se um dia reencontrarem-se, abraçar-se-ão e retomarão à conversa como se apenas ontem se tivessem visto pela última vez, menosprezando o longo tempo entre os dois pontos, o do distanciamento e o do retorno, como um mero espaço que separam os segundos.

Na partida, o Colibri presenteia a menina mais uma vez, agora com uma flor roxa, que não deve ter seu significado desprezado pelo leitor. Esse presente não é mera formalidade ou regalo de menos valia. A flor roxa possui vários significados e todos, ou quase todos, são coerentes com o momento da narrativa; e esses vários significados podem, por conseguinte, nos suscitar várias interpretações; dentre elas, o roxo como metáfora do amor roxo, como a extensão do carinho do pequeno voador para com a menina, e que, nesse momento de partida, significa a saudade que ele sentirá da amiga, uma saudade roxa, dolorosa, forte, intensa – como significações mais diretas, baseadas na enciclopédia comum da nossa bagagem cultural e conhecimento popular.

Contudo, há ainda outras definições, significados atribuídos a essa flor que atravessam os tempos e enriquecem o ato do Colibri para com Carolina, o que também demonstra o grau de acuidade da autora do livro para com a sua história, ao buscar entrelinhas e simbolismos mais profundos para seu texto.

Dentre esses simbolismos temos: a flor roxa como representação do amor e dos sentimentos bons – assim como os sentimentos que unem os dois amigos na fábula –; o roxo como a cor do primeiro amor – o que não difere também da relação entre a menina e o colibri (ambos se unem por um amor mútuo, um amor verdadeiro e primeiro, sobretudo para a menina – de quem temos mais informações, já que narra a história de dentro de suas lembranças, como um narrador personagem –, porque ela nos deixa ver claramente que essa é sua primeira amizade, sua grande descoberta do que é uma espécie de amor compreensivo e feliz). Contudo, a flor ainda pode representar admiração e mistério – outras duas características diretamente presentes na amizade dos protagonistas dessa fábula –; além disso, a flor roxa é símbolo da Páscoa, também chamada de "Quaresmeira", conhecida como a flor que anuncia a Páscoa, tanto por florescer próximo do período religioso da "Quaresma", como por sua cor assemelhar-se ao roxo que representa a Páscoa – e Páscoa, no hebraico, Passach, significa passagem; a ida de uma situação à outra, como a ressurreição de Cristo, e como o renascimento de Carolina através da amizade. Finalmente, a cor púrpura real, também representa prosperidade, excelência e felicidade. Enfim, tudo intimamente relacionado com a amizade do pássaro e da menina.

Mas voltando ao correr do texto, nesse momento em que o Colibri presenteia Carolina, ele se vai. É hora de partir e deixar saudades. Partiu rápido, quase imperceptível, e a menina só viu “uma peninha de asa e o brilho escasso de uma saudade roxa” (p. 21) – aqui voltando a se referir a um dos atributos da cor roxa da flor.

E agora, de onde conta a história, a menina é uma senhora de cabelos brancos, “Meu cabelo, agora, é todinho anel de nuvem branca” (p. 23). Do ocorrido, a lembrança que fica é a força que teve aquela amizade e o quanto ela significou para os dias e a formação daquela menina, hoje mulher madura. O pássaro deu-lhe vida, sua afeição fez florescer em si suas asas, com as quais voou naqueles dias e viveu intensamente; assim, a pena do pássaro, que ficou consigo, era “a pena que faltava a minha asa” (p. 23), reconhece, ela, hoje.



Partido o Colibri, exaltada sua companhia e sua importância na vida da narradora, o texto termina com um poema que funciona como uma moral da história, ratificando a qualidade de amizade que retrata toda a fábula; tendo entre seus versos, como um ponto marcante e um dos centrais da história, a palavra “cativar” (p. 24), no quarto verso, que pode remeter-nos ao livro O pequeno príncipe (2004), de Antoine de Saint-Exupéry, onde o “jogo” de cativar é também parte fundamental da narrativa.

Agora, em posse dos sentimentos vivenciados, a menina segue sua vida junto aos homens, na busca de estender aos outros o que sentiu e viveu, semeando alegria, amor e companheirismo. Enriquecidos pela experiência que compartilharam, menina e passarinho levam consigo, e legam ao mundo os valores descobertos e adquiridos.




REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Ideia da prosa. Trad. João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. (FILÔ/Agamben) 
AZEVEDO, Ricardo. “Literatura infantil: origens, visões da infância e traços populares”. In: Presença Pedagógica. - Belo Horizonte: Editora Dimensão, nº 27 - mai/ jun 1999. 
COELHO, Nelly Novaes. A Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
GOETHE, Johann Wolfgang von. Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister. Trad. Nicolino Simone Neto. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2009.
NÓBREGA, Francisca. Uma pena, uma saudade. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora de Orientação Cultural, 1989.
NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. (Passo-a-passo)

SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Trad. Dom Marcos Barbosa. Rio de Janeiro: Agir, 2004.

SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a Sabedoria de Vida. Trad. Jair Barboza. SP: Martins Fontes, 2002.

PERRONE, Ercília; LARA, Maria Lúcia Martins Pinto. “Era uma vez...”. In: SOUZA, Regina Célia; BORGES, Maria Fernanda S. Tognozzi (orgs.). A práxis na formação de educadores infantis. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

SIGNIFICADOS. Significado de Flores Roxas: o que são flores roxas. Disponível em: <http://www.significados.com.br/flores-roxas/>. Acesso em: 20 maio 2013.


William Lial é escritor (poeta, cronista, contista e ensaísta), autor dos livros "Sombras" (2001), "Noturno" (2001) e "O mundo de vidro" (2005), e colaborador de alguns sites e revistas de Literatura.



Ilustrações: Arthur H. Braga

15 de abril de 2021

A peste: Albert Camus

*Publiquei há um ano, nem podia imaginar que a pandemia ia se estender por tanto tempo e que chegaria a matar 4 mil por dia. A literatura como fonte de reflexão sobre a vida concreta.  "Literatura é mimese, é a arte que imita pela palavra".* 

A PESTE

Sobre a frieza dos números e a natureza das mortes anônimas. Provavelmente, quando se perde um ente querido, essa perda tem mais força e significado que a morte de dez mil anônimos. E essa constatação nos faz compreender um bocado de indiferença aos mortos que tombam por aí, vitimados pelo vírus pestilento da vez. Deixo abaixo um fragmento de "A peste", de Albert Camus, que estive relendo nesta tarde. 

"Ele procurava reunir no seu espírito o que ele sabia sobre a doença. Números flutuavam na sua memória e ele dizia a si mesmo que umas três dezenas de pestes que a história conheceu tinham feito perto de cem milhões de mortos. Mas o que são são milhões de mortos? Quando se fez a guerra, já é muito saber o que é um morto. E visto que um homem morto só tem significado se o vemos morrer, cem milhões de cadáveres semeados ao longo da história esfumaçam-se na imaginação. O médico lembrava-se da peste de Constantinopla, que, segundo Procópio, tinha feito dez mil vítimas em um só dia. Dez mil mortos são cinco vezes o público de um grande cinema. Aí está o que se deveria fazer. Juntar as pessoas à saída de cinco cinemas para conduzi-las a uma praça da cidade e fazê-las morrer em montes para se compreender alguma coisa. Ao menos se poderiam colocar alguns rostos conhecidos nesse amontoado anônimo."

A peste, Albert Camus, edição vira-vira da Saraiva, p. 39-40.


Antonio R

9 de abril de 2021

Minha história de leitor e membro do CLIc: Eduardo de Freitas Leite


... vou falar como encontrei o CLIc. Foi por acaso, mas acaso mesmo!!! Numa sexta-feira estava voltando do trabalho para casa, desci do ônibus na praia de Icaraí e passei na Beira-Mar para comprar lanche da noite. Passo em frente à “Livraria Ver&Dicto” e vejo um grupo reunido.

A curiosidade é terrível. Entrei e perguntei a um(a) funcionário(a) o que era aquele grupo. Assim, desta forma, fiquei sabendo que era um grupo de leitura. Me vieram à mente, os grupos de estudos em que tinha participado com D. Francisca e a minha colega de trabalho.

Fiquei assistindo de longe e quando a reunião terminou, aí então fui falar com o Evandro e a nossa querida Norma, fundadora do grupo, e desta forma passei a frequentar o grupo na “Ver&Dicto”.

