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29 de dezembro de 2023

Em 2026 - A prisioneira: Proust







Leitura "teen" - As vantagens de ser invisível: Stephen Chbosky


Em cartaz no Clube de Leitura Jovem




Nem mesmo a chuva tem mãos tão pequenas: e. e. cummings

nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:

no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,

ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra

embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar

me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre

(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado, eu e

minha vida nos fecharemos belamente, de repente,

assim como o coração desta flor imagina

a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala

o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura

compele-me com a cor de seus continentes,

restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha

e abre; só uma parte de mim compreende que a

voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas

Tradução de Augusto de Campos

Girls


Então perguntei sobre Mary Elizabeth (deixando a parte sexual de fora) 
porque eu sabia que ela seria neutra a esse respeito, especialmente depois que 
ela ficou "isolada" no jantar. Minha irmã disse que Mary Elizabeth está 
sofrendo de baixa autoestima, mas eu disse que ela falou a mesma coisa sobre 
Sam em novembro passado, quando ela começou a namorar o Craig, e Sam é 
completamente diferente. Então tudo é um problema de baixa autoestima? 

Minha irmã tentou esclarecer as coisas. Disse que por me mostrar a todas 
essas coisas, Mary Elizabeth conquistava uma "posição superior" de que não 
precisaria se tivesse confiança em si mesma. Ela também disse que as pessoas 
que tentam controlar as situações todo o tempo temem que, se não o fizerem, 
nada vai funcionar da forma que querem. 




Eu me sinto infinito




― Um propósito?
― É. Sabe como é, as garotas gostam de caras que representem um desafio. Isso dá a elas um modelo que determina como devem agir. Como uma mãe. O que uma mãe faria se não pudesse obrigar você a usar fio dental e mandasse você limpar seu quarto? E o que você faria sem o fio dental e as ordens dela? Todo mundo precisa de uma mãe. E uma mãe sabe disso. E isso dá a ela um senso de propósito. Sacou?
― Saquei ― eu disse, apesar de não ter sacado nada. Mas entendi o bastante para dizer "Saquei" sem mentir.
― O caso é que algumas garotas acham que podem mudar os caras. E o engraçado é que, se elas realmente os mudassem, ficariam entediadas. Não teriam desafio nenhum. Você deve dar às garotas algum tempo para pensar em uma nova forma de fazer as coisas, é isso. Algumas resolvem isso rapidamente. Algumas mais tarde. Outras nunca. Eu não me preocuparia muito com isso.



Este livro reúne as cartas de Charlie, um adolescente de quem pouco se sabe - a não ser pelo que ele conta ao amigo nessas correspondências -, que vive entre a apatia e o entusiasmo, tateando territórios inexplorados, encurralado entre o desejo de viver a própria vida e ao mesmo tempo fugir dela. As dificuldades do ambiente escolar, as descobertas dos primeiros encontros amorosos, os dramas familiares, as festas alucinantes e a eterna vontade de se sentir 'infinito' ao lado dos amigos são temas que enchem de alegria e angústia a cabeça do protagonista em fase de amadurecimento.






22/05/2014 - 18:00H

Livraria Icaraí





Tem alguma coisa de errado comigo. E eu não sei o que é. 


Quer ler o livro? CLIc aqui.


17 de dezembro de 2023

Um rio chamado tempo, uma casa chamada Terra: Mia Couto


Que o mundo não mudaria por disparo. A mudança requeria outras pólvoras, dessas que explodem tão manso dentro de nós que se revelam apenas por um imperceptível pestanejar do pensamento.  


O homem que vive em espanto deixa portas abertas no sonho.


páginas 149 e 150.

" ....O médico escutou tudo isto, sem me interromper. *E a mim, essa escuta que ele me ofereceu quase me curou.* Então, eu disse: já estou tratado, só com o tempo que me cedeu, doutor.  É isso que, em minha vida, me tem escasseado: me oferecerem escuta, orelhas postas em minhas confissões. Veja a mulher, passa a vida falando com Deus. E eu vou ficando calado.

