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26 de dezembro de 2019

Um natal esbecial: Maria Luiza Salomão

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Quando pequenina, ganhava presentes em duas ocasiões, apenas duas: uma no meu aniversário e outra no Natal. Longa espera pelos presentes, o que os fazia especiais. No dia a dia, a gente criava brincadeiras, improvisava mamadeiras de boneca com vidros de remédio; comidinha de barro em fogão inventado; maré; cantorias; passa-anel; pula corda; esconde-esconde; queimada...
Tempo de sobra para invenções e improvisos.
O cheiro de coisa nova, que emanava dos brinquedinhos especiais, era inesquecível, porque raro. Era assim também o material escolar no início do ano. Cheirinho de posse, ritual de iniciação.
A casa no Natal era outra – os enfeites, as luzinhas da árvore, tudo muito colorido, vermelho, dourado, prateado. O presépio conferia significados: alimentava narrativas e devaneios .
A roupa de festa: especialidade natalina. O aroma que se espalhava pela casa o dia todo, como esquecer? Pernil, ou lombo de porco. Uma farofa doce, que agradava uns e não outros. Então, farofa salgada. Um frango assado no forno de casa era totalmente outro. Cada família nos preparos de comidas outras. Castanhas só nesta época, assim como a caixa de uvas Niagara, roxinhas e brancas. Dia de Natal era dia de comida feita em casa, comida um tanto sagrada.
Abrir os presentes depois da meia-noite. Dia de dormir tarde... ver a noite escura, chuvosa ou radiosa com lua espalhando mistérios perfumados. Noite de galo, Noite única. Em algum momento eu era capaz de pensar no menino Jesus, e no aconchego de seus pais a rodeá-lo, na manjedoura. Eu estava aconchegada solenemente – roupa, comida, reunião dos seres mais queridos e íntimos – tudo outro.
Vivia o natal no mistério.
Meu pai brincava que tinha meias para duas gerações (ele sempre ganhava meias no natal). Era inventor de brincadeiras natalinas, acabávamos esquecendo das badaladas da meia-noite, dos presentes, de tudo: éramos nós.
Neste Natal, não decorei a casa, comprei livros para quem me é significativo, e vou ter uma ceia simples, gostosa, sem fartura, com a família querida próxima (o filho estará conosco, de modo único, outro, forte!).
(meu pai me fará rir muitas vezes, em espírito. Ele continua me dizendo: um natal esbecial).
Quero me concentrar: será um natal válido para o ano inteiro: sem excessos, com a família sagrada no meu coração. No entanto, tudo esbecial:
- A árvore é viva, o presépio é vivo, o amor cultivado vivo o ano inteiro. Amém.


2 comentários:

  1. Eu amei o texto! Muito emocionante e caracterizador do natais já vividos por muitos.Mas a troca do m pelo b, faz muita diferença.A época em que havia o coração aberto ao irmão vindo de mais longe! Tomara nosso país não perder o coração aberto aos que vêm de longe...Sejamos brasileiros de novo, hospitaleiros! Feliz NATAL! Paz na terra!

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  2. Lindo texto. Um povo tão diferente, mistura de tantos outros povos mas, ao mesmo tempo, tudo tão igual. Dizem que os amigos são a nossa memória complementar. Lembrava do caixote de uvas mas apesar dos esforços não lembrava do nome:
    - Niagara. O desenho curvo e os encaixes do roxo com o verde me levava, nem sei o porquê, às calçadas do Leme onde morava uma tia. Papai costumava presentear tais uvas.
    Eis a ligação! Encontrei aqui.
    Somos um povo hospitaleiro, solidário, uno.
    Alemães, italianos, espanhóis, portugueses, japoneses, a partir da primeira geração, somos todos brasileiros!
    Feliz 2019!!!

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