A livraria fechou. Aí o Evandro conseguiu que passássemos a reunir na “Livraria da UFF – Livraria Icaraí”. Depois de algum tempo, a UFF solicitou que nossas reuniões fossem no prédio da reitoria, na sala dos Conselheiros da Reitoria da UFF, e estamos atualmente no hall do prédio da reitoria. Se não me falha a memória, o motivo da mudança era porque a livraria tinha hora certa para encerrar e desta forma teríamos que sair.

Claro, leituras e discussões sempre maravilhosas, como “A Montanha Mágica”, “Abril Despedaçado”, “A Peste”, “Quando Nietzsche Chorou”, “A Cura de Schopenhauer”, “Memórias de Adriano”, “Equador”, “Travessuras de uma Menina Má”, “Dom Casmurro”, “Crime e Castigo”. No meu ponto de vista, a leitura mais difícil foi “Ulisses” e vamos por aí afora...

...

(leia o Texto integral no livro "Clube de Leitura Icaraí: Modo de Fazer")



Amigos e amigas do Clic,
o meu volume já está comigo,
só falta agora me deliciar e viajar com os textos publicados e,
 no próximo encontro,
colher as dedicatórias.

3 de abril de 2021

A cidade do sol: Khaled Hosseini



Khaled Hosseini: "Você precisa escrever, quer sinta ou não."


Em entrevista a Noah Charney, Hosseini fala sobre seus hábitos diários de escrita e as coisas essenciais que todos os escritores precisam fazer…

Não esqueço nada, não acho útil e não gosto da maneira como me encaixa. Gosto do elemento surpresa e espontaneidade, de deixar a história encontrar seu próprio caminho. Por esse motivo, acho que escrever um primeiro rascunho é muito difícil e trabalhoso. Também é muitas vezes bastante decepcionante. Quase nunca acaba sendo o que eu pensava que era, e geralmente fica muito aquém do ideal que eu tinha em mente quando comecei a escrevê-lo. Eu amo reescrever, no entanto. Um primeiro rascunho é realmente apenas um esboço no qual adiciono camada e dimensão, sombra e nuances e cores. Escrever para mim é basicamente reescrever. É durante esse processo que descubro significados, conexões e possibilidades ocultas que perdi na primeira vez. Ao reescrever, espero ver a história se aproximando do que minhas esperanças originais eram.


Eu conheci muitas pessoas que dizem que têm um livro, mas nunca escreveram uma palavra. Para ser um escritor – isso pode parecer banal, eu percebo – você precisa realmente escrever. Você tem que escrever todos os dias, e você tem que escrever, se lhe apetecer ou não. Talvez o mais importante, escreva para uma audiência de si mesmo. Escreva a história que você precisa contar e deseja ler. É impossível saber o que os outros querem, por isso não perca tempo tentando adivinhar. Basta escrever sobre as coisas que ficam embaixo da sua pele e mantê-lo acordado à noite.

(Alexandre Boure)

* * *



A Cidade do Sol foi o livro escolhido pelo Clube de Leitura Jovem para o debate do mês de agosto 2015! Trata-se do segundo romance do escritor afegão Khaled Hosseini, cujo livro de estreia foi o sucesso de crítica e de vendas O Caçador de Pipas.




A Cidade do Sol narra o encontro de duas histórias. Mariam tem 33 anos. Sua mãe morreu quando ela tinha 15 anos e Jalil, o homem que deveria ser seu pai, a deu em casamento a Rashid, um sapateiro de 45 anos. Ela sempre soube que seu destino era servir seu marido e dar-lhe muitos filhos. Contudo, no decorrer de sua vida, percebe que nem sempre os destinos são controláveis. Laila tem 15 anos. É filha de um professor que sempre lhe diz: "Você pode ser tudo o que quiser." Ela vai à escola todos os dias, é considerada uma das melhores alunas e, ao contrário de Miriam, sempre soube que sua vida era muito mais do que só casar e ter filhos. Ainda assim, de fato: as pessoas não controlam seus destinos. 
Quando Miriam e Laila se encontram, uma terceira história passa a ser contada: aquela que ensina que todos nós, simplesmente por sermos humanos, fazemos parte de uma espécie de "todo": somos iguais na diferença, somos diferentes com nossos pensamentos mas pensamos, sentimos, temos nossos momentos de dor, alegria e mistério.
Esta é uma leitura altamente recomendada àqueles que têm curiosidade quanto aos acontecimentos sociais e políticos na história do Afeganistão, que levaram esse país a ser o que é hoje e como isso influênciou o cenário político mundial (os horrores da guerra contra os Soviéticos na decada de 80, as guerras entre facções que lutavam pelo poder depois da saída do exército da então União Soviética, a opressão exercida pelo talibã, o sofrimento de mulheres oprimidas por uma cultura machista, fruto de um fanatismo religioso etc), e ainda por cima se emocionar com a história de duas mulheres que amargam o único pecado que cometeram: o de terem nascido.
O Clube de Leitura Jovem ocorre a toda penútima quinta-feira do mês na Livraria Icaraí.