Mesmo nos domingos de manhã: fico calado. Assim, silencioso, vou rezando. *Que a gente reza melhor é quando nem sabemos que estamos a rezar.* O silêncio, doutor. O silêncio é a língua de Deus.

Era o silêncio que me assistia quando visitava meu primo Carlito Araldito, sapateiro de profissão. Eu permanecia sentado, contemplando seus ofícios. À saída, lhe dizia: minha vida, sabe, Araldito, minha vida é um sapato desses, usado de velho. A gente pode voltar a calçar; *o cabedal pode voltar a brilhar, mas somos nós que já não brilhamos.* Entendeu? Uma coisa assim em segunda mão. Em segundo pé, no caso. Ríamos, mas era sem vontade. Eu e Araldito. Falávamos de nós como se de amigos já falecidos. Estávamos assistindo ao nosso próprio funeral."



Meu pai não respondeu. Ele queria dizer que a independência que mais vale é aquela que está dentro de nós. O que lhe apetecia celebrar era o vivermos por nosso mando e gosto. Em vez disso, porém, meu velho apenas encolheu os ombros: - Estou feliz, sim. Muito feliz.

Despedida é coisa de mulher.

Dar notícias é coisa de homem fraco. 



Luar do chão, o lugar onde ainda vamos nascendo. 
Nossa família, o lugar onde somos eternos;

Bom mesmo é esperar sem esperança... 
o segredo é demorar o sentimento, 
cozinhá-lo em lentíssimo fogo, 
até que ele se espalhe, 
diluto, 
no infinito do tempo.

Fazer amor, sim e sempre. 
Dormir com mulher, 
isso é que nunca.
Dormir com alguém é a intimidade maior. 
não é fazer amor...
Um homem dorme nos braços de mulher
e a sua alma se transfere de vez. 
Nunca mais ele encontra suas interioridades.


Reunião online - 08/01/2023 - 17:00h - Google Meet


  • Feridas da boca se curam com a própria saliva;
  • Só sopro em vela que eu mesmo acendi;
  • Não quero espalhar poeira em chão nunca antes pisado;
  • O boi sem cauda pode passar pelo capim em chamas;
  • No charco onde a noite se espelha, o sapo acredita voar entre as estrelas.;
  • "O bom do caminho é haver volta. Para ida sem vinda basta o tempo;"
  • Um dedo só não apanha pulga;
  • O homem sábio é o que sabe que há coisas que nunca vai saber. 

No caminho de Swann: Proust

"(...)um homem que lhe confessara, no jantar, que gostava de andar à toa, de sujar os dedos nas
velhas lojas, que nunca seria apreciado por este século mercantil, pois não se preocupava com os
interesses desta época e portanto, pertencia a outro tempo,(..)" pag.241


"(...)Mas também nada se assemelhava menos ao Balbec real do que aquele com que eu
tantas vezes *sonhara* , nos dias de *tempestade* , quando o vento era tão forte que
Françoise, levando-me aos Campos Elísios, me recomendava não andasse muito perto
das paredes para que não me caísse uma telha na cabeça e falava lamuriosamente dos
grandes sinistros e naufrágios que vinham nos jornais. O meu maior desejo era ver uma
 *tempestade* no mar, não tanto como um belo espetáculo, mas como a revelação de um
instante da verdadeira vida da natureza; ou antes, para mim só eram belos os espetáculos
que eu sabia não terem sido artificialmente arranjados para me agradar, mas que eram
necessários e imutáveis — a beleza das paisagens ou das grandes obras de arte. (...)"
NO caminho de Swann pag.373


"(...)"Enfim, respira-se!", dizia ela, e
percorria os caminhos encharcados do jardim — alinhados muito simetricamente para
seu gosto pelo novo jardineiro desprovido de sentimento da natureza e a quem meu pai
perguntara desde manhã cedo se o tempo se comporia —, com aquele seu passo
entusiástico e brusco, regulado pelos diversos impulsos que lhe suscitavam na alma a
embriaguez da *tempestade* , o poder da higiene, a estupidez de minha educação e a
simetria dos jardins, antes que pelo desejo, que lhe era desconhecido (...)
No caminho de Swann pag. 17


