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4 de junho de 2021

Segunda experiência de criação literária de membros do CLIc



Com a participação de oito integrantes do CLIc e de outros clubes de leitura, tivemos a segunda experiência de produção literária.

Utilizamos como ponto de partida as primeiras linhas do conto “Verde lagarto amarelo”, de Lygia Fagundes Telles, que transcrevo a seguir:

“Ele entrou com seu passo macio, não chegava a ser felino: apenas um andar discreto. Polido.”

A partir desse trecho, os leitores colocaram no papel o que ele os inspirou.

Agradecemos a participação de todos. O resultado vem a seguir:

 ****

 

"Ela reparou logo naquele homem que não era bonito nem feio, mas tinha uma elegância natural, uma energia diferente, um jeito que a agradava. 

Sabia que aquele congresso exigiria muito dela, foco e presença. Mas sentiu algo que não sabia definir, uma atração, vontade de tentar uma aproximação, mas ao mesmo tempo, tinha receio." (Claudia Fonseca)

 

***** 

"E foi dessa maneira que ele entrou na vida dela. Sem alarde, silenciosamente. Quando percebeu estava apaixonada." (Rosemary Timpone)

 

***** 

"Seus gestos eram sempre muito discretos. Era homem de poucas palavras. Vestia-se devagar todas as manhãs. Em cada cômodo da casa havia partes das suas roupas, cuidadosamente penduradas em diferentes armários. Mantinha as camisas enfileiradas impecavelmente engomadas. Todas em tons claros e penduradas na ordem de cores. A coleção de gravatas era organizada de acordo com a textura, cor e estampas. Os fatos eram guardados no último quarto, onde Odete, sua "mulher a dias" mantinha sempre aberta a tábua de engomar a ferro. Só no final, ele calçava os sapatos para que nesse vai e vem não causasse infalíveis ruídos naquele piso de madeira impecavelmente encerado por sua mulher que ainda dormia, sem perceber aquele ritual de todas as manhãs. Polidamente, ele envergava-se até sua mulher ainda sonolenta para o primeiro beijo do dia e, já perfumado, descia as escadas do quarto andar apressadíssimo para mais um dia e trabalho como jurista do ministério da educação."  (Lilian Silva)


*****

 "Ela ouviu a leveza desses passos e se assustou.

Uma imensa angústia tomou conta de si. Sua respiração ficou lenta, o coração disparou.

Havia algo estranho nesse silêncio. Pressentiu más notícias...em regra ele era diferente, pulsional, expressava sempre uma alegria incontida.

Já há muito percebia fatos, atitudes não comuns ...Sentia-o mais calado, suspirando. Sim, algo não ia bem.

Numa certa ocasião, encontrou-o com os olhos molhados, lágrimas escondidas, choro contido, que disfarçou com uma enorme gargalhada.

Mas ela sabia que era um disfarce.

Fez-lhe perguntas, convidou-o a conversar.

Nada...

Ele se aproxima e lhe entrega uma carta...Debruça-se para pegar uma pequena valise, gira seu corpo e vai em direção à porta, apenas dizendo...

- Leia a carta...Adeus!

Ela quase paralisada, sem ar, nada expressa a não ser um grito, quase um sussurro  ... fala: Por quê? Cai ao chão e chora copiosamente... Então era verdade.!"  (Ceci Lohmann)

 

***** 

Embora discreto e de poucas palavras, seus olhos falavam, e muito!

Com eles, fitou-me dizendo: "A partir de hoje, senhorita, serei o diretor desta empresa, e, certamente, irei contar com sua valiosa ajuda, como secretária.     

As referências que ouvi a seu respeito, levam-me a esta convicção."

Procurando não demonstrar meu nervosismo, respondi-lhe: agradeço-lhe, Doutor, a confiança em mim depositada e  tudo farei para não o decepcionar. Intimamente, porém,  perguntava-me: como permanecer oito horas diárias, ao seu lado, sem apaixonar-me por este homem? Com certeza, estou sentindo "amor à primeira vista", por esta voz, por estes olhos, por seu jeito discreto e fala mansa.   (Elenir Teixeira)

 

 *****

"De atitudes comedidas e fala mansa, aproximou-se do grupo que programava o evento. Ouviram seus argumentos e permaneceram calados, por um tempo." (Mariney Klecz)

 

 *****

"E nunca ela escutou tão alto um silêncio. Talvez fosse seu coração gritando, pois pressentia a força do impacto daquela suavidade sobre ela. Ele estava entrando assim, macio, discreta e polidamente, na sua vida para ficar." (Consuelo Ramos)

 

 *****

Usava um velho tênis com o tecido verde musgo puído, jeans rasgado, contrastando com o blazer chique e bem talhado.

