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31 de outubro de 2012

Clube do Conto - Meu Filho: Carlos Rosa Moreira


Hoje meu filho veio me ver. É meu filho único. Fazia tempo que não vinha. Ele trabalha muito, viaja, nos fins de semana também precisa fazer coisas. Mas se preocupa comigo, pergunta como estou, se preciso de algo. Ele é muito prático. Fala rápido, discorre sobre problemas que já não conheço bem e, quase sempre, cai numa conversa animada com algum funcionário deste lugar. Depois vai embora. Tudo muito rápido, prático. Às vezes, nem consigo pensar numa resposta e ele já está falando sobre outro assunto ou decidindo por mim.

Já não sou rápido, nem prático. Preciso descobrir do que falam para poder responder, pois sou velho e o meu mundo é outro, mais lento e menos rico. Talvez a minha cara velha me faça parecer meio parado, com dificuldades para entender. Não tenho culpa de ter os olhos baços, a pele sem brilho, as rugas profundas. Foi o tempo que me botou essa máscara como se eu fosse um ator de teatro japonês. Dentro de mim, luto para entender, para participar, fazer-me ligeiro. Quero dizer coisas. Dentro de mim meus olhos ainda brilham. Mas ele não espera, fica impaciente, muda de assunto como se dissesse: Papai tá cada vez pior!

Não estou não. Só preciso de um pouco de tempo. Após a visita, ele conversa com os funcionários. Dá uma gorjeta aqui, outra ali. Sei que são solicitações e observações a meu respeito. Poderia falar comigo! Então ele me beija, faz uma brincadeira e vai embora. Os que trabalham aqui sorriem com pretensa simpatia. Quase os ouço murmurarem: Ah... velho, velho...

Para falar a verdade, até gosto quando ele vai embora com aquele jeito de quem cumpriu a missão. Aí espero o pessoal sair também, e me volto para o meu filho. Tenho ele em diversas poses, em vários lugares de nossa antiga casa. Lembro-me tanto... Parece que foi ontem. Vivo cada um daqueles instantes como se fosse hoje. E me vejo ainda forte e de cabelos pretos. Ele gosta muito de mim. Precisam ver como pega meu rosto com a mãozinha rechonchuda e me olha com uma luz que vem direto do coraçãozinho cheio de amor e admiração. Alisa meu rosto, sorri e diz com a boquinha cheia de ar para saírem os “pês”: Papai...

Gosto muito de vê-lo ao lado da bicicleta. Que emoção quando a ganhou! Tem aquela fantasiado de homem-aranha e a outra com a camisa do Flamengo. Adoro ver seus sorrisos e olhares, tão transparentes, tão cheios de admiração por mim.

Tem dias que passo inteirinhos pensando nele. Naquele garotinho que não existe mais. Saudade... Acho que ter filhos é jamais deixar de sentir saudade.
 

30 de outubro de 2012

VIDA BARATA: novaes/



Se nasci pedra, morrerei poeira?
Se contenho fogo, morro-me nos 70% de água do meu corpo e por isso sou este ser dúbio,
atormentado, afogado na quentura da vida?

Eu sou o que não li - mais do que o lido.
Sou a ausência, mais do que meu corpo neste espaço,
sou anuência com a perda de sentidos
ainda que eu sinta a repulsa mais repulsiva possível, repugno-me e refaço
meu inseto interior, meu cérebro pastoso, sem cor.

Sou disso tudo apenas palavras
- estas, que algum autor lavra -
e fragmentado em letras torno-me apenas símbolos
do meu próprio preâmbulo: projeto de ser
pessoa sem viver, sugado para dentro das páginas
- que é uma forma doce de se morrer.

É para este fim que o livro me arrasta
como se desejasse me consumir
- não eu a ele, mas ele a mim! -
eu, pedra, de coração duro e olhar seco
inanimado, mas testemunha eterna deste mundo.

Sem olhos, sem lágrimas, sem nojo, sem prazer.
Um ser que o livro tenta reanimar: "acorda!"
mas que me anula, se eu deixar. Nele eu veria até "a corda" de enforcar
se me fosse dada a ilusão de que poderia ser-me naquelas páginas
que poderia ver-me na tinta, nos símbolos,
sentir-me nos personagens e suas lágrimas.