https://youtu.be/AQbwlhXwDa0


Sobre o livro 1. Vocês sentiram o que essa moça sentiu? Achei lindo esse livro. E ele coloca a gente mesmo para pensar sobre as nossas lembranças.  Agora estou adiando o término do livro 2.  De quem menos gostei até agora no livro 2: Charlus. Mas ele deve lá ter suas razões... A cabeça do Marcel ,  adolescente é bem complicada! Mas tive de rir d sua falta de iniciativa.  Ficou à esoera de que o pintor o chamasse a falar com a moça da praia.  Se fez de tonto, ou realmente ficou  rsrs Já passei por isso . Vc quer muito falar com a pessoa e na hora H, perde a chance, se faz de distraído (a). Kkk Indecisões adolescentes. 😂 

Mas repito como a moça  vídeo ...Em Proust, há muita beleza, muita poesia.  A mistura dos planos de mar e terra...sensacionais! Nem tudo é exatamente delimitado na pintura de Elstir!  (Elô)



Serotonina: Michel Houellebecq

Compartilho um poema que fiz na época da leitura do livro (Rita Magnago)


A opção, a solidão, o bem consigo, ou não

A opção, a companhia, o bem com o outro, ou não

A decisão, o acerto ou erro

Só experimentando

Não há como evitar o sofrimento de não saber antes

Ou, mesmo se sabido fosse, de acreditar que podia ser diferente

O homem é pulsão, é razão

Mas fica mais feliz quando deixa falar o coração


* * * 





Quando nosso coração já fez um dia sua colheita, viver é um mal. (Baudelaire)



"Marcel Proust, no final de O tempo recuperado, concluía com notável franqueza que não só as relações mundanas, mas também as de amizade, não tinham nada de substancial a oferecer, eram pura e simples perda de tempo, e que o escritor, ao contrário do que todos acham, não precisava em absoluto de conversas intelectuais, mas de amores ligeiros com moças em flor"




"O amor para a mulher é uma potência, uma potência geradora, tectônica, quando se manifesta na mulher o amor é um dos fenômenos naturais mais imponentes que a natureza pode nos oferecer, e tem que ser visto com receio, é uma potência criativa do mesmo tipo que um terremoto ou um desastre climático, a origem de outro ecossistema, outro entorno, outro universo, a mulher com seu amor cria um mundo novo, dois pequenos seres isolados estão chapinhando numa existência incerta e de repente a mulher cria as condições de existência de um casal, uma entidade social, sentimental e genética nova cuja vocação é efetivamente eliminar qualquer traço dos dois indivíduos preexistentes, essa nova entidade é perfeita em sua essência como já apontou Platão, e às vezes pode adquirir a complexidade de uma família, mas é quase um detalhe, ao contrário do que pensava Schopenhauer, a mulher sempre se entrega por completo a essa missão, mergulha nela, se dedica de corpo e alma, como se diz, e aliás não estabelece." (Serotonina: Michel Houellebecq)



16 de dezembro de 2023

Questionário de Proust

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Questionário de Proust
Cadernos com questionários de personalidade eram um passatempo comum na época da adolescência do escritor francês Marcel Proust(1871-1922). O questionário a seguir reproduz parcialmente as perguntas que o escritor respondeu para sua amiga Antoinette quando tinha 18 anos. O manuscrito original foi encontrado em 1924 e, desde então, popularizou-se como uma forma de entrevista-padrão.  Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/cultura/o-que-e-o-questionario-proust/
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6 de dezembro de 2023

Tocaia grande, a face obscura: Jorge Amado




Hoje tem Clube de Leitura na Livraria Icaraí!

Daqui a pouco, às 16h, acontece mais uma edição do Clube de Leitura Icaraí. E o livro escolhido para o debate de hoje é um clássico da literatura nacional: ''Tocaia Grande: a face obscura'', de Jorge Amado, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos.

A ideia do livro surgiu de um texto que o próprio Jorge Amado havia escrito, no qual contava lembranças de sua infância na Bahia. A trama descreve o processo de fundação de uma cidade nordestina em meio a uma disputa por terras que resultou em um massacre. O romance aborda diversos temas próximos da realidade do Nordeste brasileiro, entre eles o coronelismo e os conflitos territoriais, questões que ainda hoje perduram na região. Gostou dessa sinopse? Então venha para o Clube de Leitura!