 Antes de entrar no prédio da Câmara dos Vereadores do Rio, ficou rodando pela Cinelândia, mas não saindo de perto das escadarias, sempre olhando o relógio. Olhava em volta sem parar, como se estivesse aguardando alguém. Ao entrar, colocou o artefato que não usava há dois meses: a máscara azul PFF2. Aquela peça foi utilizada por ele até julho de 2022, mesmo tendo passado seis meses desde que a Prefeitura decidiu que não era mais obrigatório seu uso.

 A calma com que entrou na Câmara praticamente junto com um grupo de políticos e seus aspones o deixou quase invisível a quase todos, inclusive aos seguranças.

 Visível ele ficou apenas para Maria, que parou de olhar para um busto de um antigo político ao perceber sua entrada. A máscara deixava de fora aqueles olhos tristes que ela reconheceria em qualquer lugar. Salvador fora o único que a defendeu do forte bullying que sofria na escola estadual dez anos antes. Sim, é ele mesmo, suspirou ela, o jovem zelador que depois teve que ser transferido, devido às ameaças do grupo que a atacara. Nunca mais teve notícias daquele anjo.

 Ela passou a segui-lo com olhos de interesse. Ele estava bem diferente agora, com andar mais confiante. Não era só seu herói de outrora. Parecia decidido, firme. 

Salvador subiu as escadas para a galeria. Maria o seguiu pouco depois. A galeria estava repleta de professores com faixas de protesto num lado e de um grupo menor de apoiadores de um dos políticos no outro lado.

 Toca uma sineta, indicando que a sessão iria começar. 

 Salvador mete a mão dentro da bolsa de couro, mas interrompe seu ato ao perceber o olhar de Maria para ele. Ele tentava lembrar de onde a conhecia. Segundos depois, lembrou. Ela poderia ter aparecido seis anos antes, quando ainda não tinha conhecido e se apaixonado por Selena. Por que foi surgir justamente agora que está viúvo e decidido a cumprir sua vingança contra aqueles filhos da puta, responsáveis por sua desgraça?

 Mas o olhar de Maria o incomoda. Não que fosse um olhar acusativo – pelo contrário, era doce – mas não consegue mexer seu braço.

- Vamos dar início à sessão de hoje ....

Salvador não consegue escutar nada, as falas do presidente da Câmara, nem as vaias, aplausos e palavras de ordem na galeria.

- Silêncio na galeria ou teremos que expulsar todos!

Maria vai em direção a ele, que fica totalmente paralisado. Ela sorri e isso parece desarmar completamente Salvador, que se postava na primeira fileira de poltronas. Maria vai se desviando dos outros. Me dá licença, por favor. Licença. Licença – ela avançava e a distância diminuía. Estava agora a quase 3 metros. Salvador estava prestes a esboçar um sorriso. De repente, uma voz sobressai no alto falante. Acabou se acostumando a ouvir o dono da voz nesses quase quatro últimos anos, e há exatamente um ano, quando Selena morreu, a voz passou a machucar bastante seu peito, causando-lhe muita raiva. Aquele tom de deboche na voz e na gargalhada era inconfundivelmente incômodo para ele e detonou um gatilho em sua memória, fazendo-o lembrar o porquê de estar ali. Então, meteu novamente a mão dentro da bolsa e puxou um revólver de cano longo.

- ENFIA  A (inaudível) NO RABO, FILHO DA PUTA! – berrou ele.

A gritaria da plateia não nos permitiu identificar o que Salvador mandou enfiar no orifício anal. Após o grito, deu cinco tirambaços. Todos certeiros. Nenhum foi desperdiçado.

Esclareço que, quando souberam que eu relataria esses fatos, me orientaram a não dizer quem era o citado filho da puta. Disseram que identificá-lo poderia me causar problemas e eu poderia receber visitas indesejáveis de pessoas que já foram premiados com medalhas honoríficas da Câmara e Assembleia. O não identificado dono do cu que deveria receber o que Salvador gritou, foi atingido pelos dois primeiros petardos no meio da testa. Outro tiro certeiro atingiu um vereador que mexia no seu iPhone. Quem encontrou seu celular, disse que a página do whatsapp que estava aberta era identificada por “Priminho”. O quarto tiro acertou uma pessoa não identificada que rachava uma caixa de bombom bem chique com seus assessores. O último petardo atingiu um deputado de alta estatura que gargalhava de alguma piada preconceituosa daquele que estava a sua frente e recebeu os primeiros tiros.

Salvador olhou então novamente para Maria e, com um sorriso confiante nos olhos, em um segundo subiu na sacada e saltou para sua liberdade. Antes de estatelar nas cadeiras abaixo da sacada, conseguiu gritar:

- SELENA, FIZ POR VOCÊ!  

(Carlos Benites)

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