Trata-se de um encontro descontraído na livraria, onde jovens trocam ideias quanto a suas percepções sobre os livros (estes, por eles mesmos escolhidos). É muito enriquecedor poder participar de um debate como este, afinal, como Miriam e Laila, as protagonistas do livro do mês, os integrantes desse grupo são leitores e são humanos, iguais nas diferenças, sensíveis e complexos. 
Venha você também participar do debate! Leitores de todas as idades estão convidados. Coloque em sua agenda e compareça:
Dia: 20 de agosto.
Às: 18h. 
Em: Livraria Icaraí (Miguel de Frias, número 9)
;-)
(fontes: wikipédia e blog do Plastico)



Liz Frencham sings 'A Thousand Splendid Suns' at the Canberra Theatre Playhouse. The song was written by Fred Smith through the eyes of a woman in Kabul looking back on the last 40 years of Afghan history.






José há de voltar a Canaã, não se lamente,
Cabanas vão se tornar jardins de rosas, não se lamente,
Se as águas chegarem destruindo tudo que vive,
Noé será seu guia em meio à tempestade, não se lamente.


* * *

Podes caminhar na água?
Não fizeste mais do que uma palha
Podes voar no ar?
Não fizeste mais do que um mosquito
Conquista o TEU coração
- E pode ser que te
Tornes alguém

(Khawaja Abdullah Ansari)




Tinha sido uma esposa infiel? Foi a pergunta que se fez. Uma esposa complacente? Uma mulher indigna? Infame? Vulgar? Que mal tinha feito, deliberadamente, a esse homem para justificar sua maldade, seus repetidos ataques, o prazer que ele sentia em atormentá-la? Não tinha cuidado dele quando esteve doente? Não tinha lhe dado comida, a ele e a seus amigos, e limpado as coisas dele com todo cuidado? 

Não tinha entregado a sua juventude a este homem?

Por uma única vez que fosse, tinha merecido a sua crueldade?




“Nosso watan chama-se agora Emirado Islâmico do Afeganistão. Eis as leis que começam a vigorar e às quais todos devem obedecer.

Todos os cidadãos devem rezar cinco vezes ao dia. Quem for apanhado fazendo outra coisa nas horas de oração será espancado.

Todos os homens deverão deixar crescer a barba. O comprimento correto é pelo menos um punho fechado abaixo do queixo. Quem não cumprir essa determinação será espancado.

Todos os meninos devem usar turbante. Os estudantes da primeira à sexta série usarão turbantes negros, os alunos das séries superiores usarão turbantes brancos. Todos deverão usar trajes islâmicos. O colarinho das camisas deve ser abotoado.

É proibido cantar.

É proibido dançar.

É proibido jogar cartas, jogar xadrez, fazer apostas e soltar pipas.

É proibido escrever livros, ver filmes e pintar quadros.

Quem possuir periquitos será espancado, e os pássaros, mortos.

Quem roubar terá a mão direita cortada na altura do pulso. Quem voltar a roubar terá um pé decepado.

Quem não é muçulmano não pode realizar seu culto em lugar onde possa ser visto por muçulmanos. Quem fizer isso será espancado e detido. Quem for apanhado tentando converter um muçulmano à sua fé será executado.

Atenção mulheres:

Vocês deverão permanecer em casa. Não é adequado uma mulher circular pelas ruas sem estar indo a um local determinado. Quem sair de casa deverá se fazer acompanhar de um mahran, um parente de sexo masculino. A mulher que for apanhada sozinha na rua será espancada e mandada de volta para casa.

Vocês não deverão mostrar o rosto em circunstância alguma. Sempre que saírem à rua, deverão usar a burqa. A mulher que não fizer isso será severamente espancada.

Estão proibidos os cosméticos.

Estão proibidas as jóias.


Vocês não deverão usar roupas atraentes.

Só deverão falar quando alguém lhes dirigir a palavra.

Não deverão olhar um homem nos olhos.