A Livraria Icaraí fica na Rua Miguel de Frias, nº 9, em anexo à reitoria da UFF, em Niterói.




Caros colegas,

espero que esteja tudo bem com todos vocês.

Qual o dia, horário e local de nosso próximo encontro? Na Livraria da EdUFF mesmo? 

Estou terminando de ler TOCAIA GRANDE, mas tendo alguma dificuldade. São 472 páginas, a trama não se desenvolve. Tenho a obra completa de JORGE AMADO, sou admiradora inconteste do escritor, do cidadão, premiado no Brasil e no exterior. 

Leio e releio MAR MORTO, CAPITÃES DA AREIA, A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO D'ÁGUA,  TENDA DOS MILAGRES, DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS, TIETA DO AGRESTE, com imenso prazer e orgulho: é a verdadeira literatura brasileira! 

Em TOCAIA GRANDE, 
Elói Coutinho, Natário, Venturinha, Hermenegildo Cabuçu, Zezinha do Butiá, Boaventura Andrade Junior, Fadul Abdala, Capitão Natário da Fonseca, Coronel Robustiano de Araújo, Jacinta Coroca, Manuel Bernardes, Valério Cachorrão, Pergentino, Jussara Ramos Rabat, o negro Castor Abduim, Bernarda, o velho Ambrósio, a velha Angelina (Vanjé), Prudêncio de Aguiar, Emílio Medauar, a médium Zorávia, Dona Ernestina, Fuad Karam, Pedro Cigano, Nora Pão-de- ló, Durvalino, Zé Luiz, Carlinhos Silva, Frei Theun, Frei Zygmunt Martelo de Deus, Carlinhos Silva (fluente em alemão!!!), Benaia Cova Rasa, Coronel Agostinho, Fuad Karan, Ludmila Gregorióvna Cytkynbaum, Dudu Matias, Senhorita Dona Deuza...  
discutem, matam, morrem, não são felizes, não conseguem alcançar seus objetivos na vida. 

'E AQUI SE INTERROMPE EM SEUS COMEÇOS A HISTÓRIA DA CIDADE DE IRISÓPOLIS, quando ainda era Tocaia Grande, a face obscura. aqui se interrompe em seus começos'. são as palavras com que Jorge AMADO encerra o livro. 

O posfácio de MIA COUTO garante que é imperdível. 

O que vocês acharam? Estou sendo muito exigente? (rs)

Abraço carinhoso,

Cyana Leahy
Professora (UFF), escritora, tradutora
PhD em Educação Literária (London University)
Coordena a CL Edições



E não é que nesse livro de Jorge Amado
logo no livro de um baiano
tem um personagem anti-oblomoviano:
Tição, Castor abduim, encarnação de Oxaguiã

Tocaia grande - A face obscura(1984)


As comemorações dos setenta anos da fundação de Irisópolis e dos cinqüenta de sua elevação a cidade, cabeça de comarca e sede de município, alcançaram certa repercussão na imprensa do sul do país. Se para tanto o dinâmico prefeito despendeu verba elevada, não incorre em crítica: tudo quanto se faça para divulgar as excelências de Irisópolis, o passado de epopéia, o presente de esplendor, merece aplauso e elogio. Além das matérias pagas os jornais do Rio e de São Paulo divulgaram algum noticiário sobre os eventos principais que abrilhantaram os festejos, com destaque para as cerimônias, ambas solenes, da inauguração dos bustos do coronel Prudêncio de Aguiar e do doutor Inácio Pereira, erguidos um em casa praça, a da Prefeitura e a
da Matriz.

