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29 de outubro de 2021

Sobre os ossos dos mortos: Olga Tokarczuk




"No passado tive um relacionamento íntimo com um protestante, que, por sua vez, fazia projetos de autoestradas. Ele me dizia, supostamente citando Lutero, que aquele que sofre, vê as costas de Deus. Ficava pensando se eram os ombros, ou as nádegas, e como seriam essas costas divinas, posto que nem sequer conseguimos imaginar a frente. Parece, então, que aquele que sofre tem um acesso especial a Deus, pela porta de serviço, é abençoado, concebe algum tipo de verdade difícil de se entender sem o sofrimento. Desse modo, mesmo que pareça estranho, apenas aqueles que sofrem são sadios. Acho que assim estaria de acordo. "

Preparado para a Reunião

Lugar ideal.
Lebres correndo  entre as plantas,
e o povo feliz.

Mágica donzela
atrás do sol, surge Vênus.
Fagulha de luz.

Nosso CLIC é o Éden.
Juntos, nós compartilhamos

(Palavras de Janina Dusheiko - Elenir)


Rota de fuga da Sra. Dusheiko


"Quando a vista se enganchava neles, minhas pálpebras tremiam: essas estruturas erguidas nos campos, nas divisas, nos confins da floresta, feriam os olhos. Em todo o planalto havia oito delas. Sabia isso com exatidão, pois lutava contra elas, como Dom Quixote lutava contra os moinhos de vento.(...)
Pag.48    Sobre o ossos dos Mortos



Scream & Yell - Provérbios do Inferno - de William Blake



Olga Tokarczuk defende o valor das mudanças no ousado "Correntes" | Diario de Cuiabá


Os jornais procuram nos manter num estado de desassossego permanente para manipular nossas emoções, desviar nossa atenção do que realmente importa. Por que deveria me submeter ao seu poder e pensar da maneira que eles obrigam a pensar?


Cidade de Klodzko


ESTILHAÇOS DA HISTÓRIA


Janina Duszejko, vive em um remoto vilarejo sem nome, onde, sozinha, está travando uma guerra contra seus vizinhos, que são caçadores. Vegetariana e militante aguerrida da causa dos direitos dos animais, Duszejko está aflita com o inexplicável desaparecimento de seus cães de estimação e padece de toda sorte de angústias físicas e mentais. Quando os vizinhos começam a aparecer mortos de maneiras improváveis – um engasga com um osso enquanto come um cervo que ele mesmo matou, outro cai em um poço abandonado –, Duszejko tenta convencer a polícia de que os próprios animais estão se vingando dos caçadores.


Neve no vale do Klodzko


“É um grande mistério como os desafios despertam em nós forças verdadeiramente vivificantes”.

“Acredito que cada um de nós vê o outro a seu modo, portanto tem o direito de chamá-lo da maneira que acha adequada e conveniente"



“Acho que a psique humana se constituiu para nos incapacitar de enxergar a verdade. Para nos impedir de ver o mecanismo sem obstáculos. A psique é nosso sistema de defesa — é responsável por não nos permitir entender aquilo que nos rodeia. Ocupa-se principalmente de filtrar as informações, embora as possibilidades do cérebro sejam enormes. Seria impossível suportar tamanho conhecimento, visto que todas as partículas do mundo, por menores que sejam, estão compostas de sofrimento. (P. 208)


Autora do SOBRE OS OSSOS DOS MORTOS


As pessoas são capazes de entender apenas aquilo que inventam para si mesmas e é com isso que se alimentam. 

Todos nós somos católicos em termos culturais, mesmo que não gostemos disso. (P. 211)

Eu não conseguia deixar de pensar que aqueles que usam a palavra "verdade", mentem. (P. 174) 

As pessoas em nosso país não possuíam absolutamente nenhuma capacidade de se associar ou constituir uma comunidade... É um país de individualistas neuróticos que, no meio de outras pessoas, começam a instruir, criticar, ofender e demonstrar sua indubitável superioridade.

Acho que na República Tcheca é completamente diferente. Lá, as pessoas conseguem conversar tranquilamente e ninguém discute com ninguém. Mesmo que quisessem, não conseguiriam, pois sua língua não serve para discutir. 


Chupa cabra

A senhora deveria saber que tudo o que podemos imaginar constitui algum tipo de verdade. 

