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12 de junho de 2021

Todos os Nomes: José Saramago




"Acho que, depois de 50 anos, o tecto, muito sério, lhe perguntou: "E agora, José, para onde?""

Não me lembro da resposta do Sr. José em “Todos os Nomes” além  do fato de ele achar muita petulância um tecto lhe ficar questionando as acções ou mesmo demonstrando solidariedade diante de suas hesitações. Isso porque não abordarei o Sr. José personagem da obra, mas o Sr. José que nasceu em mim a partir da leitura da obra, motivada pelo que postou uma Leitora, de que acha “notável quem entra com o personagem na obra e vive (a revelia do autor) os momentos como lhe convém; opina, discorda, sugere.”

A você, estimado visitante do nosso blog do clube de leitura, peço desculpas por não saber por que procedo dessa maneira absurda; “é por demais sabido que o espírito humano, muitas vezes, toma decisões cujas causas mostra não conhecer, sendo de supor que o faz depois de ter percorrido os caminhos da mente com tal velocidade que depois não é capaz de os reconhecer e muito menos reencontrar”. Assim, tais absurdos podem acontecer conosco, de forma semelhante ao horror das possíbilidades de ocorrências que Saramago revela em Todos os Nomes. 

Saramago enfim criou um personagem cujo nome ele conhece, não lhe tendo sido outorgado por um outro, desconhecido, mas pelo próprio criador, por si mesmo, se faz algum sentido dizer algo parecido. No romance em que a primeira advertência que nos direciona é de que conhecemos o nome que nos deram, mas não conhecemos o nosso nome verdadeiro, o autor finalmente decide dar nome a um protagonista de um livro seu e o chama Sr. José. Esse deve ser, então, seu verdadeiro nome, não o que lhe foi dado por terceiros. Ele deve se aproximar da pessoa ficcional a que seu nome corresponde, esse é o desafio feito ao leitor pelo autor que costuma deixar seus personagens anônimos em seus livros. Os demais nomes, se houvesse, poderiam ser misturados à vontade que não faria diferença, como faz o velho que o Sr. José encontra no Cemitério Geral, que mistura o nome dos finados para que esses ganhassem orações gratuitas de desconhecidos, ou o diretor de Todos os Nomes que suprime os muros que separam os vivos dos mortos, ou o Conservador que mistura todos os nomes no Registo Geral. 



Houve quem comentasse no Clube de Leitura que o Sr. José teria ganho um nome por ser o único personagem que conseguiu despertar sua própria alma num mundo em que tantos vivem sem jamais despertarem a sua. Ou ao contrário, que o Sr. José seja mesmo um maluco de pedra que ainda assim procuramos uma razão para admirar seduzidos pela alma do autor, que lhe instila lógica e propósito. Disseram …  “o Sr. José então despertou uma fantasia, pra poder manter a alma adormecida (cada um se defende como pode ...).” Ainda bem que ele era sensato o suficiente para não dispensar o fio de Ariadne que sempre o traria de volta à realidade não obstante suas fantasias.


Bem, fugindo um pouco do conteúdo e abordando a forma, transcrevo o comentário de uma Leitora sobre a capa de Todos os Nome: “é um trabalho geométrico - são tramas e relevos onde Arthur Luiz Piza (o artista que fêz a obra) arruma e desarruma suas colagens, desenhos ou gravuras... é um pequeno formato, que aproxima o espectador que quer visualizar melhor a obra” … e que a faz  “acompanhar o autor nos momentos de euforia, de alegria, de cansaço, rebeldia, submissão ou letargia, assim é...” Todos os Nomes.


 

3 comentários:

  1. Muito bom o comentário de Epa. Embora se perceba que ele caminhe por entre os arquivos e que ainda não tenha concluído seus pensamentos. Mas a julgar pelo início, termos um dos melhores comentários sobre esta obra realmente literária , carregada de significados.
    Desde já percebemos que o autor nos prende, ou melhor, nos conduz pelo fio de Atiadne de forma avassaladora. A frase e agora José? faz com que saltemos de Portugal para seu irmão de imediato: e agora Drummond , como largar este livro? A humanidade que impregna as dores de Josés , as nossas, seu humor, sua ironia (quantos sumiram dos arquivos antes do tempo, vide o período da ditadura!)cria teias de imediato a nos aprisionar deliciosa e torturantemente!

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  2. Meu primeiro Saramago foi uma experiência gratificante. O autor já começa a brincar conosco desde o título, "Todos os nomes", em um livro onde só há menção ao nome do Sr. José. Depois, como EPA bem colocou, os diálogos com o tecto são muito interessantes. O livro é curto, porém denso e levanta questões profundas sobre nossa natureza, a mediocridade da vida burocrática, a busca por um sentido que alimente a alma e a surpresa de identificarmo-nos, nós e o Sr. José, com quem, a princípio, é mais um na engrenagem e, ainda por cima, um importante, que lhe confere a direção.
    Tem também uma forma muito especial (achei superinteressante os diálogos sem travessão, pontos de intererrogação etc), deixando para o leitor saber que a fala era outra com uma simples letra maiúscula. Sui generis.

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  3. Concierge, parabéns pela exclente condução da reunião, que foi muito rica!
    O termo definitório do livro do mês, é um substantivo, que aliás esqueci na reunião rsrsr:
    o termo é BIFURCAÇÔES.

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