Oi. Eis algumas dicas. Dá uma olhada e vê se aproveita algo.
Entra na versão on-line do curso do Kepler (http://astro.if.ufrgs.br/)
e seleciona o link Astronomia na Antiguidade
(http://astro.if.ufrgs.br/antiga/antiga.htm). Acho que isso te
ajuda a montar um relato histórico e sociológico agradável. Dependendo
de como você quiser focar sua apresentação, há várias outras sessões,
que podem te servir como guia: Constelações, Estações do Ano, Medidas
do Tempo, Fases da Lua, etcetera.
O livro sobre o qual te falei é:
Além do Fim do Mundo: a aterradora circunavegação de Fernão Magalhães
(Over the edge of the world - Magellan´s terrifying circumnavigation
of the globe)
autor: Laurence Bergreen
Dá para incluir este no Clube da Lua.
O texto abaixo fala um pouco sobre astronomia de navegação. No link do
livro há imagens associadas
(http://www.on.br/revista_ed_anterior/junho_2005/conteudo/devo_ler/devo_ler.html)
O que a astronomia tem a ver com o relato da aventura de Fernão de Magalhães?
Na época de Fernão de Magalhães a grande aventura do ser humano era
viajar por "mares nunca dantes navegados". Ao realizarem suas viagens
de descobrimentos os navegadores não tinham a menor idéia do que iriam
encontrar "além do fim do mundo", e era necessário registrar o seu
curso de alguma maneira. Um dos maiores problemas para os pilotos dos
navios era como se orientar naquele mar imenso. Por mais que isso
pareça trivial hoje em dia com o auxílio de satélites, GPS e as mais
completas cartas náuticas, nos séculos XV e XVI a navegação era feita
exclusivamente com o auxílio da astronomia, com a observação da
posição dos astros. O conhecimento astronômico foi fundamental para
que as grandes navegações pudessem ser realizadas.
No entanto, havia um delicado problema astronômico que deveria ser
superado. Para saber a localização exata de um navio sobre o globo
terrestre, os navegadores precisavam de duas coordenadas, a longitude
e a latitude. Uma delas, a latitude já era calculada com precisão. No
entanto, havia um sério problema: como podemos determinar a longitude
de um ponto qualquer sobre o nosso planeta?
A descoberta de como determinar a longitude de uma região sobre a
superfície da Terra desafiou os pesquisadores por muitos anos.
Descobrir a sua longitude, a leste ou oeste, e não colidir com
rochedos era uma tarefa impressionantemente difícil naquela época. A
única maneira possível de fazer essa determinação exigia que o piloto
do barco conhecesse o tempo em Londres, por exemplo. No entanto,
manter o tempo precisamente medido a bordo de um navio em movimento
era dificílimo pois os únicos relógios que eles possuiam eram de
pêndulo, o que exigia uma base estável para manter sua precisão. O não
conhecimento da posição do navio levava a constantes tragédias
náuticas. Por exemplo, às oito horas da noite do dia 22 de outubro de
1707 o navio de guerra inglês HMS Association colidiu com rochedos
submarinos e foi a pique em apenas quatro minutos. Seus 800
marinheiros morreram, inclusive o Almirante Cloudesley Shovel (ou
Clowdisley Shovell como ele preferia ser chamado) (1650-1707),
comandante-em-chefe da marinha inglêsa. Consternada com esse fato, a
rainha Anne (1665-1714) da Inglaterra promulgou o "Longitude Act" no
qual era prometido um prêmio de 20000 libras (o equivalente a 12
milhões de dólares hoje) a qualquer um que conseguisse determinar com
precisão a longitude no mar. Inacreditavelmente, foi um carpinteiro
inglês que, após trinta anos de pesquisa, resolveu esse problema.
John Harrison (1693-1776) (imagem ao lado) conseguiu construir
relógios que podiam manter uma grande precisão no mar, a bordo de
navios que balançavam fortemente durante suas viagens. Isso permitiu
que a longitude pudesse ser determinada a qualquer momento durante uma
viagem marítima. Embora o relógio desenvolvido por Harrison tenha sido
testado em várias viagens, dando resultados impressionantemente
precisos, o Board of Longitude, órgão responsável pelo prêmio,
recusou-se a concedê-lo ao descobridor alegando que "tudo não passava
de uma grande coincidência". Somente em 1773, com a intervenção do rei
da Inglaterra, George III, que ameaçou ir pessoalmente ao Board exigir
o prêmio para Harrison, é que ele foi concedido. No entanto, o
"cronômetro naval" desenvolvido por Harrison era muito caro e poucos
navios o possuiram por várias centenas de anos após a sua descoberta.
