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24 de janeiro de 2016

Análise de Elenir sobre "O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam

Não estive presente à reunião passada, mas gostaria de deixar meu comentário  sobre “O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam”, livro que considero excelente, opinião não compartilhada por todos, que o classificaram de deprimente,  cansativo, entediante, chato etc    
Elenir
Sim, deprimente, fala de criaturas miseráveis, alcoólatras, viventes em condições sub humanas, sem casa, usando um  tatame como teto, ou seja, vivendo num sub mundo, fedentinosos, desvalidos, patéticos e constrangedores. Contudo, mesmo vivendo à margem, sofrem, amam, se irmanam, têm lembranças, momentos de alegria, embora raros... E, no meio de todos eles, há um homem erudito, sofrido, com muitas cicatrizes na alma, que vagueia pelas ruas acompanhado pelos Adágios, de Erasmo de Rotterdan,  os quais, segundo ele, são seus salmos, trazendo-os na memória, e pela infinita tristeza e solidão sofridas desde que sua amada o abandonou, há dez anos, deixando-lhe, apenas, um lacônico bilhete: ”Acabou-se. Adeus”. Mantendo a esperança de seu retorno ele repete sua “meta mântrica: Ela virá, eu sei.” Dizendo ainda: “Amada aquela que levantou âncora jamais deixarei cair da memória: está tatuada em mim. Deveria ser contrário às leis da natureza abandonar crianças e poetas: somos frágeis demais.” Tudo isso, levou-me a conhecer melhor esses pobres indivíduos marginalizados, o sub mundo por eles habitado, emocionando-me. No livro, encontrei amor; poesia; ternura; erotismo; fraternidade, vida ...
     Não posso deixar de citar algumas frases:
    “Esta cidade gigantesca é meu eremitério. Os adágios são meus salmos. Canto-os todos os dias... Livro de cabeceira—se assim posso dizer, desprovido de cama. Metade quase de um tatame.”
   “Acontece com todos nós. Criamos heteronímia entre aspas para pessoas queridas. Aquele cujo avô morreu aos cento e dois anos era meu amigo, meu filho, meu irmão. Impossível amar apenas uma pessoa numa só. Amada imortal é uma multidão.”
   “Vivi algumas cenas comoventes. Foi bonito ver aquele saxofonista, dois anos atrás tocando numa esquina  My funnyValentine  para senhora elegante, octogenária, cujas lágrimas escorriam numa tentativa inútil de desenhar no rosto o s de saudade—ou de solidão.”
   “Dizem que Erasmo de Rotterdam tinha a convicção de que seria possível pôr termo aos conflitos que dividem os homens, sem violência, por concessões. (grifei). Veja: um dos maltrapilhos alcoólatras caiu de bruços. A testa toda ensanguentada.  Miseráveis.Vão se afastando aos poucos do gênero humano.....Um tirou a própria camiseta para tentar estancar o sangue....Solidariedade patética Menino-borboleta puxa-o pelo braço, possivelmente, tentando levá-lo ao pronto-socorro, na rua de trás.Vendo esses gestos solidários lembro-me, ato contínuo, da equação aritmética segundo a qual menos e menos dá mais. Mulher-molusco, lançando mão da implacável praticidade feminina , tomou de um deles a garrafa virando, ato contínuo, o gargalo sobre a testa do pobre-diabo. Sim:antisséptico inebriante.” “A metrópole apressurada  não tem tempo para acudir aos desvalidos.”
     “Solidão é melancolia travestida de saudade.”
       Fico por aqui, embora muito mais tenha encontrado, digno de nota, nesse  livro extraordinário.
     Abraços.

     Elenir

21 de janeiro de 2016

Livro: O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, de Evandro Affonso Ferreira

Olá queridos!
Vou reproduzir o post que fiz no meu blog Mar de Variedade.

Esse livro de título comprido foi o livro do mês do Clube de leitura Icaraí. Infelizmente, não consegui ir à reunião, mas vou falar um pouquinho sobre minhas impressões.