Mas é tudo mentira. Ilusão. Como se em nós
não coubesse a explosão do átomo original,
nem a expansão contínua do Universo.

Somos finitos demais. Somos pequenos por demais
e é por isso que mergulho no inseto
no chão
no quarto
na vida encerrada na minúscula perspectiva
daquela vida morta
estraçalhada
e me vejo rastejando em busca de algo mais
do que o simples nojo
e vejo na insignificância explicações estratosféricas por que isto é justo:
minha finitude transcende a pequenez
por que se revela.
Expõe o que não queremos ver. Mastiga
o intragável gosto da autodecepção.

Os sonhos são lindos e fundamentais
- mas um dia nos deparamos com alguém gritando:
"acorda!".

Quando os olhos se acostumam ao breu,
constatamos: foi um livro.


29 de outubro de 2012

Casos ao Ar Livro



Olá amigos!

Foi um prazer encontrá-los na praça!

Adorei a participação! 

Obrigado a todos!

Luzia

Soneto de Fidelidade: Vinicius de Moraes




De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.


Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.


E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama


Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


24 de outubro de 2012

CLIc é 3 vezes finalista no Prêmio UFF de Literatura


O júri do 6º Prêmio UFF de Literatura – Poesia, Crônica e Conto concluiu seu trabalho de seleçãoescolhendo 20 textos de cada categoria para integrar a antologia que será lançada na festa de premiação do dia 17 de dezembro, no Solar do Jambeiro, em Niterói. Na ocasião, será divulgado o resultado final, com anúncio do vencedor de cada categoria e que, além do Troféu Itapuca, ainda ganhará um laptop. 


A edição deste ano apresentou como tema “O Contador de Histórias”, em homenagem ao centenário do escritor e jornalista Luís Antônio Pimentel. O concurso tem o patrocínio da Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, da Fundação Euclides da Cunha e da Pró-Reitoria de Extensão da UFF. 



Os participantes do nosso clube de leitura Icaraí selecionados para publicação na coletânea da UFF são:


Crônicas: Rita Magnago 

Contos: Carlos Benites & novaes/ (vencedor do Prêmio UFF de Literatura 2011 - categoria Contos)



Eles já sabiam: novaes/, Rita e ...
... Benites






Agora é torcer para um deles chegar ao topo!

Clarice pelo olhar da leitora CLIc: Lilian



Nunca consigo ler e vislumbrar a obra da Clarice como um romance puro e simples. Há na sua escrita uma poesia transcendental, que ao meu ver pinta e borda com as palavras de forma totalmente mágica e inovadora, o que faz dos seus textos verdadeiras telas, coloridíssimas, outras cinzentas, mas jamais despidas de opinião e de uma estética apuradíssima! 

Clarice é pra mim a escritora que jamais será reinventada. É única em seu estilo e como a poesia (de qualidade, sangrenta, visceral), jamais poderá ser decifrada integralmente. 
 
O texto de Clarice é como um quadro genial. É como a obra inconfundível de Salvador Dali e de Gaudí.
 
Alguém ousa explicar os quadros e a obra inconfundível desses artistas? Penso que nunca mais a Catalunya há de "prifiar" gênios imortais como esses seus filhos. De tão eternos que são, inquestionavelmente fortes e poéticos, penso que só eles podem ser comparados com a genialidade da escrita da nossa Clarice.
 
 

18 de outubro de 2012

Carlos Rosa: “A alma humana está sempre a um passo da barbárie”


Em entrevista exclusiva ao Blog do CLIc, o escritor niteroiense – veterinário, advogado e megulhador submarino – topa mergulhar em profundezas sombrias do bicho-homem