A partir do revertério da situação política, com o fim do domínio da laia que assumira o mando após a morte dos Andrade, o pai e o filho, o fazendeiro mandou e desmandou na Intendência durante lustros, intendente ele próprio ou preposto de sua escolha, parente ou
compadre. Provas da capacidade administrativa do Coronel e de sua dedicação no exercício do poder ainda hoje são vistas e admiradas no perímetro urbano, inclusive a rua calçada com paralelepípedos ingleses
- importados da Inglaterra, sim senhores! -, orgulho da população irisopolense, enquanto as acusações de desvio dos dinheiros públicos desvaneceram-se no passar do tempo. Quanto ao escapulário, na qualidade de cunhado e conselheiro, de cidadão de aptidões singulares, exerceu os cargos mais elevados, assumiu as incumbências mais responsáveis, tendo presidido a comissão formada com o meritório objetivo de angariar fundos destinados à construção da Matriz, magnífico templo católico, outro orgulho da coletividade: símbolo da fé e do idealismo daqueles valentes que, empolgados com o denodo dos dois beneméritos pioneiros, colaboram na colocação da primeira pedra da localidade.






De tanto ouvir a mãe contar, a cena se tornou real na lembrança do menino: a égua tombada morta, e o pai, ensanguentado, erguendo o bebê do chão e o levando para casa no colo. O ano era 1913, e Jorge Amado tinha então dez meses. A imagem evoca a tocaia de que o pai do escritor foi vítima na época das lutas travadas pela posse de terras no sul da Bahia, durante o ciclo do cacau. 




"O Homem que outrora fui…" (Pushkin)
                             Tel j'étais autrefois et tel je suis encor 

                                                                 André Chenier
O homem que outrora fui, o mesmo ainda serei:
leviano, ardente. Em vão, amigos meus, eu sei,
de mim se espere que eu possa contemplar o belo
sem um tremor secreto, um ansioso anelo.
O amor não me traiu ou torturou bastante?
Nas citereias redes qual falcão aflante
não me debati já, tantas vezes cativo?
Relapso, porém, a tudo eu sobrevivo,
e à nova estátua trago a mesma antiga of'renda…



Trouxe uma apresentação pro Coronel e ele me acolheu.

A égua Imperatriz do coronel Robustiano e a mula preta do capitão Natário iam parelhas em passo lento e cuidadoso na vereda entre os cacaueiros.

O Coronel não comentou, o Capitão prosseguiu a narrativa:

- Coronel Boaventura já tava metido nos barulhos, como vosmicê sabe pois andaram juntos. Fez confiança em mim, me entregou uma repetição e me levou com ele.

Posso dizer que ele me criou, sempre me tratou como se deve tratar um homem, devo a ele o que sou e o que tenho. Não me lembro de meu pai: comeu os tampos de minha mãe, capou o gato. O pai que conheci foi o coronel Boaventura.

- Mas ouvi ele mesmo dizer que você salvou a vida dele mais de uma vez. Boaventura não lhe fez favor quando mandou botar em seu nome o chão que nós tamos pisando.

- O Coronel me acoitou e me pagava o soldo de jagunço pra velar por ele. Sou ligeiro no gatilho e no pensamento. Só fiz a minha obrigação. Se ele quisesse, podia não ter me dado nem terra nem patente.

Não vou dizer a vosmicê que não mereci, mereci bem merecido, só que ele não tava obrigado a reconhecer pois havia o couto e a paga.

O Capitão soltara a rédea sobre o cabeçote da sela, deixava a mula ir a locé pela trilha conhecida, ele percorria outros caminhos, os do passado, onde, às vezes, nem trilha havia:

- O coronel Boaventura foi o homem mais valente e o mais direito que conheci e eu não me importava se tivesse de morrer por ele. Foi por isso que mesmo depois de ser possuidor de terra e de ter plantado cacau, não larguei do serviço dele, continuei cuidando da Atalaia.

Disse a ele em mais de uma feita: enquanto vosmicê for vivo e me quiser, sou um cabra a seu serviço.

Pra depois da morte dele só prometi uma coisa e essa tou cumprindo. Mas nada tem que ver com roça de cacau e com posto de administrador.

- Me disseram que Venturinha ofereceu lhe pagar o que você pedisse.

- Coronel, eu penso que todo homem tem vontade de ser dono de sua sina. Quando eu comecei a ganhar a vida, acompanhando romeiro lá no São Francisco, ouvi o povo dizer que a sina da gente tá escrita no céu e ninguém pode mudar, mas meu pensar é diferente.

