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26 de novembro de 2020

Sugestão para o Clube da Lua



Oi. Eis algumas dicas.  Dá  uma olhada e vê se aproveita algo. 

Entra na versão on-line do curso do Kepler (http://astro.if.ufrgs.br/
e seleciona o link Astronomia na Antiguidade 
(http://astro.if.ufrgs.br/antiga/antiga.htm). Acho que isso te 
ajuda a montar um relato histórico e sociológico agradável. Dependendo 
de como você quiser focar sua apresentação, há várias outras sessões, 
que podem te servir como guia: Constelações, Estações do Ano, Medidas 
do Tempo, Fases da Lua, etcetera.


O livro sobre o qual te falei é:

Além do Fim do Mundo: a aterradora circunavegação de Fernão Magalhães
(Over the edge of the world - Magellan´s terrifying circumnavigation 
of the globe)
autor: Laurence Bergreen

Dá para incluir este no Clube da Lua.
O texto abaixo fala um pouco sobre astronomia de navegação. No link do 
livro há imagens associadas
(http://www.on.br/revista_ed_anterior/junho_2005/conteudo/devo_ler/devo_ler.html)

O que a astronomia tem a ver com o relato da aventura de Fernão de Magalhães?

Na época de Fernão de Magalhães a grande aventura do ser humano era 
viajar por "mares nunca dantes navegados". Ao realizarem suas viagens 
de descobrimentos os navegadores não tinham a menor idéia do que iriam 
encontrar "além do fim do mundo", e era necessário registrar o seu 
curso de alguma maneira. Um dos maiores problemas para os pilotos dos 
navios era como se orientar naquele mar imenso. Por mais que isso 
pareça trivial hoje em dia com o auxílio de satélites, GPS e as mais 
completas cartas náuticas, nos séculos XV e XVI a navegação era feita 
exclusivamente com o auxílio da astronomia, com a observação da 
posição dos astros. O conhecimento astronômico foi fundamental para 
que as grandes navegações pudessem ser realizadas.

No entanto, havia um delicado problema astronômico que deveria ser 
superado. Para saber a localização exata de um navio sobre o globo 
terrestre, os navegadores precisavam de duas coordenadas, a longitude 
e a latitude. Uma delas, a latitude já era calculada com precisão. No 
entanto, havia um sério problema: como podemos determinar a longitude 
de um ponto qualquer sobre o nosso planeta?

A descoberta de como determinar a longitude de uma região sobre a 
superfície da Terra desafiou os pesquisadores por muitos anos. 
Descobrir a sua longitude, a leste ou oeste, e não colidir com 
rochedos era uma tarefa impressionantemente difícil naquela época. A 
única maneira possível de fazer essa determinação exigia que o piloto 
do barco conhecesse o tempo em Londres, por exemplo. No entanto, 
manter o tempo precisamente medido a bordo de um navio em movimento 
era dificílimo pois os únicos relógios que eles possuiam eram de 
pêndulo, o que exigia uma base estável para manter sua precisão. O não 
conhecimento da posição do navio levava a constantes tragédias 
náuticas. Por exemplo, às oito horas da noite do dia 22 de outubro de 
1707 o navio de guerra inglês HMS Association colidiu com rochedos 
submarinos e foi a pique em apenas quatro minutos. Seus 800 
marinheiros morreram, inclusive o Almirante Cloudesley Shovel (ou 
Clowdisley Shovell como ele preferia ser chamado) (1650-1707), 
comandante-em-chefe da marinha inglêsa. Consternada com esse fato, a 
rainha Anne (1665-1714) da Inglaterra promulgou o "Longitude Act" no 
qual era prometido um prêmio de 20000 libras (o equivalente a 12 
milhões de dólares hoje) a qualquer um que conseguisse determinar com 
precisão a longitude no mar. Inacreditavelmente, foi um carpinteiro 
inglês que, após trinta anos de pesquisa, resolveu esse problema.