Sinopse Editora Record: 


"VENCEDOR DO PRÊMIO JABUTI - Categoria ROMANCE

A obsessão com a originalidade da linguagem sempre foi uma marca registrada de Evandro Affonso Ferreira, cuja literatura, iniciada em 2000 com o elogiado Grogotó, chegou a ser comparada à de Guimarães Rosa. Mas agora, aos 66 anos e em seu sexto livro, o escritor está mais reflexivo. Deixou de lado o cuidado excessivo com a forma, mas sem abrir mão da musicalidade, do cuidado com as palavras, da concisão — o que já vinha fazendo desde seu romance anterior, Minha mãe se matou sem dizer adeus, vencedor do Prêmio APCA de melhor romance de 2010 e finalista dos prêmios São Paulo de Literatura e Jabuti de 2011.
Neste belo e devastador O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, o autor volta a abordar temas “tenebrosos”, como solidão, loucura, decrepitude, morte. Por trás do longo título está a história de um homem culto, profundo conhecedor da obra do filósofo holandês, que, depois de ser abandonado por sua amada, perdeu a razão e transformou-se em um morador de rua. Um romance “niilista-lírico”, como define o próprio autor, em que ele abre mão do parágrafo, apresentando-o de um fôlego, valendo-se com habilidade do fluxo de consciência.
Há dez anos vagueando pelas ruas do centro de uma metrópole à procura de coincidências poéticas que lhe aplaquem tristeza, dor e solidão, um homem atormentado experimenta a proximidade dolorosa do mundo enquanto espera o retorno de sua amada — a que lhe deixou bilhete dizendo “ACABOU-SE; ADEUS”.
Seu mantra, ladainha ou refrão, repetido incansavelmente, “ELA VIRÁ— EU SEI”, impulsiona-o a seguir adiante mesmo que não haja um rumo certo. Sem poder nomeá-la ou mesmo ancorá-la em algum porto seguro nos seus pensamentos, escreve a lápis em todos os espaços vazios da cidade a letra N, inicial do nome da amada, e lança desafio aos deuses do esquecimento trazendo o tempo todo à memória os momentos de intimidade afetiva e intelectual vividos ao lado dela.
Levando consigo os Adágios de Erasmo de Rotterdam, esse mendigo erudito conhece tudo sobre vida e obra do humanista holandês — sim, o mesmo do Elogio da loucura. E narra o tempo todo sua história a um interlocutor-escritor imaginário, a quem chama de “senhor”. Ambos, narrador e interlocutor, estão debaixo de um viaduto entre tantos outros personagens-mendigos, que de miseráveis anônimos e insólitos se transformam em criaturas extraordinárias na imaginação do mendigo-poeta, como a “mulher-molusco” e o “menino borboleta”."


O protagonista, um mendigo, anda para todo lado com os Adágios do autor Erasmo de Rotterdam, aos quais ele chama de seus "salmos".
O livro não tem parágrafos, talvez para demonstrar um pouco da loucura desse mendigo que fala repetidamente da sua amada, que o deixou.
Ele fala de seus colegas mendigos, da vida nas ruas, do que os leva para isso. Fala também do mau cheiro que eles têm e ainda que são maltratados nos lugares por onde passam, pelo mau cheiro que exalam. 
O protagonista cita frases de Erasmo de Rotterdam, enquanto conversa com o interlocutor.
O livro, apesar de tratar da miséria humana, da loucura, tem uma certa poesia nas palavras do narrador, que continua apaixonado por sua amada, que o deixou há dez anos, mas que ele ainda tem esperança de encontrá-la e de reatar o relacionamento amoroso. 


Boa leitura!

19 de janeiro de 2016

Todos reunidos em torno da obra


Cineclubes e clubes de leitura são uma ótima opção para quem quer conhecer novas obras e discuti-las
Assistir um filme e ler um livro podem ser experiências agradáveis e enriquecedoras. Consumir cultura já faz parte do dia a dia de muitas pessoas, mas poucos se aventuram a expandir essa experiência, saindo da zona de conforto e descobrindo um novo mundo que pode acabar gerando amizades e discussões sobre o que é lido ou assistido. É o caso do Clube de Leitura Icaraí e o Cine Nikiti, clubes que reúnem as mais variadas pessoas em torno de publicações e títulos também variados. Os dois grupos promovem encontros mensais para debater o livro ou filme sugerido no mês anterior.

O Cine Nikiti começou a partir de um convite do Solar do Jambeiro para que o Núcleo de Produção Digital de Niterói (NPD), órgão ligado à Subsecretaria de Ciência e Tecnologia, produzisse um evento de cinema no espaço cultural. Este convite veio após a produção pelo NPD da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul, que aconteceu em março de 2015 no Teatro Municipal de Niterói reunindo mais de 600 espectadores em apenas 5 sessões.

“Além da parceria com o Jambeiro, temos também a parceria com a Niterói Filmes, responsável pela parte operacional (telão, projetor, som) do cineclube. O Cine Nikiti teve início no dia 20 de maio, com a exibição de ‘Sem Pena’, documentário de Eugenio Puppo. Após a exibição do filme houve debate sobre população carcerária e sistema prisional. Neste primeiro dia tivemos 163 espectadores”, conta Miguel Vasconcellos, responsável da produção do Cine Nikiti.

