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18 de março de 2020

*O BICHO*: Antonio Rodrigues

Bom dia, pessoal. Não é um texto alegre. Pelo contrário. Mas lembrei de um poema do Bandeira hoje. Escrevi o texto que segue. 



Trabalho no Centro do Rio. Hoje vim trabalhar de carro. Rodei por algumas ruas a mais do que estou acostumado quando venho de ônibus. Já tenho percebido a deterioração do tecido social de nossa cidade devido a rápida explosão de moradores de rua. Vi hoje mais crianças do que costumo ver, crianças de colo, miudinhas, vivendo nas ruas do Rio. Ao parar num sinal na Av. Graça, ouvi um choro de criança. Da calçada ao lado, emergiu uma mulher com uma criança no colo. Tem criança vivendo nas ruas do Rio, na Uruguaiana, na Cinelândia, no Largo da Carioca, em todo lugar. Mas ninguém as enxerga, ninguém as vê. São criaturas invisíveis, ou se tornaram apenas bicho, na visão desumanizada dos que vivem de barriga cheia e possuem um teto e uma cama para dormir.

Por isso lembrei do Bandeira. Lembrei de seu poema-soco, mais uma vez. Sempre me lembro ao ver homens desumanizados vivendo nas ruas. São tempos cinzentos estes em que vivemos. Eu queria trazer algo mais positivo, mais alegre, mais esperançado. Mas não dá. Hoje não dá. Aquele choro daquela criaturinha na calçada de uma rua, ainda ecoa em minha alma. E ela me mostra o tamanho da pequenez humana.

O bicho (Manoel Bandeira - Rio, 25-2-1947)

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

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