Acho que cada criatura tem de cuidar de si e sempre tive vontade de ser dono de mim mesmo. Servi o Coronel por mais de vinte anos: tinha dezessete quando arribei por aqui, já festejei quarenta e dois.

Nunca prometi servir à viúva ou ao filho. Nem nunca ele me pediu.





"Iá-rára-dináh! Rára! Rára!

Deus da ruindade e da desolação, impiedoso, atrabiliário, carrasco!"





O marido deu um passo à frente, colocou-se entre a mãe e a mulher; respondeu ao sorriso aflorando com os dedos o rosto lasso da companheira. Ele, João José, desaprendera de sorrir.

Antes dos acontecidos de Maroim - fora ontem ou decorrera muitos anos? - Dinorá povoava a casa de cantigas, face louçã, olhos vivos, garrida, alvoroçada. À noite, ele a tomava nos braços, riam e suspiravam juntos.

Dedos toscos, mão calosa e suja: o carinho inatendido não tocou apenas a face de Dinorá ampliando o sorriso tímido nos lábios ressequidos. Ungüento milagroso, derramou-se sobre as chagas, por fora e por dentro, no exposto e no recôndito.

As pontas dos dedos tocaram cada fibra de seu ser: bálsamo suave, chama voraz. Dinorá sentiu-se renascer, outra vez mulher para a labuta e a cama.



Pássaro sofrê



Dona Ernestina, entregue por completo à religião e à indolência - para matar a saudade do doidivanas empanturrava se de doces e chocolates - envelhecia obesa e pudibunda.

 Dos deboches de cama a que se entregara outrora com o marido nem queria se lembrar - deboches em sua opinião,pois jamais os cônjuges foram além de modesto papai-mamãe procriador.

Cumprira o dever de esposa, concebera e dera à luz um filho. Na esperança de ter uma menina e assim completar o casal, ainda aceitara durante alguns pares de anos a frequentação do Coronel, aliás a cada dia mais vasqueira.

Ela o fez pela menina que não veio, por nenhum outro motivo: como a grande maioria das senhoras casadas, suas conhecidas e amigas, nunca soubera, nem por ouvir dizer, o significado da palavra orgasmo e o que fosse gemer de gozo nos braços do parceiro.

Umas poucas descaradas, bem certo, se comportavam no leito conjugal como putas em cama de bordel, não se davam ao respeito, maculavam a nobreza do matrimônio e a sublime condição de mãe de família. Pouquíssimas e indignas.

Para as baixas necessidades dos homens sobravam as mulheres damas, as públicas e as exclusivas. Dona Ernestina tinha conhecimento da existência de Adriana, amásia do Coronel havia mais de dez anos: não lhe causava mossa.

Tampouco a ofendia o desinteresse do marido: fazia um século que não se punha nela, que a deixara em paz. Graças a Deus.



"Sou da cor do cacau seco

sou o mel do cacau mole"



Depois, no cabaré, Fuad Karan acrescentara novos dados, referira circunstâncias curiosas, ampliara a lista dos galãs. Cidadãos os mais diversos se atropelavam na caudalosa crônica da cabocla. Ninguém poderia acusar Jussara de preconceituosa em matéria de homem: desde que vestisse calça e levantasse o pau merecia-lhe atenção e, ocorrendo circunstância propícia, levava-o para a cama. Fuad Karan, erudito, resumira: Jussara sofre de furor uterino, meu Fadul, não há jeito a dar. Fogo no rabo, confirmava Zezinha, não há macho que apague



Não parou de incriminar-se enquanto o homenzarrão levantava-se da cama, fechava a porta e se despia: nu, crescia de tamanho, tornava-se ainda maior. Da cama, estirada, olhava-o de soslaio, um marido e tanto! Trabalhador e cobiçoso, presumido e tolo, igual a Kalil Rabat, bobo alegre nascido para cabresto e chifre. Com a vantagem de ser grandão, bem-parecido e possuir aquele pé-de-mesa. Jussara chegava com as mãos cheias: o resplendor do rosto, a tentação do corpo, dinheiro a rodo, a mais sortida loja de tecidos de Itabuna, a insolência e o dengue, o fogaréu. Que mais podia desejar um tabacudo bodegueiro confinado em remota caixa-pregos?