(citando Blake)




William Blake: Biography offers glimpse into artist and poet's visionary mind - BBC News


Provérbios do Inferno


No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.
A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.
Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.
O verme partido perdoa ao arado.
Mergulha no rio quem gosta de água.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.
Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.
A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.
A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.
As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.
Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.
Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.
Nenhum pássaro se eleva muito, se eleva com as próprias asas.
Um cadáver não vinga as injúrias.
O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.
Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.
A loucura é o manto da velhacaria.
O manto do orgulho é a vergonha.
As Prisões se constroem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a glória de Deus. A fúria do leão é a sabedoria de Deus. A nudez da mulher é a obra de Deus.
O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora.
A raposa condena a armadilha, não a si própria.
Os júbilos fecundam. As tristezas geram.
Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.
O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
O sorridente tolo egoísta e melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que ejam flagelos.
O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.
A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.
A cisterna contém; a fonte derrama.
Um só pensamento preenche a imensidão.
Dizei sempre o que pensa, e o homem torpe te evitará.
Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade. A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha.
A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.
De manhã, pensa; ao meio-dia, age; no entardecer, come; de noite, dorme.
Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece.
Assim como o arado vai atrás de palavras, assim Deus recompensa orações.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Da água estagnada espera veneno.
Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais que suficiente.
Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!
Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.
O fraco na coragem é forte na esperteza.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar sua presa. Ao receber, o solo grato produz abundante colheita.
Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser.
A essência do doce prazer jamais pode ser maculada.
Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar seus ovos, assim o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.
Criar uma florzinha é o labor de séculos.
A maldição aperta. A benção afrouxa.
O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a Beleza; as mãos e os pés, a Proporção.
Como o ar para o pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível.
A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco.
A Exuberância é a Beleza.
Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso.
O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade.
Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos.
Onde o homem não está a natureza é estéril.
A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada.
É suficiente! Ou Basta.



A escritora costumava vir em Maio, num carro carregado até o teto de livros... Se eu a conhecesse um pouco menos, certamente leria seus livros. Mas por conhecê-la, tinha medo de os ler. Era possível que eu me achasse neles, descrita de uma forma que não poderia entender? Ou os lugares que amo seriam totalmente diferentes do que são para mim? De alguma forma, as pessoas como ela, que dominam a escrita, costumam ser perigosas. Logo, levantam suspeitas de falsidade - que não são elas mesmas, mas um olho que está sempre observando, e transformando em frases tudo que observa; assim retira da realidade a sua qualidade mais importante - sua inexpressividade. 



Enquanto olhava para o planalto e sua paisagem em branco e preto, entendi que a tristeza é uma palavra importante na definição do mudo. Constitui a base de tudo, é o quinto elemento, a quintessência. 



Não compartilho dessa sua confiança nas autoridades. É preciso fazer tudo sozinho.



Oração pelos falecidos


Era difícil conversar com Esquisito. Ele falava muito pouco, e se não podíamos trocar ideias, era preciso ficar em silêncio. É difícil conversar com certas pessoas, particularmente homens. Tenho uma teoria a respeito disso. A partir de certa idade, muitos homens desenvolvem autismo de testosterona, que se manifesta lentamente como uma deficiência de inteligência social  e da habilidade de comunicação interpessoal que compromete a formulação de ideias. Um ser humano atacado por essa moléstia torna-se taciturno e parece imerso em seus pensamentos. Mostra-se mais interessado pelas diferentes ferramentas e maquinarias. Sente-se atraído pela Segunda Guerra Mundial e por biografias de pessoas famosas, geralmente de políticos e malfeitores. Sua capacidade de ler romances desaparece quase por completo, pois o autismo de testosterona interfere no seu entendimento psicológico dos personagens. Acho que Esquisito sofria dessa moléstia. 


Alguns cães costumam ser bobos, 

assim como as pessoas. 


Desenrolei cuidadosamente as grevas repulsivas e vi os seus pés. Fiquei surpresa. Sempre tive a impressão de que os pés são a parte do corpo mais íntima e pessoal, e não os genitais, ou o coração, nem mesmo o cérebro — órgãos insignificantes e supervalorizados. É nos pés que se encontra todo o conhecimento sobre o ser humano, é para lá que flui todo o sentido fundamental daquilo que realmente somos e de como nos relacionamos com a terra. Todo o mistério — o fato de sermos compostos de elementos da matéria e, ao mesmo tempo, estranhos a ela, isolados — jaz no contato com a terra, em sua ligação com o corpo. Os pés são nossos pinos da tomada. Contudo, nesse momento, esses pés nus eram, para mim, a prova de sua estranha ascendência. Não podia se tratar de um ser humano. Devia constituir uma forma inclassificada, uma daquelas que, como disse Blake, dissolvem os metais em vastidão, transformam a ordem em caos. Talvez ele fosse uma espécie de demônio. (pág. 15,16)


Trecho do livro


"Quando íamos dormir, embalados pelo vinho, eu e Boros nos abraçamos de gratidão por essa noite. Depois eu ainda o vi na cozinha tomando seus remédios e bebendo água da torneira. Pensei que era um homem muito bom, esse Boros. E era bom que ele tivesse suas próprias moléstias. A saúde é um estado incerto e não pressagia nada de bom. É melhor viver tranquilamente doente, assim pelo menos sabemos qual será a causa de nossa morte. Veio ao meu quarto no meio da noite e ficou de cócoras junto da cama. Eu estava acordada. — Está dormindo? — perguntou. — Você é religioso? — tive que lhe fazer essa pergunta. — Sim — respondeu com orgulho. — Sou ateu. Pareceu-me interessante. "




Um comentário:

  1. Estive presente a essa reunião on line. Não apareci aí por quê?
    Elô rsrs

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