O NPD produz também o Cine Debate, que traz discussões sobre diversos filmes, trazendo especialistas sobre os temas abordados, enriquecendo os debates dos cinéfilos. Desde o primeiro Cine Nikiti há frequentadores cativos que acompanham todas as edições do cineclube e alguns que aparecem para ver determinados filmes. O público vai de estudantes universitários a idosos, mas, em sua maioria, é um público jovem. Em algumas sessões, acontecem até sorteios de ingressos para peças de teatro. 

“A melhor parte é ver um público tomando contato e descobrindo filmes brasileiros autorais e de qualidade que não são exibidos em cinemas ou lançados em DVD e na TV aberta. O papel dos cineclubes, e do Cine Nikiti, é exatamente de levar essa produção nacional ao público. Estar envolvido em um projeto como esse me dá uma satisfação enorme”, expõe Miguel.
Já o Clube de Leitura Icaraí, em contrapartida com o recém-criado Cine Nikiti, funciona desde outubro de 1998, tendo mais de 150 livros em seu histórico de leitura, entre autores consagrados nacionais e internacionais, incluindo escritores de Niterói. Muitas vezes até incluíram os escritores do livro em debate, como Silviano Santiago, Rubens Figueiredo, Godofredo de Oliveira Neto, e muitos outros.
“O clube começou com um grupo de amigos que decidiu ler o mesmo livro e se reunir posteriormente para comentá-lo. O resultado foi gratificante, cada vez mais pessoas queriam participar. Então, levamos o clube para um espaço público onde a entrada fosse franqueada para que toda a comunidade niteroiense pudesse entrar”, explica Evandro Paiva, responsável pelo clube de leitura. 
O funcionamento do clube é bem simples. A cada mês é escolhido um título. Ao final das reuniões os participantes sugerem os livros que desejarem e, a partir disso, se faz uma votação com os presentes. Não há restrição quanto a gêneros e nacionalidade dos escritores, tudo é feito de forma bem democrática. A partir do livro escolhido, os leitores falam sobre suas impressões da leitura e fazem análises segundo sua própria experiência de vida, sem restrição quanto à maneira que cada um interpreta a obra. O encontro começa com uma breve exposição do leitor que indicou o livro sobre a razão de tê-lo indicado, sua avaliação, e os demais leitores podem intervir com suas ponderações. Evandro afirma que as discussões são o verdadeiro motivo do clube ter sido criado.

“O encontro proporciona a troca de experiências com outros leitores, favorece a formação de novas amizades a partir das afinidades encontradas no debate. Essa colaboração amplia consideravelmente a nossa percepção da obra lida. Nosso clube tem revelado ao longo dos anos que a literatura pode ser mais que um simples prazer lúdico, pode criar laços e promover o surgimento de novos poetas, escritores e, sobretudo, novas amizades” diz Evandro.
O Clube de Leitura de Icaraí se encontra às segundas sextas-feiras mensais, das 16h às 18h, na livraria da EdUFF, que fica na Rua Miguel de Frias, 9, em Icaraí. O Cine Nikiti retoma suas atividades apenas em março, no Solar do Jambeiro, que fica na Rua Presidente Domiciano, 195, no Ingá.

O Fluminense

14 de janeiro de 2016

O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam: Evandro Affonso Ferreira



Óssip  Mandelstam

Oh, como a hipocrisia
seduz, e como se esquece
que em criança se está mais perto
da morte que na velhice.

Ébria de sono, a criança
sorve ao menos a ofensa do pires,
mas eu – com quem me amuaria? –
sozinho estou, em todos os caminhos.

Não quero dormir como um peixe
no desmaio fundo das águas,
é-me querida a escolha livre
dos meus cuidados, dores e mágoas.

Fevereiro – 14 de Maio de 1932




 
Vivemos sob o signo da corrupção e da carência


Hieronymus Bosch, O jardim dos prazeres terrenos,1504

Deus em sua sagrada inexistência consegue jeito nenhum ajudar ninguém. 

Apenas o ser humano pode ser prestativo ao ser humano, 

apesar de sermos o lobo de nós mesmos. 







Este livro fala sobre um 

homem atormentado que 

experimenta a proximidade 

dolorosa do mundo. O 

romance fala de temas como 

loucura, amor, abandono e 

solidão, devido a uma carta

 que o protagonista recebeu 

de sua amada, dizendo 

'Acabou-se; adeus'.





Ela virá, eu sei!





Nossa trajetória de vida é inexorável. 




Selene e Endimião


8 de janeiro de 2016

E Dom Pedro acabou ficando...