Não deverão rir em público. A mulher que fizer isso será espancada.

Não deverão pintar as unhas. A mulher que fizer isso perderá um dedo.

As meninas estão proibidas de frequentar a escola. Todas as escolas femininas serão imediatamente fechadas.

As mulheres estão proibidas de trabalhar.

A mulher que for culpada de adultério será apedrejada até a morte.

Ouçam.

Ouçam bem.

Obedeçam.

Allah-u-akbar.” 


* * *

As estações chegaram e se foram; em Cabul, presidentes foram empossados e assassinados; um império foi derrotado; velhas guerras terminaram e outras começaram. Mas Mariam mal se deu conta disso tudo; pouco lhe importava. Tinha passado todos aqueles anos mergulhada num cantinho da própria mente. Um local estéril e árido, para além do desejo e do sofrimento, do sonho e da desilusão. Ali, o futuro não contava. E o passado só continha uma certeza: o amor era um erro nocivo, e sua cúmplice, a esperança, uma ilusão traiçoeira. E, onde quer que brotassem essas duas flores venenosas, Mariam as arrancava. Arrancava e jogava fora, antes que criassem raízes.






Tem coisas que se podem aprender nos livros, mas tem outras que só mesmo vendo e sentindo.

* * *

Esta é a nossa linda terra,
Esta é nossa terra amada.



Alta Montanha 


Oh Alta Montanha, que quase alcanças o céu, 
Durante quanto tempo mais, 
Encontrarás satisfação no teu amor-próprio? 
Embora eu seja apenas uma frágil borboleta, 
Sou livre... 
Livre para dançar sobre as pétalas duma flor 
Enquanto tu permaneces para sempre 
Acorrentada... 


Ustad Khalilullah Khalili (poeta Dari Afeganistão)



Qays ibn al-Mulawwah was just a boy when he fell deeply in love with Layla Al-Aamiriya.  He was sure of this love on the very first day he laid his eyes upon her at maktab (traditional school).  He soon began to write beautiful love poems about Layla and he would read them out loud on street corners to anybody who would care to listen.  Such passionate displays of love and devotion caused many to refer to the boy as Majnun, meaning madman.



Enquanto subiam, ele lhes contou que Bamiyan havia sido, outrora, um reduto florescente do budismo, até cair sob o domínio islâmico no século IX. Os penhascos de rocha calcária eram a morada de monges budistas que escavavam essas cavernas para usá-las como moradia e como abrigo para os peregrinos cansados. Esses monges, acrescentou babi, pintaram lindos afrescos pelas paredes e pelos tetos das cavernas. 

Buddahs of Bamiyan

Cada floco de neve é o suspiro de uma mulher sofrida em algum canto do mundo. Todos esses suspiros sobem ao céu, formam nuvens e, então, se partem em mil pedacinhos que caem, em silêncio, sobre as pessoas aqui embaixo. 

* * *


Bendito seja Aquele em Cujas mãos está o reino e Que tem poder sobre tudo, Que criou a vida e a morte, para testar-vos e saber quem de vós age melhor.



A Allah pertencem o leste e o oeste, e para onde quer que vos volteis lá encontrareis a face de Allah. 



Tu inseres a noite no dia e inseres o dia na noite; 
extrais o vivo do morto e o morto do vivo, 
e agracias imensuravelmente a quem Te apraz. 




I.

Bebe vinho!
Só ele te dará a mocidade,
ele é a vida eterna!

Divina estação das rosas
do vinho e dos bons amigos!

Sê feliz um instante,
o instante fugidio
que é tua vida


II.

Não pedi
a vida a ninguém

Esforço-me por acolher
sem espanto e sem cólera
tudo o que a vida me oferece.

Partirei sem indagar
o motivo da minha misteriosa
estada neste mundo

(Omar Khayyam -versão em português feita por Otávio Tarquínio de Sousa)





A Thousand Splendid Suns Themes

Ties to Afghanistan
Many characters express their feeling of connection to the geographical place that is Afghanistan. Hakim quotes poetry. Fariba does not want to leave the land for which her sons have died. Despite the escalation of war in Afghanistan, many characters refuse to leave due to their connection to the physical country as their home. Other characters return to Afghanistan after the dangers of war have subsided. Laila feels an urge to return to Kabul and contribute to the restoration effort. Tariq also feels the need to return home, motivated in large part by Laila's desire. Against all logic, then, and perhaps against their own survival instincts, many of the main characters cling to or drift back home, as if their identities are inextricable from their country. Besides the fear that comes with leaving a known place, the characters also believe that the violence will subside and that hope offers a vision of a more peaceful future.