No dia magno da formatura, pela manhã, o arcebispo da Bahia, primaz do Brasil, celebrara missa cantada na Catedral Basílica e no verboso sermão conclamou os formandos “à defesa intransigente do direito e da justiça, missão sagrada daqueles que adotavam a meritória carreira da advocacia”. No silêncio da catedral, o coronel resmungara ao escutar as palavras de sua reverendíssima: bonitas porém falsas, sem sentido. Os bacharéis não passavam de uns trapalhões, metidos a sebo, úteis sem dúvida, indispensáveis exatamente para coonestar as violações do direito e da justiça. Caríssimos, ademais. Agora o coronel tinha um em casa, ao seu dispor.


Ainda assim pagava a pena: o título de doutor valia tanto quanto uma boa fazenda, chave para abrir as portas da política e proporcionar um casamento afortunado. Com o filho doutor ali à mão, o coronel não mais precisaria utilizar os serviços de outros bacharéis para cuidar-lhe os interesses nos fóruns e cartórios, tampouco depender de terceiros a quem eleger para cargos de confiança, a quem delegar comandos. Ficava a salvo de aleives e falsidades, de surpresas: assunto mais traiçoeiro do que a política só mesmo a justiça. Por isso andam sempre juntas, de mãos dadas.




É público e notório que a delicada flor do bem-querer não desabrocha nem resplandece se não houver interesse e concordância de ambas as partes, do homem e da mulher. Não adianta um dos dois se enrabichar sozinho: se não for correspondido, fica no alvéu, roendo beira de sino, situação penosa e deprimente, bastante triste.




Por vos me rompo toda!




Levava na bagagem vestidos chiques, uma batelada de remédios, aflitas recomendações maternas e a excitante informação de Madeleine.

A princípio tudo foi novidade e animação, motivo de festa e de riso, mas a monotonia não tardou a prevalecer.

Cansada dos bailes provincianos nos quais, por causa da elegância e dos costumes europeus, provocava inveja e conquistava aversões entre o mulherio atrasado e maledicente, cansada sobretudo da presunção e da tolice do Senhor de Itauaçu, tão cheio de si quanto vazio de interesse, para conter os bocejos e suportar o desterro, Marie-Claude dedicou-se à equitação e à fodilhança.

Ginete petulante, sozinha ou acompanhada pelo Barão, cruzava os campos nos cavalos de raça, os mais árdegos do Recôncavo.

Consorte atenta, comprovou na prática que, iguais aos tenentes-coronéis, todos os barões nascem com irremissível vocação para corno manso: impossível impedir que a realizem.

Em sendo assim, uma esposa devotada deve estar apta a cumprir o seu dever, solidária com o destino do marido. Um dia, quando dissertavam, sobre a pureza e a beleza das raças equinas e similares, andando pelos arredores do banguê, o Barão Adroaldo apontara um negro adolescente, envolto em fagulhas, na oficina do ferreiro, chamando a atenção de Madame la Baronne para aquele magnífico espécime de animal de raça:

— Repare no torso, nas pernas, nos bíceps, na cabeça, ma chère: um belo animal. Exemplar perfeito. Observe os dentes.

Reparou, obediente e interessada. Demorou os olhos molhados no exemplar perfeito, no belo animal. Observou os dentes brancos, o sorriso vadio. Malheur! Uma faixa de pano escondia lhe a primazia.

O Barão era deveras autoridade em raças, herdara a competência do pai, perito na escolha e compra de cavalos e escravos.

Mas Marie-Claude aprendera com as freiras do Sacré Coeur que os negros também têm alma, adquirem-na com o batismo.

Alma colonial, de segunda classe, mas suficiente para distingui-los dos animais: a bondade de Deus é infinita, explicava Sóror Dominique dissertando sobre o heroísmo dos missionários no coração da África selvagem.

 - Mais, pas du tout, mon ami, ce n’est pas un animal. C’est un homme, il possêde un’âme immortelle que te missionaire tal a donné avec le baptême.

Un homme? O Barão desatou a rir.

