Em entrevista exclusiva ao Blog do CLIc, o escritor niteroiense – veterinário, advogado e megulhador submarino – topa mergulhar em profundezas sombrias do bicho-homem
Por Newton Barra
para o Blog do CLIc
Carlos José Rosa Moreira, ou simplesmente Carlos Rosa,
poderia ser apenas mais um morador de Niterói, RJ, filho desta pátria mãe
gentil há 57 anos. Poderia ser apenas mais um veterinário, a cuidar dos
bichinhos domésticos das famílias e dos solitários, ou mais um advogado a penar
(e sobreviver) com os conflitos humanos – aqueles reais, mesquinhos ou justos,
nos quais ninguém está livre de se envolver. Mas Carlos Rosa, além de suas
atividades profissionais (atualmente é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça), resolveu a certa altura da vida lidar com as emoções
e conflitos do bicho-homem através da literatura. Tornou-se escritor. E, desde
o primeiro livro – a coletânea de contos “Gritos do tempo”, lançado em 2002 –,
mergulha fundo na alma humana, com o mesmo prazer e destemor com que, desde os
14 anos e até recentemente, mergulhava em mares bravios em busca de peixes,
outra paixão marcante em sua vida.
Seus livros publicados são: “Gritos do tempo”, 2002,
contos; “Da janela do trem”, 2003, contos; “Brisas, marolas e rajadas de vento
sul”, contos, 2005; “Amanhã de manhã, em frente ao cinema, em Icaraí”, 2007,
contos; e “A montanha, o mar, a cidade”, 2010, crônicas. Pretende publicar um
novo livro ainda este ano. Será de contos e se chamará “Histórias da noite”. Adianta que haverá no livro duas “noveletas”, “Eugênia” e “A casa dos gritos”.
Nesta entrevista, exclusiva para o Blog do CLIc, Carlos
Rosa topou mergulhar em algumas questões profundas e sombrias. Confira abaixo.
ENTREVISTA
CLIc – Como surgiu a
paixão pelo mergulho, pela caça submarina?
Carlos Rosa – O mergulho foi uma das paixões da minha vida. Aos 8 anos ganhei uma
máscara “Italianina”, comprada na Casa da Borracha. Era igualzinho à máscara do
meu herói, o Mike Nelson das “Aventuras Submarinas”, sucesso no início dos
sessenta, o ator era o Loyd Bridges, mergulhador de verdade e dos bons. Aos 14
anos comecei a caçar peixes, e nunca mais parei. Cheguei a dar uma parada na
faculdade para ficar caçando e vendendo peixe. Faz pouco, bem pouco, parei de
caçar. Mas, de vez em quando, o mar lança uns perfumes em cima de mim e sinto
uma vontade quase irresistível de buscar as profundezas. Mas fiquei de coração
mole, passei a ter pena dos peixes, apesar de ser uma pena meio cabotina, pois
adoro degustá-los. São quase cinquenta anos de mergulho no mar.
CLIc – O que te levou a mergulhar na literatura? Ou, dito de outra forma, o que há em comum nos livros que publicou?
Carlos Rosa – Meus livros de contos foram experimentais. Experiências que fiz e
tornei públicas. Há em cada um deles o impulso de escrever, a observação, a
memória, a pesquisa sobre os sentimentos humanos. Os dramas, as transformações
da vida, a realidade. Minhas histórias são comuns e poderiam ser dramas reais.
E em tudo há o tempo, esse personagem que me fascina. Às vezes ele pode saltar
aos olhos, como em “A casa dos gritos”; outras vezes ele passa oculto, mas está
sempre lá. Sou fascinado pelo tempo, perpassa tudo que escrevo. O que me levou
a mergulhar na Literatura? A necessidade de escrever. De passar para o papel
minhas observações e meus sentimentos com o mundo a minha volta. Sou um
escritor, bom ou ruim é isso que sou. E como disse Hemingway: “um escritor tem
de escrever”.