Por Newton Barra
para o Blog do CLIc 

Carlos José Rosa Moreira, ou simplesmente Carlos Rosa, poderia ser apenas mais um morador de Niterói, RJ, filho desta pátria mãe gentil há 57 anos. Poderia ser apenas mais um veterinário, a cuidar dos bichinhos domésticos das famílias e dos solitários, ou mais um advogado a penar (e sobreviver) com os conflitos humanos – aqueles reais, mesquinhos ou justos, nos quais ninguém está livre de se envolver. Mas Carlos Rosa, além de suas atividades profissionais (atualmente é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça), resolveu a certa altura da vida lidar com as emoções e conflitos do bicho-homem através da literatura. Tornou-se escritor. E, desde o primeiro livro – a coletânea de contos “Gritos do tempo”, lançado em 2002 –, mergulha fundo na alma humana, com o mesmo prazer e destemor com que, desde os 14 anos e até recentemente, mergulhava em mares bravios em busca de peixes, outra paixão marcante em sua vida.
Seus livros publicados são: “Gritos do tempo”, 2002, contos; “Da janela do trem”, 2003, contos; “Brisas, marolas e rajadas de vento sul”, contos, 2005; “Amanhã de manhã, em frente ao cinema, em Icaraí”, 2007, contos; e “A montanha, o mar, a cidade”, 2010, crônicas. Pretende publicar um novo livro ainda este ano. Será de contos e se chamará “Histórias da noite”. Adianta que haverá no livro duas “noveletas”, “Eugênia” e “A casa dos gritos”.
Nesta entrevista, exclusiva para o Blog do CLIc, Carlos Rosa topou mergulhar em algumas questões profundas e sombrias. Confira abaixo.

ENTREVISTA

CLIc – Como surgiu a paixão pelo mergulho, pela caça submarina?
Carlos Rosa – O mergulho foi uma das paixões da minha vida. Aos 8 anos ganhei uma máscara “Italianina”, comprada na Casa da Borracha. Era igualzinho à máscara do meu herói, o Mike Nelson das “Aventuras Submarinas”, sucesso no início dos sessenta, o ator era o Loyd Bridges, mergulhador de verdade e dos bons. Aos 14 anos comecei a caçar peixes, e nunca mais parei. Cheguei a dar uma parada na faculdade para ficar caçando e vendendo peixe. Faz pouco, bem pouco, parei de caçar. Mas, de vez em quando, o mar lança uns perfumes em cima de mim e sinto uma vontade quase irresistível de buscar as profundezas. Mas fiquei de coração mole, passei a ter pena dos peixes, apesar de ser uma pena meio cabotina, pois adoro degustá-los. São quase cinquenta anos de mergulho no mar.

CLIc – O que te levou a mergulhar na literatura? Ou, dito de outra forma, o que há em comum nos livros que publicou?
Carlos Rosa – Meus livros de contos foram experimentais. Experiências que fiz e tornei públicas. Há em cada um deles o impulso de escrever, a observação, a memória, a pesquisa sobre os sentimentos humanos. Os dramas, as transformações da vida, a realidade. Minhas histórias são comuns e poderiam ser dramas reais. E em tudo há o tempo, esse personagem que me fascina. Às vezes ele pode saltar aos olhos, como em “A casa dos gritos”; outras vezes ele passa oculto, mas está sempre lá. Sou fascinado pelo tempo, perpassa tudo que escrevo. O que me levou a mergulhar na Literatura? A necessidade de escrever. De passar para o papel minhas observações e meus sentimentos com o mundo a minha volta. Sou um escritor, bom ou ruim é isso que sou. E como disse Hemingway: “um escritor tem de escrever”.

CLIc – O que é mais misterioso ou perigoso: o fundo do mar ou a alma humana?
Carlos Rosa – A alma humana é mais misteriosa. É verdade que todo ser humano teme o mar. Acho que não fomos feitos para morrer nele. Temos um terror ancestral da fúria do mar e das criaturas ferozes que o habitam. Tudo no mar agride, queima, espeta, morde, arranha, devora, arranca pedaço. Mas são perigos palpáveis, sabemos que estão lá e que são coisas do mar. A alma humana assusta porque surpreende. Por trás de doces olhos podem habitar seres inimagináveis, mais ferozes e perigosos do que uma previsível fera marinha.

CLIc – O que há de sombrio na alma humana, na sua opinião? Para você, a literatura joga alguma luz sobre essas áreas escuras?
Carlos Rosa – O que há de sombrio na alma humana... Talvez o fato de estar sempre a um passo da barbárie. Ou a terrível capacidade de explorar as desgraças e as dores de outras almas, de torturar os semelhantes e retornar ao comum dos dias como se tudo fosse muito normal. A Literatura e todas as outras formas de arte jogam luz sobre a escuridão. Mas a sociedade em que vivemos exige e oferece certas coisas, e uma delas é o consumo. Exige consumir. Consumir faz o sujeito subir de classe. Mas essa sociedade embota o homem, tira-lhe a capacidade de ver e dá-lhe uma visão única, mesquinha e vazia. Para perceber a luz que as artes oferecem, é preciso aprender a desver, para depois aprender a ver. A classe C que está conhecendo as delícias do consumo quer ir a Paris ver a Mona Lisa, pois assim ensina a novela das oito; as classes A e B que vão a Paris, também querem ver a Mona Lisa, pois é assim que ensina a última moda e é preciso estar up to date. A ignorância da primeira e a arrogância da segunda se curam quando aprendem a desver e a ver, somente então verão a luz que as artes emitem. É preciso ser especial para perceber essa luz.

