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15 de abril de 2021

A peste: Albert Camus

*Publiquei há um ano, nem podia imaginar que a pandemia ia se estender por tanto tempo e que chegaria a matar 4 mil por dia. A literatura como fonte de reflexão sobre a vida concreta.  "Literatura é mimese, é a arte que imita pela palavra".* 

A PESTE

Sobre a frieza dos números e a natureza das mortes anônimas. Provavelmente, quando se perde um ente querido, essa perda tem mais força e significado que a morte de dez mil anônimos. E essa constatação nos faz compreender um bocado de indiferença aos mortos que tombam por aí, vitimados pelo vírus pestilento da vez. Deixo abaixo um fragmento de "A peste", de Albert Camus, que estive relendo nesta tarde. 

"Ele procurava reunir no seu espírito o que ele sabia sobre a doença. Números flutuavam na sua memória e ele dizia a si mesmo que umas três dezenas de pestes que a história conheceu tinham feito perto de cem milhões de mortos. Mas o que são são milhões de mortos? Quando se fez a guerra, já é muito saber o que é um morto. E visto que um homem morto só tem significado se o vemos morrer, cem milhões de cadáveres semeados ao longo da história esfumaçam-se na imaginação. O médico lembrava-se da peste de Constantinopla, que, segundo Procópio, tinha feito dez mil vítimas em um só dia. Dez mil mortos são cinco vezes o público de um grande cinema. Aí está o que se deveria fazer. Juntar as pessoas à saída de cinco cinemas para conduzi-las a uma praça da cidade e fazê-las morrer em montes para se compreender alguma coisa. Ao menos se poderiam colocar alguns rostos conhecidos nesse amontoado anônimo."

A peste, Albert Camus, edição vira-vira da Saraiva, p. 39-40.


Antonio R

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