A longitude descreve a localização de um ponto na superfície da Terra
localizado a leste ou oeste de uma linha norte-sul chamada de Primeiro
Meridiano. A longitude é dada como uma medição angular que varia de 0o
no Primeiro Meridiano até +180o se nos deslocarmos para leste e -180o
se nos deslocarmos para oeste. Ao contrário da latitude que tem o
equador como posição natural de início de contagens, a longitude não
tem esse ponto de partida natural. Embora os cartógrafos inglêses
tenham usado o meridiano que passa pela cidade de Greenwich como base
para suas medidas, isso não era aceito por muitos outros países.
Várias outras cidades, tais como Ferro, Roma, Copenhagen, Jerusalém,
São Petersburgo, Pisa, Paris e Filadélfia, eram usadas como marco de
longitude 0o. Somente em 1884, na International Meridian Conference, é
que os países decidiram adotar uma única referência para as medidas de
longitude: o meridiano de Greenwich passou a ser o primeiro meridiano
universal.
A longitude de um ponto sobre a superfície da Terra pode ser
determinada calculando-se a diferença temporal entre a localização do
ponto e o chamado Tempo Universal Coordenado (Coordinated Universal
Time - UTC). Como o dia tem 24 horas e existe 360o em uma
circunferência, o Sol se desloca 15o por hora (360o/24 horas = 15o por
hora). Assim, se a zona de tempo em que uma pessoa está fica três
horas a frente do UTC, aquela pessoa está próxima à longitude de 45o
(3 horas x 15o por hora = 45o). Dizemos que a pessoa está "próxima"
porque sua localização pode não estar exatamente no centro da zona
temporal. Além disso as zonas temporais foram definidas politicamente
de modo que seus centros e contornos frequentemente não estão situados
em merianos múltiplos de 15o. Entretanto, para realizar esse cálculo
uma pessoa precisa ter um cronômetro que marque o UTC e precisa
determinar o tempo local por meio de observações solares ou
astronômicas. Se você estiver interessado em saber mais sobre de que
modo foi descoberta a maneira de calcular a longitude consulte o livro
"Longitude: The True Story of a Lone Genius Who Solved the Greatest
Scientific Problem of His Time" de Dava Sobel, editado pela Penguin
Books (ISBN: 0140258795).
O problema de orientação em alto mar se agravava mais ainda quando os
navios singravam as águas desconhecidas do hemisfério sul. Nessa
metade da "bola", ao contrário do que ocorria no hemisfério norte, não
existia uma "estrela Polar", a estrela que fornece a (quase) exata
localização do Pólo Norte. No hemisfério sul não existe uma estrela
brilhante que marque exatamente a posição do Pólo Sul. No entanto, ao
atingirem latitudes situadas cada vez mais ao sul do equador terrestre
os navegadores puderam conhecer novas estrelas e associá-las a novas
constelações. Entre essas constelações eles logo notaram o marcante
Cruzeiro do Sul que pode dar uma orientação aproximada da localização
do Pólo Sul terrestre.
A constelação do Cruzeiro do Sul já era conhecida bem antes das
grandes navegações. A cerca de 2000 anos atrás as estrelas que a
formam eram visíveis quase no nível do horizonte da Terra. Ao longo
dos milênios o fenômeno da precessão fez com que esssas estrelas
fossem deslocadas cada vez mais para o sul, não sendo mais visíveis
por observadores situados em latitudes acima de 30 graus.
Foram os exploradores europeus que, no início do século XVI,
redescobriram a constelação do Cruzeiro do Sul. Para esses navegadores
essa constelação era um relógio muito importante, pois quando ela
passava o meridiano ela ficava mais ou menos na posição vertical.
Desse modo, estudando a inclinação da constelação Cruzeiro do Sul em
relação ao meridiano, os navegadores podiam calcular a hora naquele
momento.
Além disso, duas estrelas da constelação Cruzeiro do Sul, Gacrux e
Acrux, apontam a direção do pólo sul celeste. Por esse motivo a
constelação do Cruzeiro do Sul (Crux) foi usada extensivamente pelos
navegantes das águas do hemisfério sul como marco que apontava a
direção do pólo sul celeste.
Curiosamente, o Cruzeiro do Sul não existia como constelação na época
das grandes navegações. Suas estrelas faziam parte da constelação
Centaurus mas em 1679 Augustine Royer a descreveu como uma nova
constelação, independente de Centaurus.