CLIc – O que é mais
misterioso ou perigoso: o fundo do mar ou a alma humana?
Carlos Rosa – A alma humana é mais misteriosa. É verdade que todo ser humano teme
o mar. Acho que não fomos feitos para morrer nele. Temos um terror ancestral da
fúria do mar e das criaturas ferozes que o habitam. Tudo no mar agride, queima,
espeta, morde, arranha, devora, arranca pedaço. Mas são perigos palpáveis,
sabemos que estão lá e que são coisas do mar. A alma humana assusta porque
surpreende. Por trás de doces olhos podem habitar seres inimagináveis, mais
ferozes e perigosos do que uma previsível fera marinha.
CLIc – O que há de sombrio
na alma humana, na sua opinião? Para você, a literatura joga alguma luz sobre
essas áreas escuras?
Carlos Rosa – O que há de sombrio na alma humana... Talvez o fato de estar sempre
a um passo da barbárie. Ou a terrível capacidade de explorar as desgraças e as
dores de outras almas, de torturar os semelhantes e retornar ao comum dos dias
como se tudo fosse muito normal. A Literatura e todas as outras formas de arte
jogam luz sobre a escuridão. Mas a sociedade em que vivemos exige e oferece
certas coisas, e uma delas é o consumo. Exige consumir. Consumir faz o sujeito
subir de classe. Mas essa sociedade embota o homem, tira-lhe a capacidade de
ver e dá-lhe uma visão única, mesquinha e vazia. Para perceber a luz que as
artes oferecem, é preciso aprender a desver, para depois aprender a ver. A
classe C que está conhecendo as delícias do consumo quer ir a Paris ver a Mona
Lisa, pois assim ensina a novela das oito; as classes A e B que vão a Paris,
também querem ver a Mona Lisa, pois é assim que ensina a última moda e é
preciso estar up to date. A ignorância da primeira e a arrogância da segunda se
curam quando aprendem a desver e a ver, somente então verão a luz que as artes
emitem. É preciso ser especial para perceber essa luz.
CLIc – Em alguns textos
seus a decadência física dos personagens anda lado a lado com a frustração com
os relacionamentos ou com a vida em geral. Há relação entre estas duas
situações, o físico e a vida em volta?
Carlos Rosa – A decadência física é tão natural quanto a morte. É a nossa vaidade
extrema que nos faz temê-la. Ninguém deveria lamentar a decadência física,
apenas tratá-la. Seremos todos decadentes se nos compararmos a nós mesmos de
anos anteriores. E essa comparação, apesar de corriqueira, é grande besteira.
Olho o meu corpo de vinte anos atrás, quando mergulhava uma manhã inteira
abaixo dos 15 metros
para matar peixes e ficava seis horas nadando sem parar, praticava judô e
karate durante horas e caminhava dias seguidos pelas montanhas pendurado em
cordas. Olho para mim agora e vejo um velho. E gosto do que vejo. Pois é claro
que sou velho, o tempo passou e continua a passar, amanhã serei mais velho do
que hoje por mais produtos que passe na cara e no corpo. Mas sou um velho
vivido. Lamentável é o medo de viver, de se lançar, e depois descobrir isso
quando muito tempo já tiver passado. Porém isso também tem remédio “se a alma
não for pequena”. Sou consciente dessa decadência e a encaro naturalmente.
Escrevo sobre isso porque acho o normal da vida. Um homem como o personagem Dirceu
é a coisa mais comum. Permanece o desejo no corpo corroído pelo tempo.
Permanecem desejos reprimidos, querências nunca atingidas, almas inquietas
aprisionadas em corpos pacificados pelo tempo. Tudo isso é tão comum. Esses dramas humanos, realmente, me fascinam.
CLIc – Os personagens
"perdidos" ou sombrios são mais atraentes para o escritor do que os
personagens chamados "normais"?