CLIc – Em alguns textos seus a decadência física dos personagens anda lado a lado com a frustração com os relacionamentos ou com a vida em geral. Há relação entre estas duas situações, o físico e a vida em volta?
Carlos Rosa – A decadência física é tão natural quanto a morte. É a nossa vaidade extrema que nos faz temê-la. Ninguém deveria lamentar a decadência física, apenas tratá-la. Seremos todos decadentes se nos compararmos a nós mesmos de anos anteriores. E essa comparação, apesar de corriqueira, é grande besteira. Olho o meu corpo de vinte anos atrás, quando mergulhava uma manhã inteira abaixo dos 15 metros para matar peixes e ficava seis horas nadando sem parar, praticava judô e karate durante horas e caminhava dias seguidos pelas montanhas pendurado em cordas. Olho para mim agora e vejo um velho. E gosto do que vejo. Pois é claro que sou velho, o tempo passou e continua a passar, amanhã serei mais velho do que hoje por mais produtos que passe na cara e no corpo. Mas sou um velho vivido. Lamentável é o medo de viver, de se lançar, e depois descobrir isso quando muito tempo já tiver passado. Porém isso também tem remédio “se a alma não for pequena”. Sou consciente dessa decadência e a encaro naturalmente. Escrevo sobre isso porque acho o normal da vida. Um homem como o personagem Dirceu é a coisa mais comum. Permanece o desejo no corpo corroído pelo tempo. Permanecem desejos reprimidos, querências nunca atingidas, almas inquietas aprisionadas em corpos pacificados pelo tempo. Tudo isso é tão comum.  Esses dramas humanos, realmente, me fascinam.

CLIc – Os personagens "perdidos" ou sombrios são mais atraentes para o escritor do que os personagens chamados "normais"?
Carlos Rosa – Certa vez, a respeito do meu conto ou noveleta “A casa dos gritos” (estará no próximo livro) um amigo, crítico e excelente escritor, disse: “Carlos, não gostei, em Literatura não existem finais felizes”. É uma opinião. Acredito que na Literatura, no cinema, o perdido, o sombrio, o louco, o enigmático, o tenso atraem mais do que os ditos normais. Cada um deles tem um mundo próprio, com consequências estranhas e inesperadas. São esses tipos que fazem o mundo andar. Só que esses tipos exprimem apenas o homem, aquilo que somos mesmo mas gostamos de ver como personagens, pois precisamos estar a salvo de nós mesmos. E é isso que o escritor põe no papel. Escritores nunca foram considerados muito normais neste mundo onde todos querem a mesma coisa.

CLIc – Afinal, o que for que possa ser visto como repugnante num texto literário chega aos pés do que há de repugnante na vida?
Carlos Rosa – Talvez a vida sempre surpreenda a Literatura. Mas Literatura se constrói de vida e a devolve ao leitor, caso ele só tenha visto a vida passar. Então a Literatura será guia, memória, história, registro, além de várias outras coisas. Coisas podem ser repugnantes em ambas, vida e Literatura, pois ambas podem ser uma só coisa. Repugnante é não indignar-se e não revoltar-se com a exploração da miséria, com o desperdício de vidas. O escritor é sempre indignado e revoltado.

CLIc – Por último: há leitores repugnantes?
Carlos Rosa – Gosto de todos os leitores, mesmo daqueles que não gostam de mim, desde que sejam leitores contumazes e atentos e que não se deixem contaminar com qualquer comentário ou crítica, que tenham personalidade. E de leitores há muitos, inclusive repugnantes.

14 de outubro de 2012

Sobre A Paixão Segundo G.H.