Aconteceu uma outra grande descoberta astronômica durante a viagem de
Fernão de Magalhães pelo oceano Atlântico sul. Pela primeira vez foram
observadas duas pequenas manchas nebulosas que se destacavam no céu
escuro e salpicado de estrelas. Essas duas pequenas nuvens mais tarde
receberam o nome de Grande Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de
Magalhães. Na verdade esses dois objetos não são nuvens. Hoje sabemos
que a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães são duas galáxias
irregulares bem próximas à nossa Galáxia. A Grande Nuvem de Magalhães
é visível como um objeto bastante fraco no céu noturno do hemisfério
sul e fica situada no limite entre as constelações Dorado e Mensa. Já
a Pequena Nuvem de Magalhães é uma pequena mancha esbranquiçada que
podemos observar localizada na constelação Tucana. A Grande Nuvem de
Magalhães está a uma distância de aproximadamente 180000 anos-luz da
nossa Galáxia enquanto a Pequena Nuvem se localiza a cerca de 250000
anos-luz de nós (imagens abaixo - da esquerda para a direita: Grande
Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de Magalhães).
Durante muito tempo as Nuvens de Magalhães foram consideradas como as
galáxias mais próximas da nossa mas perderam o seu lugar para a
galáxia SagDEG (Sagittarius Dwarf Elliptical Galaxy), situada a 80000
anos-luz da nossa, na constelação Sagittarius. Essa pequena galáxia
(imagem abaixo) só foi descoberta em 1994 por R. Ibata, G. Gilmore e
M. Irwin, do Royal Greenwich Observatory, Inglaterra.
As Nuvens de Magalhães são duas das três únicas galáxias que podemos
observar a olho nú. A terceira galáxia observável sem o auxílio de
equipamentos ópticos é a galáxia espiral Andrômeda (imagem abaixo),
conhecida como M 31, observada no hemisfério norte e que está
localizada na constelação Andrômeda a cerca de 2,9 milhões de anos-luz
de nós.
Foi a expedição de Fernão de Magalhães que pela primeira vez registrou
a existência das galáxias Grande Nuvem e Pequena Nuvem de Magalhães,
ambas visíveis a olho nú no hemisfério sul. Ao contrário delas, a
galáxia Andrômeda, visível a olho nú no hemisfério norte, já havia
sido registrada pelo astrônomo persa Abd-al-Rahman Al-Sufias como
sendo uma "pequena nuvem" no ano 964, no seu "Livro das Estrelas
Fixas". Acredita-se que a galáxia Andrômeda já era conhecida dos
astrônomos persas em Isfahan desde o ano 905, ou mesmo antes dessa data.
Vale a pena ler este livro?
Sem qualquer dúvida. O livro "Além do Fim do Mundo" é muito bem
escrito, fácil de ler e bastante agradável. A narrativa prende o
leitor como se fosse um romance de aventura. Na verdade, é um romance
de aventura, um épico que podemos comparar às viagens espaciais
realizadas à Lua no século passado. Existe, sem dúvida, alguns
pequenos problemas no livro que poderiam ter melhorado bastante a vida
do leitor. Por exemplo, o autor usa muitos termos técnicos de marinha
tais como amura, fasquias, lais de verga, verga redonda, etc. Um
pequeno glossário ajudaria bastante a compreender o que esses termos
significam. Aliás, uma pequena figura de um navio da época indicando
suas partes seria excepcional. Senti também a falta de um mapa
detalhado para melhor acompanhar a aventura de Fernão de Magalhães. O
mapa apresentado no início do livro é simples demais para o volume de
fatos narrados. Melhor ainda seria se o autor nos tivesse presenteado
com a comparação entre um mapa atual e o mapa usado por Pigafetta para
a viagem. Poderíamos também criticar o fato de que o livro "Além do
fim do mundo" não tenta explicar o porque da dificuldade de se
calcular a longitude naquela época. Na verdade a determinação da
longitude é um problema que, por sua extensão e complexidade, tem
exigido vários livros, alguns bastante especializados. Podemos
entender o fato de Bergreen não ter entrado nesse assunto mas
certamente ele podia ter feito uma pequena discussão tal qual a
mostrada acima nesse texto.
Um leitor mais zangado diria: "se você quer ver tudo isso em um livro
escreva-o você mesmo sobre o mesmo assunto". É claro que o "choro"
feito no parágrafo anterior de modo algum invalida a qualidade do
livro "Além do fim do mundo". Esse é um dos bons exemplos de livros
que agradam ao leitor comum do início ao fim. Pode ser que um
historiador não concorde com alguns fatos apresentados e possa até
mesmo fazer críticas mais pertinentes ao seu conteúdo. Nós, que não
somos historiadores, nos contentamos com os fatos alí narrados, que
nos dão uma visão do que era a vida na época das primeiras grandes
aventuras da humanidade: as viagens de descobrimento. Ao ver esse
livro, "Além do fim do mundo", tão agradável nas bancas das livrarias,
pelo menos nos fica a sensação de que o sacrifício de algumas árvores
para a sua confecção não foi em vão. O mesmo não podemos dizer quando
olhamos em volta para as outras bancas, lotadas com os famigerados
livros de auto-ajuda e outras bobagens do gênero.
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