Quando o Senhor de Itauaçu ria em francês, posando de aristocrata culto e irônico a se divertir com a tolice humana, tornava-se intolerável por afetado e arrogante.

 Um seu xará, Adroaldo Ribeiro da Costa, bacharel e literato de Santo Amaro, ao ouvi-lo rinchavelhar massacrando sem piedade a língua de Baudelaire, mestre bem-amado, passara a designá-lo por Monsieur le Franciú para gáudio dos ouvintes e pelas costas do Barão: o poeta.



Consorte atenta, comprovou na prática que, iguais aos tenentes-coronéis, todos os barões nascem com irremissível vocação para corno manso: impossível impedir que a realizem.



Ao regressar de Guadalupe onde o marido, tenente-coronel de artilharia, comandara a guarnição, Madeleine fizera duas declarações peremptórias: a) todos os tenentes-coronéis nascem com irrevogável vocação para corno-manso, nem a mais pateta da esposas pode impedir que cumpram seu destino; b)os negros, em matéria de cama, são absolutamente insuperáveis. Não havia melhor prova da primeira afirmativa do que o próprio esposo de Madeleine: fora ele que trouxera para casa, na qualidade de ordenança, o negro Dodum, exatamente a melhor prova, a mais esplêndida da segunda revelação. 



"Depois de liderar uma tocaia sangrenta contra um inimigo de seu patrão, o jagunço Natário da Fonseca recebe alguns alqueires próximos ao palco da matança. Ali, passa a cultivar cacau. Agora proprietário de terras, Natário encomenda no Rio de Janeiro, então capital do país, patente de capitão. Assim, nos moldes de um coronel nordestino, começa a ampliar seus domínios e a impor sua autoridade.


O Lugar da Tocaia Grande cresce e de local de pernoite passa a lugarejo, depois a arraial. Recebe prostitutas, tropeiros, jagunços, ciganos e trabalhadores que perderam emprego nos latifúndios. Vários personagens compõem a história do povoado: Bernarda, afilhada e amante de Natário; Venturinha, filho do coronel Boaventura e bacharel em direito; a cafetina Jacinta Coroca; a feiticeira Epifânia; o negro Castor Abduim, conhecido como Tição, e o comerciante libanês Fadul Abdala. Aos poucos, de terra sem lei o povoado amplia-se até alcançar estatuto de cidade e receber o nome de Irisópolis.


Em Tocaia Grande, Jorge Amado descreve o processo de formação de uma cidade nordestina nascida sob o signo da violência e da disputa de terras. Romance caudaloso e panorâmico, revela a “face obscura” de um lugar em que a lei não vigora nem há presença formal do governo.



Na região cacaueira, a pequena cidade de Irisópolis é o microcosmo de uma sociedade de funcionamento tradicional e arcaico, que recebe os ventos da modernização sem perder a herança perversa. Apesar do progresso, da emancipação e dos elementos civilizatórios, o lugar vai conservar seus traços originais: o sangue derramado, a marca do pecado e a memória da morte."


Publicado em 1984, Tocaia Grande descreve o processo de formação de uma cidade nordestina, nascida sob o signo da violência e da disputa de terras, em inícios do século XX.Depois de liderar uma tocaia contra o oponente de seu patrão, o jagunço Natário da Fonseca recebe alguns alqueires próximos ao palco da matança, onde passa a cultivar cacau. A chegada de comerciantes, prostitutas, tropeiros e ex-escravos ao local dá vida e contornos ao arraial.Personagens fortes, independentes e solitários - como a cafetina Jacinta Coroca; o negro Castor Abduim, conhecido como Tição Aceso, e o comerciante libanês Fadul Abdala -, encontram em Tocaia Grande um refúgio e o conforto da amizade.Com a prosa leve e bem-humorada de sempre, Jorge Amado relata a união profunda e os laços de afeto que se desenvolvem entre os habitantes de Tocaia Grande, e que serão responsáveis pelo crescimento do povoado e por sua resistência à pressão da Igreja e do poder político-econômico para se enquadrar no sistema coronelista.Este e-book não contém as imagens presentes na edição impressa.



Bang bang dos bons em Tocaia Grande

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