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31 de maio de 2018

Quarto de despejo: Carolina Maria de Jesus


Audálio Dantas: 9/7/1929 - 30/5/2018











Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta.

Nelson Mandela "Long Walk to Freedom", Nelson Mandela, (1995).





"Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.” (Simone de Beauvoir) 


Morro da favela









O povo brasileiro só é feliz quando está dormindo





Muito bem, Carolina!




Eu ouvi dizer que o General Teixeira Lot não vai enviar tropas para o Oriente Medio. Se for assim creio que devemos considerar e venerar nosso general que já demonstrou seu desvelo pelo povo e o paíz.

Amarelo é a cor da fome

a voz dos que não têm a palavra


Carolina Maria de Jesus - foto: Arquivo Audálio Dantas

A Bíblia não manda ninguém casar.

Manda crescer e multiplicar.






23 de maio de 2018

Homem Comum: Philip Roth (2/2)


Bryan Zanisnik,
“Philip Roth Presidential Library” (2016)
(detail)

Comentários dos Leitores do Clube pós Encontro #114

Gente, que noite maravilhosa a de ontem, hein? Começando pelo debate sobre o Homem Comum, excelente, e, após, a reunião de dezoito na Tratoria. Foi demais! Reacendeu  a alma meio apagada dessa quase octogenária.
Evandro, Rita, Newton e Elô, agradeço, de verdade, os comentários elogiosos e incentivadores ao meu texto no blog.

Bom fim de semana para todos. Beijos.
Elenir

* * *
 
Eis o poema de Ferreira Gullar declamado de memória (que memória!) pelo Antonio na Reunião:

Homem Comum

Sou um homem comum
     de carne e de memória
     de osso e esquecimento.
e a vida sopra dentro de mim
     pânica
     feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
     cessar.

Sou como você
     feito de coisas lembradas
     e esquecidas
     rostos e
     mãos, o quarda-sol vermelho ao meio-dia
     em Pastos-Bons
     defuntas alegrias flores passarinhos
     facho de tarde luminosa
     nomes que já nem sei 

bocas bafos bacias 
     bandejas bandeiras bananeiras
             tudo
     misturado
        essa lenha perfumada
     que se acende
     e me faz caminhar
Sou um homem comum
     brasileiro, maior, casado, reservista,
     e não vejo na vida, amigo,
     nenhum sentido, senão
     lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
     Quero, por isso, falar com você,
     de homem para homem,
     apoiar-me em você
     oferecer-lhe o meu braço
        que o tempo é pouco
        e o latifúndio está aí, matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
     Homem comum, igual
     a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
     A sombra do latifúndio
     mancha a paisagem
     turva as águas do mar
     e a infância nos volta
     à boca, amarga,
     suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens
     comuns
     e podemos formar uma muralha
     com nossos corpos de sonho e margaridas.

                    (Brasília, 1963)


De Ferreira Gullar para todos os seus leitores:  "Pretendo que a poesia tenha a virtude de, em meio ao sofrimento e o desamparo, acender uma luz qualquer, uma luz que não nos  é dada, que não desce dos céus, mas que nasce das mãos e do espírito dos homens".

 * * *


Últimos Comentários dos Leitores do Clube antes do Encontro #114

* * *

Querida Joana:

Algumas pessoas têm certa capacidade de revirar a vida e não se culpar tanto, ou sentirem que estão quites com a vida e se perdoam de tudo!

No entanto, outras, deixam a vida levar e serem como podem. 

Ambas as maneiras, são formas de nos adaptarmos ao INEXORÁVEL. 

Veja, ele deixou de ser um pintor, e mesmo assim era bem visto nas exposições, para fazer publicidade! Não é uma crítica a ele, pelo contrário, ele  deixou de olhar para si e formar uma família, que aliás o detestava. OS HOMENS, JOANA, SOFREM MUITO COM A QUESTÃO DE SE SENTIREM OS PROVEDORES, DE TER QUE CUMPRIR O PAPEL.

Não estou defendendo, são opções, inclusive as mulheres se cobram em dobro!

Veja como nós mulheres abdicamos com mais flexibilidade, quase tudo, pela nossa família e filhos............ Etc. etc. etc.

Suas colocações são pertinentes e fico feliz de ter mais uma que adorou o livro.

Sobretudo, eu adoro sua capacidade de achar a poesia!

