E
então era dezembro, como sempre era dezembro depois do trigésimo dia de
novembro, que como sempre acontecera depois de outubro. É, era dezembro
como no mínimo vinha sendo dezembro por alguns tantos quase dois mil
anos - um tempo maior que a eternidade para quem não era muito mais que
um projeto de gente de uns poucos anos, aos quais tão logo juntaria mais
um. Sim, pois como o Jesus do berço de palha que depois crescera e se
encarrapitada sobre a bandeira da porta da sala de visitas da casa da Vó
Neném , também eu, menina pequenina, era de dezembro, como de dezembro
era minha outra a Vó, a Betina, que era do dia seguinte. Que dia
seguinte? Ora, do Natal, naturalmente.
...e se passou muito tempo até que eu me desse conta de que Natal era aniversário de Jesus...
Naquele
tempo ninguém falava disso, nem tampouco o Natal começava ontem: Natal,
quando eu era pequena, era dia 25, a manhã do dia 25. A gente adormecia
ontem e, pela manhã, com sorte, encontrava um - quase nunca mais que um
- pacote, cujo conteúdo às vezes aproximava-se do desejo.
E o desejo era muito particular: um segredo entre eu e o menino.
E
não sei de onde partia a escolha do tal presente especial, recompensa
por todo um ano de obediência e bons modos que haveria de chegar naquela
tal manhã especial.
Assim
era dezembro, a um só tempo mês de alegre expectativa de festa e de
arrependimento pelas pequenas má-criações e maldades ainda menores
porventura praticadas, que, para os adultos eventualmente pudessem por
um momento ter sido motivo de alarde e censura - às vezes até uma
palmada, um puxão de orelhas - não passavam de traquinagens sem
consequência. Para mim, muito ao contrário, eram razão de profunda
reflexão e recriminação.
Ah!...
por que eu não deixara quieto o gato ao invés de lhe ter puxado o rabo
quando dormia ronronando mansinho no canto da cozinha? por que sacudira o
galho da mangueira para pegar a manga madura que eu não alcançava se eu
sabia que o Vô Chiquinho não gostava porque fazia cair também as mangas
verdes? e - grande pecado! - por que negara a Vó Neném a tampinha da
laranja que ela descascara para mim?
AH!... quanto remorso sentia o meu coraçãozinho apertado no peito!... e quanto medo de não receber nenhum presente no Natal!
Pois é. Na realidade o remorso não era bem aquele do ter feito: o remorso era pelo efeito do ter feito.
E
vinham as promessas solitárias para o ano seguinte. Promessas de não
fazer e outras de remediar. O gato poderia dormir quieto quantas vezes
quisesse, onde quisesse, por quanto tempo quisesse. Puxar-lhe o rabo?
nunca mais! As mangas poderiam apodrecer no pé, eu é que não iria
sacudir galho mais nada. E minha avó? Esta passaria a chupar todas as
tampinhas de todas as laranjas - mesmo aquelas que eu mesma descascasse.
E
sei lá se eu não rezava umas não sei quantas rezas truncadas, por que
rezar não sabia direito. Às vezes até pensava rezar e pedir perdão de
joelhos nos caroços de milho como eu havia visto a Santa Terezinha da
peça do circo fazendo... mas voltava atrás porque achava que eu não era
nem seria nunca santa mesmo.
Por
tudo isso, e mais o fim do ano escolar - que nem era meu, mas da escola
da minha mãe que era a ela muito dedicada - meu aniversário, que era a
dezesseis, passava meio atropelado. Não entendia por que - já que havia
um tal Papai Noel responsável por trazer de algum lugar o tal presente
especial e parecia que ninguém precisava pagar por ele - meus pais
diziam que não podiam gastar muito com festas para mim porque já, já,
seria Natal e tudo custava muito caro para o dinheiro pouco. Eu não
entendia nada. Para mim gente grande era mesmo um pouco doida. Afinal,
por que tinham que gastar dinheiro para me dar uma coisa que eu é que
teria que pagar com “boa-mocisse” e bom comportamento?
Caro
ficava era para mim que além de ter que barganhar com Jesus meus
pecadilhos, ainda ficava meio sem festa de aniversário e meio sem
presente.
Mas
nada disso importava: eu adorava ser de dezembro. Só não gostava que
fosse tão quente. Mas isso é coisa que nunca entendi porque.
Não
me lembro de presépios nem de árvores de Natal nas casas que eu
freqüentava na minha infância. Lembro sim o enorme presépio armado na
Catedral de São João Baptista, onde tudo se mexia. Acho que até o Menino
Jesus mexia as perninhas enquanto a vaquinha balançava a cabeça. Tinha
tudo no Presépio. Um bando de bonequinhos: uns, muito bem vestidos em
seda e dourado que seriam os Reis Magos, uns outros vestidos com
simplicidade diziam-me ser os pastores - o que não me incomodava, pois
eu não estava nem aí para as tais ditas diferenças sociais. Eu gostava
mais era de ficar olhando a mulher fiar a roca, o carpinteiro bater o
martelo, o moinho ser tocado pela água do riachinho que nunca parava de
correr.
E
havia que preparar as comidas especiais. Na casa do Vô Chiquinho,
português, não podiam faltar castanhas, rabanadas ao vinho, rabanadas
ao leite ( que a minha avó nunca me deixava de dar uma assim que
pronta pois sempre gostei delas quentinhas, com bastante açúcar e
canela) e o bacalhau de primeira, do Porto como convinha, regado ao
melhor azeite da Terra, e ao bom vinho tinto da mesma procedência.
Isso
tudo aí em cima era para o almoço de 25, pois que, como já disse, no
meu tempo de menina nem se falava em ceia de 24. Muito menos de
presentes de véspera. Na véspera, ouvia dizer, algumas pessoas iam a uma
tal Missa do Galo, que eu em minha santa ignorância infantil, matutava:
o que poderia fazer um galo dentro de uma igreja, durante uma missa,
mais do que cacarejar atrapalhando o padre ou soltar porcarias pela
nave.
Aniversário a 16?Parabéns, minha querida. Não vou desejar-te mais coisas boas,porque se não estraga.Você já tem tudo que se pode ter:uma família linda, um cão seu amigo,um grande amor no coração, amigos que a admiram e escreve bem demais! Também é "assim" (dedinhos juntos)coma poesia.Ela não sai do seu lado. E que beleza esse seu texto! A gente valoriza ainda mais o que já teve ou tem.O CLIc te admira e você é nossa!
ResponderExcluirElô
Ilnéia!
ResponderExcluirPois,pois...então voce aniversaria hoje e nos dá de presente este belo texto!
Que texto!Através das palavras, vou visualizando as cenas,e descobrindo aquela pequena menina,observadora,inocente, registrando na memória ,o que iria transfoemar em palavras e sentimentos!
Parabens! Ceci
Muitos parabéns a nossa querida Ilnéa! Adorei o texto.
ResponderExcluirQue texto bonito, simples, expressivo, que conta de de uma criança que todos nós fomos um dia.
ResponderExcluirSua alma, minha amiga querida, será eternamente jovem pois sabe expressar com emoção e ternura os sentimentos de uma infância que permanece bem cuidada na sua mente...
Saúde, paz, boas energias e muitas alegrias por mais um aniversário. Parabéns!!!
Parabéns pelo seu dia especial (16/dez)!!
ResponderExcluirTexto lindo!
Beijos, Patrícia