Carlos Rosa – Certa vez, a respeito do meu conto ou noveleta “A casa dos gritos”
(estará no próximo livro) um amigo, crítico e excelente escritor, disse:
“Carlos, não gostei, em Literatura não existem finais felizes”. É uma opinião.
Acredito que na Literatura, no cinema, o perdido, o sombrio, o louco, o
enigmático, o tenso atraem mais do que os ditos normais. Cada um deles tem um
mundo próprio, com consequências estranhas e inesperadas. São esses tipos que
fazem o mundo andar. Só que esses tipos exprimem apenas o homem, aquilo que
somos mesmo mas gostamos de ver como personagens, pois precisamos estar a salvo
de nós mesmos. E é isso que o escritor põe no papel. Escritores nunca foram
considerados muito normais neste mundo onde todos querem a mesma coisa.
CLIc – Afinal, o que for
que possa ser visto como repugnante num texto literário chega aos pés do que há
de repugnante na vida?
Carlos Rosa – Talvez a vida sempre surpreenda a Literatura. Mas Literatura se
constrói de vida e a devolve ao leitor, caso ele só tenha visto a vida passar.
Então a Literatura será guia, memória, história, registro, além de várias
outras coisas. Coisas podem ser repugnantes em ambas, vida e Literatura, pois
ambas podem ser uma só coisa. Repugnante é não indignar-se e não revoltar-se
com a exploração da miséria, com o desperdício de vidas. O escritor é sempre
indignado e revoltado.
CLIc – Por último: há leitores
repugnantes?
Carlos Rosa – Gosto de todos os leitores, mesmo daqueles que não gostam de mim,
desde que sejam leitores contumazes e atentos e que não se deixem contaminar
com qualquer comentário ou crítica, que tenham personalidade. E de leitores há
muitos, inclusive repugnantes.
Excelente ideia essa da entrevista, ótimas perguntas e respostas.Muito bom mesmo ver o dinamismo que o blog do Clic vem ganhando. Compartilho de muitos pensamentos do Carlos, sobre o tempo, os mistérios da alma humana,a repugnância. Quanto à decadência, porém, eu discordo um pouco.
ResponderExcluirUma pintura de entrevista! Ou será que gostei porque estou me tornando um leitor repugnante por contágio com os contos e crônicas de Carlos Rosa?
ResponderExcluirMuito bom conhecer um pouco mais sobre a vida e o pensamento do autor. Fica ainda melhor ler seus livros!
O livro "A Montanha, o Mar, a Cidade" do autor está a venda no CLIc (R$ 25,00). Peça pelo email conciergeclic@gmail.com
[ ]
Estamos a um passo da barbárie e a dois passos do paraíso. Por isso é mais fácil se acabar nos quintos do inferno!
ResponderExcluirRegiane
Que grande surpresa prezados Newton e Carlos. Uma entrevista que é um verdadeiro texto literário. Parabéns, Newton, ótima pauta, boas perguntas. Parabéns, Carlos, ótimas respostas. Parabéns também ao CLIc por nos proporcionar, como bem lembrado por Rita, todo esse dinamismo e diversidade de conteúdos.
ResponderExcluir"Em literatura não há finais felizes"... Esta sentença do amigo do Carlos... vocês concordam?
ResponderExcluirExcelente entrevista!Séria, profunda.Mas aproveitando o espaço, Carlos , gostaria QUE NOS DEFINISSE MELHOR O QUE SERIA barbárie em termos de SER, DE ALMA? o QUE SERIA ALMA?rs
ResponderExcluirAbraços.
Alma está por ser humano. Isso é o que eu quis dizer dentro da pergunta. Traduz-se por: o ser humano está sempre a um passo da barbárie, por mais civilizado que pareça.
ResponderExcluirAbraços.
Carlos.
Newton, a sentença não é minha.
ResponderExcluirCarlos.