Rose, querida, sua análise , quanto a posição dele de não tomar as rédeas de sua vida, eu achei perfeita.

Concordo que viver para ele foi pior que morrer, quem sabe?


Beijos
Fátima

* * *

Que legal essa troca toda, onde cada mensagem traz uma nova abordagem, uma nova reflexão.

Joana,
Achei linda sua mensagem.  Essa frase (tomar as rédeas...) não é muito boa não.  Dá a entender uma onipotência inexistente.  De qqr forma, pra mim ela está relacionada com sonhar e perseguir, lutar pelos seus sonhos mas, como você disse, a Roda Viva está aí pra você ir revendo seus sonhos continuamente. E de novo lutar.  Quem foi que disse que a “vida é luta renhida, viver é lutar”?

Agora, vocês, meninas do grupo, não acharam que no livro as mulheres são tratadas de forma pouco admirável? A primeira mulher mal aparece, e é traída pelo personagem com a segunda.  A segunda é traída com a mocinha do escritório e a modelo loura.  A do escritório, coitada, só aparece se abaixando no escritório.  A loura é carente, dependente e pouco inteligente.  A senhora que passa mal demonstra sensibilidade e total dependência do marido, tanto que comete suicídio.  Só sobram a mãe e a filha do personagem. Mas mãe e filha já é outro departamento, principalmente na família judaica. 

Por que será que o autor faz isso?  Tem aí um viés da tradição judaica (patriarcal, onde a mulher é pura submissão e procriação)? É machismo do autor ou vocês têm outra visão? 

Beijos a todos,
Rose


* * *

Rose e amigos, bom dia!

Vc tem toda razão... Adorei também o que nos diz a Joana. Quanto à questão das mulheres, Rose, o autor nâo pode falsear o que foi a vida do personagem, não é mesmo? Considere a época, as décadas... E hoje ainda há mulheres e homens assim, embora muita coisa tenha mudado.

Alguns versos da música cantada por Sinatra servem para o livro do mês.


Bjs
Eloisa

* * *


Também achei muito rica nossa reunião;  A impressão inicial de um certo descontentamento com o livro, a angustia pelo tema da finitude, a vida na morte, foi  aos poucos, com a diversidade de pontos de visao sb o livro, a singularidade pessoal de cada um com suas proprias experiencias pessoais, senti uma expansão na compreensão do tema, e um ápice (para mim) muito prazeiroso com a pesquisa do Benites e os versos do Gullar na apresentaçao do Antonio.
Realmente nosso grupo é capaz de manter um encontro no "encontro"
                              
     Ceci


* * *


Gostei, Ceci, do encontro no "encontro". 


Realmente, nosso encontro é muito mais do que um simples encontro. Os comentários do livro leva-nos a encontrarmo-nos a nós mesmos, bem como a encontrar o outro. Que belo encontro!  E, falando em belo, foi belo e emocionante ouvir Antonio dizer o Homem Comum, de Ferreira Gullar. A reunião fechou com chave de ouro.

Abraços para todos.
Elenir

Obs. Fico falando, falando, porque não me canso de falar com vocês. Evandro me desculpe! Se o Homem Comum, sem nome, participasse de um grupo assim, não sentiria, certamente, a angústia e a melancolia da velhice.
Mais abraços. Elenir

* * * 

Parceiros da escrita, é maravilhoso nos encontrarmos numa reunião destas porque pessoas que antes nem sabíamos das suas existências estão falando das suas vidas como se estivéssemos passado a infância juntas, e, apenas nos relembrássemos.  A liberdade de se falar em assuntos, às vezes, tão pessoais nos aproximam cada vez mais. Beijos esperando a próxima. Sissa Schultz.

* * * 

Caríssimos, boa noite

Elenir, com sua presença qualquer reunião ou bate-papo na pizza se torna memorável.

Rita, o Evandro já incluiu o poema na postagem do livro, no blog do Clube. 

E no mais, gostaria de dizer que gostei muito da reunião, e da forma como cada um expôs suas impressões sobre o livro, um riqueza enorme. 

Sds,
Antonio 

* * * 

Prezados amigos,

A noite foi realmente maravilhosa. Apesar do tema do livro envolto em doenças e morte, mostramos que estamos bem vivos e capazes de tirar, de tudo, o melhor proveito. Todas as análises feitas mais uma vez nos enriqueceram a visão do mundo e da vida. Como disse a Dília, a morte não existe, é uma ficção (não sei por que, adorei essa perspectiva!...). E Antonio fechou com chave de ouro. O "Homem Comum" do Ferreira Gullar é aquele que nós somos, que sofre, luta e vive.