Clarice viu o que não estava lá
e eu ainda no óbvio
não sigo seus passos
recuo, refaço e nada
a meus olhos as mesmas
letras irreveladas
tal qual sua imagem
sisuda e compenetrada
vegetando em cada hiato sem criação

(Rita)

FELIZ DIA DAS CRIANÇAS PARA TODOS NÓS



A infância passa que nem percebemos. 
Depois percebemos que na verdade
ela não passa nunca. 
Carregamos sua memória
- nossa -
para o sempre dos nossos dias 
e com ela forjamos boa parte
do que somos e seremos. 

Então que deixemos a criança aflorar 
sem olhares de veto, 
conservemos meninos e meninas 
o nosso coração que ri e chora
mas que aprendeu e pode ensinar
a amar.



Rita Magnago

Última atualização do blog: 12/10/2012

Confira em



2º Encontro Clássicos: Livro das 1001 Noites


As Mil e Uma Noites - O Filme

Olhem meu caro Espreitador de Estrelas, caríssima Rose, e quem mais, eu cá conheço um final bastante interessante. Morte? Qual nada! Havia coisas do "enquanto", pois dizem por aí que entre uma história e outra - ou até durante, quem sabe? - eles "praticavam a própria história" com muito gosto, tiveram lá uns filhinhos... e, sei lá eu, o que mais. 

E, ao cantar do galo na madrugada do dia 1002... a mais que esperta Sherazade, lamentou não poder ensinar ao seu já então domado/amado sheik, as adivinhações interessantes que sabia. Pelo visto e ouvido, o carrasco perdeu o posto, e o casal começou a inventar e, por seguro, resolver a sua maneira, enigmas e "adivinhas". 

Adivinham, pois não, amigos?

E então... O que é, o que é????

Abraços,
I
(Menina Toda Prosa ... e Alguma Poesia)




12 de outubro de 2012

Clube do Conto - Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás: Carlos Rosa Moreira



            Dirceu dormia cedo. Às nove a boca já abria e as pálpebras pesavam. Uma vida de trabalho influenciara naquele seu jeito de ser, afinal, foram quarenta anos acordando antes das quatro para pegar ônibus, lancha e trem até Santa cruz. Um viajão na ida e outro na volta. Depois chegou a aposentadoria e os dias ficaram iguais a eternos domingos: acordar cedinho, comprar pão, fazer café; às vezes uma voltinha com Alzira, às vezes um bate-papo no jornaleiro. Vida simples e a mesma casinha construída em 1955 numa rua sossegada de Santa Rosa. Mas naquela primeira hora da madrugada, Dirceu ainda estava acordado. Na noite anterior, por conta de incomum insônia, procurara um filme na televisão e descobrira o canal.

            Alzira dorme. Sempre dormiu antes dele. Chega a roncar com a boca aberta, o barrigão esticando o lençol, os seios moles se esparramando pelas axilas. O sono é pesado, a claridade do televisor não a incomoda. O som está diminuído, não precisa de som. Duas morenas fizeram o diabo sobre um gramado; agora a mulata serpenteia por entre almofadas. Elas mostram tudo, nuinhas, e a câmara lá, no detalhe.

            Dirceu se preocupa com Alzira, se ela acordasse seria um constrangimento. Ficaria magoada. Que desgraça ser flagrado vendo programa de mulher pelada. Ela poderia desconfiar do passado. No passado não houve nada, só o beijo naquela colega de trabalho boazuda, a Dora. Foi um beijo fugaz, nascido de um momento de alegria na festa de fim de ano na repartição. Até que a Dora queria mais, mas ele se esquivou, arrependido da pequena aventura. Dora passou o resto da festa puta da vida, dançando com a bunda arrebitada só para mostrar o que ele havia perdido. Às vezes pensava naquele dia, na bunda da Dora, e aí ficava arrependido de novo.

            Na tela surge uma loura. A loura rebola, senta, levanta, escancara as pernas e a câmara lá, no close. Dirceu roda a flacidez entre os dedos. Tem um olho na tela e o outro em Alzira. A loura se arreganha e Dirceu puxa, estica, se acaricia.

            Há muito que ele e Alzira são como dois irmãos. Ela enorme, barrigão; precisou operar, tirou quase tudo. Cresceu um buço, engordou muito. Ele foi perdendo a vontade, vida caseira...