John Harrison (1693-1776) (imagem ao lado) conseguiu construir 
relógios que podiam manter uma grande precisão no mar, a bordo de 
navios que balançavam fortemente durante suas viagens. Isso permitiu 
que a longitude pudesse ser determinada a qualquer momento durante uma 
viagem marítima. Embora o relógio desenvolvido por Harrison tenha sido 
testado em várias viagens, dando resultados impressionantemente 
precisos, o Board of Longitude, órgão responsável pelo prêmio, 
recusou-se a concedê-lo ao descobridor alegando que "tudo não passava 
de uma grande coincidência". Somente em 1773, com a intervenção do rei 
da Inglaterra, George III, que ameaçou ir pessoalmente ao Board exigir 
o prêmio para Harrison, é que ele foi concedido. No entanto, o 
"cronômetro naval" desenvolvido por Harrison era muito caro e poucos 
navios o possuiram por várias centenas de anos após a sua descoberta.

A longitude descreve a localização de um ponto na superfície da Terra 
localizado a leste ou oeste de uma linha norte-sul chamada de Primeiro 
Meridiano. A longitude é dada como uma medição angular que varia de 0o 
no Primeiro Meridiano até +180o se nos deslocarmos para leste e -180o 
se nos deslocarmos para oeste. Ao contrário da latitude que tem o 
equador como posição natural de início de contagens, a longitude não 
tem esse ponto de partida natural. Embora os cartógrafos inglêses 
tenham usado o meridiano que passa pela cidade de Greenwich como base 
para suas medidas, isso não era aceito por muitos outros países. 
Várias outras cidades, tais como Ferro, Roma, Copenhagen, Jerusalém, 
São Petersburgo, Pisa, Paris e Filadélfia, eram usadas como marco de 
longitude 0o. Somente em 1884, na International Meridian Conference, é 
que os países decidiram adotar uma única referência para as medidas de 
longitude: o meridiano de Greenwich passou a ser o primeiro meridiano 
universal.

A longitude de um ponto sobre a superfície da Terra pode ser 
determinada calculando-se a diferença temporal entre a localização do 
ponto e o chamado Tempo Universal Coordenado (Coordinated Universal 
Time - UTC). Como o dia tem 24 horas e existe 360o em uma 
circunferência, o Sol se desloca 15o por hora (360o/24 horas = 15o por 
hora). Assim, se a zona de tempo em que uma pessoa está fica três 
horas a frente do UTC, aquela pessoa está próxima à longitude de 45o 
(3 horas x 15o por hora = 45o). Dizemos que a pessoa está "próxima" 
porque sua localização pode não estar exatamente no centro da zona 
temporal. Além disso as zonas temporais foram definidas politicamente 
de modo que seus centros e contornos frequentemente não estão situados 
em merianos múltiplos de 15o. Entretanto, para realizar esse cálculo 
uma pessoa precisa ter um cronômetro que marque o UTC e precisa 
determinar o tempo local por meio de observações solares ou 
astronômicas. Se você estiver interessado em saber mais sobre de que 
modo foi descoberta a maneira de calcular a longitude consulte o livro 
"Longitude: The True Story of a Lone Genius Who Solved the Greatest 
Scientific Problem of His Time" de Dava Sobel, editado pela Penguin 
Books (ISBN: 0140258795).

O problema de orientação em alto mar se agravava mais ainda quando os 
navios singravam as águas desconhecidas do hemisfério sul. Nessa 
metade da "bola", ao contrário do que ocorria no hemisfério norte, não 
existia uma "estrela Polar", a estrela que fornece a (quase) exata 
localização do Pólo Norte. No hemisfério sul não existe uma estrela 
brilhante que marque exatamente a posição do Pólo Sul. No entanto, ao 
atingirem latitudes situadas cada vez mais ao sul do equador terrestre 
os navegadores puderam conhecer novas estrelas e associá-las a novas 
constelações. Entre essas constelações eles logo notaram o marcante 
Cruzeiro do Sul que pode dar uma orientação aproximada da localização 
do Pólo Sul terrestre.

A constelação do Cruzeiro do Sul já era conhecida bem antes das 
grandes navegações. A cerca de 2000 anos atrás as estrelas que a 
formam eram visíveis quase no nível do horizonte da Terra. Ao longo 
dos milênios o fenômeno da precessão fez com que esssas estrelas 
fossem deslocadas cada vez mais para o sul, não sendo mais visíveis 
por observadores situados em latitudes acima de 30 graus.

