As muitas formas de ler
Quando comecei minha paixão pela leitura, lá na época do
Ensino Fundamental II (falar ginásio agora é dar bandeira), fui muitas vezes
ler as últimas páginas dos livros. Alguém aí notou que eu era ansiosa? Pois é,
mas isso não me tirava o encanto da obra não. Depois tive minha fase Agatha
Christie e aí, como eu tentava inutilmente adivinhar quem era o assassino,
parei de ler os finais.
Fiquei sócia do falecido “Clube do Livro” e lia os livros
direitinho, digo, comportada, como manda o figurino, boa menina. Não marcava
nada nem escrevia nas páginas. Preservava a boa aparência das edições. Às vezes
nem lia, como aconteceu com Lolita,
de Nabokov, que eu li apenas no ano passado.
Depois que entrei para o CLIc, a coisa mudou radicalmente.
Era a primeira vez que discutia uma obra lida, então passei a sublinhar
trechos, fazer chaves, duas retas, uma reta, estrela, algum tipo de marcação.
Fica mais fácil pra mim na hora de comentar o que mais me chamou a atenção e
também para fazer o meu resuminho e dar minha nota ao dito cujo, coisa que
passei a curtir – mais tarde, quando eu quiser reler, vou começar pelos nota
dez.
Na sequência, passei ainda a desenhar carinhas e até a
escrever coisas tipo Absurdo! Não concordo. Esse cara é louco! Genial! E fiquei
também necessitada de trocar impressões com outros leitores. Isso me enriquece
muito. Quando li A elegância do ouriço,
de Muriel Barbery, o grupo já tinha lido, então contei com a boa vontade de
alguns amigos para discutir uns trechos e me sentir contemplada.
Pode parecer besteira, mas eu entendo isso tudo como uma
liberdade e uma permissividade maior que conquistei a partir das leituras e nem
um traço de obrigatoriedade passa por aí. Tanto que acontece às vezes. Se eu
ler um livro do Mia Couto, por exemplo, acho que será impossível não marcar mil
coisas, porque esse autor fala direto com meu coração, então minhas anotações
são o carinho de quem soube receber o afeto que perpassa palavras gravadas
sobre papel.
Mas isso não acontece sempre. Recentemente li o adorável A ilha sob o mar, de Isabel Allende, e
meu exemplar está lá, limpinho da silva. Adorei, mas não senti necessidade de
anotações. A mesma coisa aconteceu com Infâmia,
de Ana Maria Machado, não marquei neca de pitibiriba, apesar de haver muitas
questões dignas de longas dissertações.
São tantas as formas de ler. Quando terminei
As brasas, de Sandor Marai, eu não
soltava o livro, comecei a folhear, procurar o que eu tinha marcado, reler.
Ficava segurando como quem diz: Acabou? Não, não, por favor, não!
Já a leitura de A
máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe, eu fiz economizando, queria que rendesse muito. Demorei o máximo
que pude. Saboreei e salguei meu livro (sim, as lágrimas corriam em muitos
capítulos).
Olhando para trás,
da Gracinda Rosa, eu li em um dia e meio, acho. Fiquei curiosa, a leitura fluiu
tão bem, gostosa, li muito rápido.
Ulisses, de Joyce,
eu comecei, relutei, suspirei e tentei pular uma parte, pra ver se a coisa
pegava, pulei outra e mais outra e nada, então entreguei os pontos. Não estou
pronta para ele, ainda.
Outros livros, como Flor
da neve e o leque secreto, da Lisa See, eu leio revoltada. Quase tenho
vontade de agredir as páginas, balanço a cabeça, fecho o livro, falo com meus
botões, mas prossigo porque de toda forma é instigante e acredito que tem que
haver um pouco de dignidade no final (ah, tolinha).
Crime e Castigo,
do Dostoievsky, eu li emprestado, então não me sentia no direito de marcar o
livro, mas queria. Aí li com uma folha A4 do lado e saía anotando o que eu
queria. Deu bem mais trabalho, mas foi uma experiência interessante.
Alguns livros eu paro de ler de repente, para escrever um
texto ou um poema, alguma coisa que a leitura me inspirou. Foi assim, por
exemplo, com Vermelho Amargo, do Bartolomeu
Campos de Queirós. Outros, eu só escrevo quando termino e outros não vêm nada
na cabeça que valha à pena, como Os
enamoramentos, de Javier Marías. Ô livrinho chato.
As mulheres do meu pai,
do Agualusa, terminei e precisei reler várias partes, fiz cronograma, dados
dos personagens, tracei mapa e o diabo para melhor entender. Parecia que eu
estava brincando de quebra-cabeça, muito legal.
Desde agosto de 2012 eu leio O Caminho de Swan, de Marcel Proust, e não posso dizer quando
terminarei. Estou na página quatrocentos e varada, relativamente falta pouco,
menos de 100 páginas, mas não consigo ler mais de 2, 3 páginas por vez. Me
arrasto, o livro me cansa, apesar de ser bom.
Vejo no grupo do CLIc pessoas que colam aparas coloridas nas
páginas ou compram na papelaria uns marcadores transparentes bacanas, fica show
de bola.
Para mim, cada livro pede a sua própria leitura. Antes eu
achava que isso era característica do leitor, hoje penso que levamos nossa
marca, mas nos marcamos muito mais pelo livro em si. Estou toda tatuada. Adoro.
Viciei. Quero sempre uma marca nova.
By Rita Magnago
P.S: As opiniões emitidas são pessoais e não refletem a opinião do clube de leitura.