            A loura saiu de cena; apareceu a ruiva da noite anterior. Dirceu sempre foi doido por ruivas. Ela é perfeita. Tira tudo e mostra um fio de labareda percorrendo o monte generoso. Dirceu aperta, afaga, segura o membro adormecido. Depois dos closes e das rebolações a ruiva sai andando gramado afora, até desaparecer. O programa terminou. Mas Dirceu continua com as morenas, com a mulata, a loura, a ruiva, Dora... Ele se apalpa e sente como se houvesse uma quebra na comunicação entre o cérebro e o resto. Levanta-se, vai ao banheiro, senta-se no vaso. Alzira pregara um espelho quase em frente ao vaso, de modo que vê seu rosto e parte do tórax. Dirceu não presta atenção ao espelho e começa um movimento vagaroso e cadenciado. As mulheres desfilam em sua cabeça exibindo isso e aquilo. Dirceu mexe, mexe, mas é difícil fazer assim, tão flácido, e ele vai se desconcentrando e acaba percebendo sua figura refletida, a cara e o pescoço vermelhos compondo um elmo sobre a brancura do tórax magro. Sente-se ridículo ali sentado, se movimentando todo com aquela cara contraída pela excitação. Começa a ter um pensamento qualquer, bobagem do dia a dia, e se perde em seu próprio olhar. Então seus olhos se lembraram do Dirceu rapaz, de coisas passadas havia muito, como tudo em sua vida. Lembrou-se de uma noite quando chegou à casa de Alzira. Entrou como de costume pelo corredorzinho do lado, quando ia bater, um quadrado luminoso clareou o terreiro a seus pés: Alzira havia acendido a luz do seu quarto, acabara de sair do banho enrolada numa toalha. Dirceu ocultou-se. De olhos arregalados via sua noiva desnudar-se aos poucos, desenrolando a toalha do corpo para terminar de se enxugar sobre a cama. Alzira de longos cabelos molhados, de formas tão perfeitas, de pele delicada evidenciando um triângulo negro e vistoso.

            Ao espelho refletia-se uma imagem oca, pois o verdadeiro Dirceu estava no quintal da casa de sua noiva numa noite perdida havia mais de cinquenta anos. Diante dos seus olhos, a virgem Alzira naturalmente nua, em pé sobre a cama de solteira. Ela nunca soube, mas naquela noite, o instinto do jovem macho somou-se à candura do amor do jovem Dirceu, ao poeta apaixonado que ela despertara nele. Oculto pelas sombras do quintal, ele deu vazão ao desejo e ao amor que por toda a vida os mantiveram unidos.

            O rapaz Dirceu; o velho Dirceu. Ambos espreitavam Alzira nua sobre a cama. E Dirceu, o apaixonado, mal respirava ao se lembrar de sua fêmea linda e tentadora. Alzira... Alzira num trailer colorido mostrando momentos inesquecíveis ao longo da vida, momentos de amores intensos e gozos loucos.

            Então foi chegando uma quentura, uma potência, uma firmeza; os músculos se entesaram, a respiração aumentou. Dirceu viu-se tomado por uma onda arrebatadora que cresceu, foi crescendo, obrigando-o a abrir a boca e arregalar os olhos e não ver nada, só Alzira, nua, tímida, mas oferecida, fazendo o que ele queria naquelas noites tão distantes que pareciam ontem. A onda se dobrou vagarosamente com aquele volume formidável de onda grande que vai estrondar o chão; e veio, veio incontrolável, puxada pelos movimentos frenéticos de Dirceu. Até que aquilo tudo se arrojou numa velocidade louca, explosão alucinante seguida de um delírio que logo se esvaneceu como esteira de onda sobre a areia seca.  Com a boca aberta, o coração disparado, a cabeça apoiada na válvula da privada, Dirceu olhava o teto, sem nada pensar, surpreso como quem chega de lugar nenhum. Então o instinto se apaziguou, a respiração se tranquilizou, o espírito se acalmou. Viu sua imagem estupefata diante do espelho, ficou um tempo pensando naquele sucesso que há tanto não ocorria. Ficou pensando, pensando e a excitação definhando. Não sabe por que se lembrou da arruela da torneira que precisava ser trocada e do carnê do INSS da empregada. Levantou-se e foi para o quarto. Deitou-se ao lado de Alzira que roncava baixo. Virou-se de lado, fechou os olhos, dormiu.