Por Wagner Medeiros Junior


Quando a família real desembarcou no Rio de Janeiro, em 1808, o futuro imperador do Brasil, D. Pedro I, contava com nove anos de idade. A estratégia de transmigração da corte, aprovada pelo príncipe regente D. João, era de não deixar que a rica colônia da América, o Brasil, viesse a ser dominada pelos britânicos. A viagem para o Brasil evitaria também a humilhação do trono português pela França, pois as tropas sob comando do general Junot já estavam na fronteira com a Espanha para ocupar Portugal.
D. Pedro de Alcântara nasceu em Lisboa, no Palácio de Queluz. Com a morte de seu irmão mais velho, D. Antônio, em 1801, tornara-se o legítimo herdeiro de D. João, que já ocupava o trono devido à insanidade da rainha, D. Maria I, sua mãe. Embora muito estimado pelo pai, D. Pedro era preterido por D. Carlota Joaquina, que tinha predileção por D. Miguel, seu filho mais novo. Dela D. Pedro herdaria o temperamento impulsivo e às vezes até mesquinho e grosseiro, mas também com capacidade de externar grande bondade, conforme D. João. 
Desde pequeno D. Pedro manifestava uma grande vocação para a carreira militar. Quando adulto mostrou-se romântico e sedutor. A maioria de seus biógrafos concorda que lhe faltava uma educação esmerada, conforme tradição das famílias reais europeias, o que não significa que não tivesse uma razoável cultura. Além da língua pátria, dominava o latim e o francês, e compreendia bem o alemão e o inglês. Gostava de compor músicas e poesias, bem como dos hábitos simples, sem protocolos.
O ingresso de D. Pedro na política sucedeu-se quando a família real é forçada pelas Cortes portuguesas a regressar a Portugal, com a Revolução Liberal do Porto, em agosto de 1820. No entanto, já adaptado ao Rio de Janeiro, D.João hesitava em voltar. Para atenuar a pressão das Cortes, o ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, conde de Palmela, aconselhou-o a mandar em seu lugar o príncipe herdeiro para  Lisboa.
Todavia, conforme relatam as historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, em “Brasil: Uma Biografia”, D. João, por seu lado, ia resistindo: nem consentia em voltar, nem lhe agradava a idéia de mandar para Portugal o filho Pedro. Por sinal, sussurrada pelos cantos, essa sugestão mais parecia um segredo de polichinelo: todos conheciam o projeto, menos o príncipe. A essas alturas, já com mulher e filhos, ele era mantido na maior ignorância dos planos que envolviam sua pessoa. D. Pedro não participava efetivamente do governo, e, embora casado, continuava a manter uma vida de boemia na sede do império, no Rio de Janeiro.
Porém, após jurar obedecer à Constituição, por intimação das Cortes, em abril de 1821, D. João VI é obrigado a retornar para Portugal com toda família real. D. Pedro, entretanto, é impelido a permanecer como Príncipe Regente, de modo a garantir o domínio territorial e do Estado, e evitar que o Brasil viesse a ter o mesmo destino das colônias espanholas na América.  

Além do tesouro da corte D. João VI levou consigo todo o ouro e depósitos sob a guarda do Banco do Brasil, o que deixaria D. Pedro em grandes dificuldades. O Rio de Janeiro também se ressentiria com o regresso a Portugal de uma comitiva de 4000 pessoas entre servidores da casa imperial, ministros, burocratas, militares e membros do clero. D. Pedro, por sua vez, continuava a relutar em permanecer no Brasil. Seu desejo era iniciar a vida política na nova sede do reino, em Portugal.
Neste momento as ações das Cortes portuguesas se intensificavam e várias capitanias brasileiras eram transformadas em províncias, com juntas governativas próprias, subordinadas diretamente às Cortes em Portugal. Os poderes de D. Pedro, deste modo, iam aos poucos sendo reduzidos. Tornava-se cada vez mais claro aos brasileiros, portanto, sobretudo aos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, que a intenção das Cortes era dividir o Brasil, submetendo-o, de novo, ao domínio de Portugal.
Assim, mesmo contra a vontade, D. Pedro é obrigado a permanecer no Brasil pela pressão dos brasileiros, que agora clamavam pela libertação de Portugal. Outro motivo importante foi a influência da princesa D. Leopoldina, por solidarizar-se à causa dos brasileiros. A tia de D. Leopoldina, Maria Antonieta, tinha sido guilhotinada por uma revolução liberal na França e ela temia pelas notícias que chegavam de Portugal.
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Preto no Branco por Wagner Medeiros Junior