Caros leitores,
Nossa brincadeira de março, baseada na sugestão da Cristiana Seixas, é propor um outro final para o texto abaixo, de Affonso Romano de Sant'Anna (o final original foi inclusive removido para não influenciar os participantes). O texto foi uma contribuição mais do que oportuna trazida por Joana Lapa, sendo este o mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.
Damas e cavalheiros, apresentem suas versões de possíveis finais no campo COMENTÁRIOS, s´il vous plaît.
A Mulher Madura, de Affonso
Romano de Sant'Anna, COM DIFERENTES FINAIS PROPOSTOS PELO CLIc
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Anouke Aimé |
O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.
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Melina Mercouri |
De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio,
aguardando sua vez no
balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os
camelôs. Vezes outras a
entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com
seu rosto denso
esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de
Melina Mercouri ou
de Anouke Aimé.
Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da
adolescência,
quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A
adolescente não
sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo
estabanada. É como um
nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água
para os lados. Enfim,
desborda.
A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um
peixe. O silêncio
em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o
lago. Seu olhar
sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus
olhos não violam as
coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre
seu corpo e o
mundo.
A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota
exclusiva de um
tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens
tagarelando nas manhãs.
A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa
irradiação que vem dos
dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um
som de adágio
em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de
um violoncelo e a
sutileza de um oboé sobre a campina do leito.
A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela
chorou na madrugada
e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela
mesma saiu sozinha
para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por
isto as suas mãos são
líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da
macia paina de
setembro e abril.
O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história.
Inscrições se fizeram
em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura
e agreste
possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas
mensagens, decodifica
as ameaças numa intimidade respeitosa.
Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa
classe social, e os
mais politizados têm que ter condescendência e me entender.
A maturidade
também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o
verde se perverte
e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom
tristeza.
Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim
inteira ante seu olho
interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho
exterior, que a maturidade
é também algo que o outro nos confere, complementarmente.
Maturidade é essa
coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.
Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como
um
relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre
as praias do
tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um
descubra o fulgor do
próprio corpo.
A mulher madura está pronta para algo definitivo.
Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à
tarde acompanhando
com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a
brincar. A mulher
madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à
Grécia. Descolou-se da
superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto,
pode-se dizer que a mulher
madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco,
incorporaram-se
naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.
A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro
horas da tarde,
quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas
com seus filhos
pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido
que está nos
escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos
gestos. Ele não sabe,
mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand
e Paul Newman,
quando nos seus filmes.
(15.9.85)
O texto acima foi extraído do livro "A Mulher
Madura", Editora Rocco - Rio de
Janeiro, 1986, pág. 09.