Foi de um grande amigo, Sr. Gercino, de quem ouvi que lá no sul da divisa
entre o Espírito Santo e o Rio de Janeiro, em Ponte de Itabapoana, o Sr. Ézio
Moraes facilmente teria enriquecido, se desonesto. Fiscal de renda do estado,
na época mal remunerado, não transigia em sua conduta na defesa dos interesses
do erário.
Não
tive a felicidade de conhecer o Sr. Ézio, mas me tornei amigo de sua esposa,
dona Hélia, e da família, poucos anos depois da sua viuvez. Até então, dona
Hélia vivia exclusivamente para os afazeres do lar. Assim, educou os três
filhos, numa vida que seria plenamente sem preocupação, se não fosse o Sr. Ézio
passar do ponto, de vez em quando, no divertimento da sua bebidinha.
Depois
de viúva, dona Hélia não entregou os pontos, mas repelia de todas as formas
qualquer insinuação de namoro ou casamento. Pensava-se eternamente viúva: -
Homem? Só os meus dois filhos; de pensar me arrepia! Porém, não faltavam os
pretendentes, porque Ela tornou-se uma “coroa” muito bonita.
Solitária
em Ponte de Itabapoana, com os filhos casados, distantes, dona Hélia resolveu
praticar natação. O primeiro passo foi aprender a dirigir, para não depender de
ônibus, com poucos horários e uma eternidade para chegar a Bom Jesus do
Itabapoana. E assim fez: aprendeu a dirigir, matriculou-se na natação, tomou
gosto pela piscina e voltou à forma de pelo menos 15 anos atrás.
Só
depois de 18 anos de viúva, entretanto, que dona Hélia aceitou a divertir-se
com algumas amigas, que insistiam em levá-la ao baile da terceira idade. Lá
começaram a “chover” os pretendentes e Ela sempre escapulindo, sempre dando o
fora...
Até
que um dia Adeir - que havia deixado para trás o estresse do Rio de Janeiro –
encontrou-a desprevenida num desses bailes, em uma harmonia imensa nos passos
da dança. De início ainda houve um pouco de resistência, mas a educação e o cavalheirismo
foram tão verdadeiros que não houve jeito.
Depois
de algum tempo, dona Hélia viu que sua decisão foi realmente acertada:
cafezinho na cama; galinha caipira com quiabo e polenta; horta bem tratada no
fundo do quintal; o paladar da comida conquistando seus filhos; Adeir sendo
disputado! Na retribuição de todo carinho, Adeir passou a chamar-se Deí.
(Eu
sou testemunha de que a culinária do Deí é realmente muitíssimo elogiada. Tudo
é feito com paciência e capricho. O molho a vinagrete do churrasco é sem igual,
com os ingredientes cortados à mão, miudinhos e uniformes.
Só
que em cidades pequenas há sempre os despeitados e invejosos. E muitos se
sentiram incomodados com o sucesso do Deí junto à dona Hélia.
Nozinho,
sujeito folgado e baixinho, com seu chapéu de cowboy e canivete preso na cinta,
ex-fazendeiro (atualmente vive a expensas da aposentadoria da mulher), diz-se
amansador de mula brava e montador de burro empacado, viu Deí atravessar a rua.
Esperou que chegasse ao portão para passar um embrulho à sua musa, quando então
gritou: - Adeir, seu b.. mole!
Deí
ficou transtornado: - Hélia, eu vou atravessar a rua e vou dar uma surra nesse
camarada! Então, dona Hélia retrucou: - Deixa disso Deí! Não vale a pena você
brigar. Ele tinha deixado toda sua paciência de lado... Teve ainda outro que
andou pelas ruas chamando Deí de “Cavalo Velho”, mas esse não teve a coragem de
mostrar a cara.
Superando
estes casos menores, tanto Deí como dona Hélia ganharam vida em suas “quase”
terceira idade. Hoje eles se completam, driblando os inconvenientes com muita
tranqüilidade.
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