O CLIc, na verdade, supera a todos os livros, faz deles obras mais completas.

Abs,
Newton

* * * 

Caros colegas de leituras,


Os nossos encontros realmente são muito prazerosos. Em verdade vos digo que sou uma criatura muito matuta e brucutu e, por isso mesmo, levo muito tempo para me entrosar com as pessoas. Mas gostaria de dizer que o Clube tem um peso considerável para mim. Não sou muito boa na internet, mas entrando nesses menus, links ou seja lá o que for, encontrei o depoimento de Rita sobre o clube com o qual me identifiquei bastante. 



Em principio achei que encontraria pessoas esnobes, arrogantes por conta de suas formações, e eu acostumada a enxada e a pessoas do povão, fiquei ressabiada. O primeiro contato foi tenso, mas depois ficou mais leve e a medida em que conheço um tiquinho mais dos participantes, solto aos poucos o ar, porque nas falas de alguns encontros ecos em mim mesma. 



Não li o livro, mas mesmo assim vou a reunião porque me dão prazer. Falou-se sobre a ausencia de declaração de sentimentos e emoções do homem comum de Roth, pois bem, não quero morrer sem dizer que ouvir os depoimentos de Fred, de Elenir (tamanha emoção ao ler fragmentos que mais gostou do livro), do senhor que falou sobre a mulher que depois que o marido morreu não mais saiu de casa, da moça que falou das dores de seu familiar no hospital e que isso obscurece todo o resto e o que mais se deseja é o fim, Benito com sua analise meticulosa, a Gracinha com seu eterno jeitinho de menina que me faz querer voltar a infancia e tentar ser menos brusca, Evandro tentando por ordem, cadeiras extras, círculos fechado e outra fila, o Newton gravando, o barulho da cafeteira, as conversas paralelas, a amabilidade de Rita e a sempre gentileza de Elo para comigo, a agitação de Dília (contagia), a contribuição de Lílian (mesmo distante), a declamação de Antonio (caramba que memória - senti uma baita inveja - nunca decorei nada, o tico e o teco nunca se entendem e quase sempre dão pane) ficarão marcados em mim para sempre. E não estou me referindo apenas a essa reunião, mas a todas em que já estive presente. Finalizando a votação corporal foi de arrasar (quem votava em um livro de um lado e quem votava no outro do outro lado). Quer prazer maior que toda essa movimentação?

Neide

* * *



1 de maio de 2018

Astronomia Literária com Saramago




Estão sentados, felizmente numa sombra de árvores, ele perguntou, Que foi então que a trouxe a Lisboa, por que razão veio procurar-nos, e ela disse, Porque deve ser verdade que você e os seus amigos têm parte no que está a acontecer, A acontecer, a quem, Bem sabe a que me refiro, a península, o arrancamento dos Pirenéus, esta viagem como nunca se viu outra, Às vezes também eu penso que sim, que é por nossa causa, outras vezes acho que estamos todos doidos, Um planeta que anda à volta duma estrela, a girar, a girar, ora dia, ora noite, ora frio, ora calor, e um espaço quase vazio onde há coisas gigantescas que não têm outro nome a não ser o que lhe damos, e um tempo que ninguém sabe verdadeiramente o que seja, isto tudo também tem de ser coisa de doidos, Você é astrónoma, perguntou José Anaiço, nesse momento lembrado de Maria Dolores, antropóloga de Granada, Astrónoma não sou, nem parva, Desculpe-me a impertinência, andamos todos nervosos, as palavras não dizem o que deveriam, são de mais, são de menos, peço-lhe que me desculpe, Está desculpado, Provavelmente pareço-lhe céptico porque a mim não me aconteceu nada a não ser os estorninhos, ainda que, Ainda que, Há pouco, no hotel, quando a vi na sala, senti-me como se estivesse sobre um barco no mar, foi a primeira vez, Pois eu vi-o como se estivesse a aproximar-se de muito longe, E eram só três ou quatro passos. Vindos de todas as partes do horizonte, os estorninhos desceram subitamente sobre as árvores do jardim.


(A jangada de pedra - p.106)