Oppression and Hope
The people in the novel often work to retain hope while dealing with the realities of political and personal oppression. At significant points throughout the novel, characters express their individual hopes. For instance, when Mariam asks Mullah Faizullah if she may attend school, her journey of hope begins. For Laila, hope lies in Tariq and an attempted escape from Rasheed. Most characters walk into such events with high levels of hope for the future, but once reality sets in, a character's hope is crushed. Not only do these waves of hope provide the reader with suspense and emotional attachment to the characters, but this cycle appears to reflect the cycles of hope and dashed dreams that Afghan women suffer, time and time again. The personal stories of hope, moreover, are mirrored in the political hope of the Afghan citizens. With every new ruler, people express their convictions that finally Afghanistan will be free. Yet, similar to the personal hope of individuals, Afghanistan’s hope often turns to despair after the realities of each new regime leave the nation unfree.

Shame
Jalil and Rasheed emphasize the importance of their reputations by doing their best to avoid any shame to their names. Jalil thus takes action by casting Nana out of his house once she becomes pregnant with his illegitimate child. Jalil also does not keep his promise to take Mariam into town with him. He also marries off Mariam to Rasheed after Nana's death. For his part, Rasheed notes that he would need to marry Laila because he could not have her living in his house without some sort of pretense—otherwise, people would gossip about him. He also spends beyond his family's budget in order to make it seem that his family has wealth. Ironically, both men behave in ways that are ethically shameful. To protect their names in order to meet their own ideas of social expectations, they neglect or even abuse their offspring and wives, sacrificing the welfare of those around them in order to save face.

Pregnancy and Children
Hosseini sets up pregnancy as a symbol of hope throughout the novel. Mariam's pregnancies each offer her an opportunity to be hopeful for the future despite her bleak living situation. Laila's pregnancy with Aziza allows her to remain positive after she learns about Tariq's death. Aziza and Zalmai thus offer light and joy to a story that is otherwise bleak and dark. Childbirth is painful, and the pain that mothers feel during the various birthing scenes reminds us of the sacrifices that parents make in order to bring new life into the world. The mother’s pain is worth the joy and attachment that she feels once the child is born.
Additionally, the contrast between fertility and infertility has a traditional meaning: a woman's value in Afghan society has often been measured by her ability to bear children, specifically boys.

Education of Women
The women in A Thousand Splendid Suns have very different educational experiences. Mariam is tutored by Mullah Faizullah in the Koran, and she learns how to read and write. Yet, when she asks her mother about going to school, Nana insists that the only lesson that Mariam needs to learn is to "endure." Laila, in contrast, has a father who emphasizes the importance of her education. Hakim diligently works with Laila on her homework and provides her with extra work in order to expand her education. He emphasizes that Laila's education is as important as that of any boy. After the streets of Kabul become too dangerous, he insists on tutoring Laila himself. He comments about the importance of women attending universities.
Aziza is educated by both Laila and Mariam, who contribute what they know in order to educate her. Mariam teaches the Koran, and Laila eventually volunteers to teach at her school. The end of the book feels hopeful in terms of the education of women in that Zalmai (a boy) and Aziza (a girl) head off to school together.

Marriage Versus True Love
A clear distinction is made throughout the book between true love and marriage. Since the marriages in the novel tend to be forced, they are not likely to be influenced by love. For Nana, the prospect of marriage was ruined by a "jinn." She remembers the lost prospect fondly. Mariam finds hope in her marriage as something that could lead to contentment and possibly to love, but the marriage actually devolves into abuse and oppression. Only Laila escapes the abusive bonds placed on her by Rasheed when she finds true love with Tariq. The contrasts between forced marriage and true love are obvious once Laila and Tariq finally are able to marry and live as a family. Daily living in a forced marriage, for Laila, involved disgust and futile hopes for a better future. With Tariq, in contrast, daily routines leave Laila content and fulfilled. Sexual relations between Laila and Rasheed were completely one-sided, with Rasheed forcing himself upon Laila. With Tariq, however, Laila finds safety in making love. Perhaps most importantly, Laila felt fearful and restrained with Rasheed, but she can be honest and brave once she finds true love with Tariq.

Female Bonds

The women forge strong bonds despite the efforts of their husbands and their government to reduce women’s power. The bonds differ in nature. For instance, GitiHasina, and Laila form a bond of girlish friendship, but Mariam and Laila form a much more powerful familial bond later in the novel. Nana finds strength from her daughter Mariam, and Mariam finds an admirer when she arrives in a Taliban-controlled prison. The novel thus suggests that women have a strong ability to find strength and support in one another. Mariam never would have gained the strength to fight Rasheed if she had not gained confidence and love from Laila.




A Thousand Splendid Suns Glossary

Ahmad Shah Massoud
A military leader who was fundamental in fighting the pro-Soviet force out of Afghanistan. Massoud became Defense Minister in 1992 and was assassinated by Al-Qaeda in 2001.

Al-Qaeda
An alliance of international Islamic terrorist organizations

Allah
the Arabic word for God, Allah is considered to be the one divinity in Islam who is omnipotent and responsible for the creation of the universe.

bath house
a public facility used for bathing to ensure cleanliness

Buddahs of Bamiyan
Two statues of Buddah carved into a mountain at a high altitude, they were destroyed by the Taliban in 2001.

burqa
A long article of clothing that covers the wearer from head to toe, with only a small translucent portion to allow the wearer to see.

Communist
one who subscribes to the beliefs of communism which emphasizes the importance of a classless society in which the citizens have common ownership over the means of production

daal
A type of food that is customary in Afghan cuisine. It is a stew made of dried beans.

Dostum
Abdul Rashid Dostum leads Afghanistan's Uzbek community and is a leader in the Afghan National Army.

Eid or Eid-ul-Fitr
The celebration that marks the end of the month of Ramadan, Eid is marked by the sighting of the new moon. Eid lasts three days and is celebrated with festivities and merriment. Special prayers and rituals are associated with the three day observance.

fast
to refrain from eating intentionally for religious reasons or as a political demonstration

hashish
a narcotic drug made of compressed cannabis

Hazaras
People who inhabit the central region of Afghanistan and speak Persian, most of which are Shia Muslims.

Hekmatyar
Gulbuddin Hekmatyar was a leader of the Mujihadeen and a warlord. He was prime minister twice during the 1990s.

infidel
One who denies specific religious beliefs

Jihad
Jihad is defined as a struggle for Allah, but it also used to refer to a holy war on an enemy of Islam.

jinn
In Arabic, jinn refers to a supernatural creature. However, in the book, the word is also used to describe a seizure or spasm of some sort.

kolba
The small shack or house in which Mariam and Nana live.

Koran or Qur'an
The Islamic holy book, the text is considered to be the revelation of Allah (God) as it was delivered to Muhammad.

land mine
An explosive device that is hidden underground and triggered by a person, vehicle, or animal, coming near to the device

militia
a citizen military force

Mohammad Najibullah
The last president of Afghanistan before the Taliban came to power.

Mujihadeen
The term used for those that fight for Islam, but most commonly refers to the group of Afghans and Pakistanis that fought against pro-Soviet rulers.

Mullah
A title given to an Islamic spiritual and ceremonial leader who has studied Islamic law and tradition.

Mullah Omar
Leader of the Taliban, Mullah Omar was a recluse who held the title "Commander of the Faithful".

Pashtuns
A group of people who span Pakistan, southern Afghanistan, and eastern Iran, Pashtuns encompass a group of tribal peoples. Pashtuns reigned as the dominant group in Afghanistan.

Ramadan
The Islamic spiritual observance that lasts one month, spanning the time when the Koran was given to Muhammad. Considered the most spiritual month of the year, fasting (between sunrise and sundown), prayer, and charity are emphasized.

republic
A state or country in which the people of that state or country have some say in the government

Socialist
One who subscribes to socialism, which is the belief that the distribution of wealth should be controlled by the citizens of a country.

Soviet
referring to the former Soviet Union or U.S.S.R, which was socialist state that encompassed Russia and nearby nations

Tajiks
A group of people that make up a minority of the Afghan population, they speak the Persian language.

Taliban

A movement headed by Sunni extremists which controlled Afghanistan from 1996-2001.




Não se podem contar as luas que brilham em seus telhados,
Nem os mil sóis esplêndidos que se escondem por trás de seus muros.
(Saib-e-Tabrizi)





Mr. War

Refugiados