Foram os exploradores europeus que, no início do século XVI, 
redescobriram a constelação do Cruzeiro do Sul. Para esses navegadores 
essa constelação era um relógio muito importante, pois quando ela 
passava o meridiano ela ficava mais ou menos na posição vertical. 
Desse modo, estudando a inclinação da constelação Cruzeiro do Sul em 
relação ao meridiano, os navegadores podiam calcular a hora naquele 
momento.

Além disso, duas estrelas da constelação Cruzeiro do Sul, Gacrux e 
Acrux, apontam a direção do pólo sul celeste. Por esse motivo a 
constelação do Cruzeiro do Sul (Crux) foi usada extensivamente pelos 
navegantes das águas do hemisfério sul como marco que apontava a 
direção do pólo sul celeste.

Curiosamente, o Cruzeiro do Sul não existia como constelação na época 
das grandes navegações. Suas estrelas faziam parte da constelação 
Centaurus mas em 1679 Augustine Royer a descreveu como uma nova 
constelação, independente de Centaurus.

Aconteceu uma outra grande descoberta astronômica durante a viagem de 
Fernão de Magalhães pelo oceano Atlântico sul. Pela primeira vez foram 
observadas duas pequenas manchas nebulosas que se destacavam no céu 
escuro e salpicado de estrelas. Essas duas pequenas nuvens mais tarde 
receberam o nome de Grande Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de 
Magalhães. Na verdade esses dois objetos não são nuvens. Hoje sabemos 
que a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães são duas galáxias 
irregulares bem próximas à nossa Galáxia. A Grande Nuvem de Magalhães 
é visível como um objeto bastante fraco no céu noturno do hemisfério 
sul e fica situada no limite entre as constelações Dorado e Mensa. Já 
a Pequena Nuvem de Magalhães é uma pequena mancha esbranquiçada que 
podemos observar localizada na constelação Tucana. A Grande Nuvem de 
Magalhães está a uma distância de aproximadamente 180000 anos-luz da 
nossa Galáxia enquanto a Pequena Nuvem se localiza a cerca de 250000 
anos-luz de nós (imagens abaixo - da esquerda para a direita: Grande 
Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de Magalhães).

Durante muito tempo as Nuvens de Magalhães foram consideradas como as 
galáxias mais próximas da nossa mas perderam o seu lugar para a 
galáxia SagDEG (Sagittarius Dwarf Elliptical Galaxy), situada a 80000 
anos-luz da nossa, na constelação Sagittarius. Essa pequena galáxia 
(imagem abaixo) só foi descoberta em 1994 por R. Ibata, G. Gilmore e 
M. Irwin, do Royal Greenwich Observatory, Inglaterra.

As Nuvens de Magalhães são duas das três únicas galáxias que podemos 
observar a olho nú. A terceira galáxia observável sem o auxílio de 
equipamentos ópticos é a galáxia espiral Andrômeda (imagem abaixo), 
conhecida como M 31, observada no hemisfério norte e que está 
localizada na constelação Andrômeda a cerca de 2,9 milhões de anos-luz 
de nós.

Foi a expedição de Fernão de Magalhães que pela primeira vez registrou 
a existência das galáxias Grande Nuvem e Pequena Nuvem de Magalhães, 
ambas visíveis a olho nú no hemisfério sul. Ao contrário delas, a 
galáxia Andrômeda, visível a olho nú no hemisfério norte, já havia 
sido registrada pelo astrônomo persa Abd-al-Rahman Al-Sufias como 
sendo uma "pequena nuvem" no ano 964, no seu "Livro das Estrelas 
Fixas". Acredita-se que a galáxia Andrômeda já era conhecida dos 
astrônomos persas em Isfahan desde o ano 905, ou mesmo antes dessa data.


Vale a pena ler este livro?

Sem qualquer dúvida. O livro "Além do Fim do Mundo" é muito bem 
escrito, fácil de ler e bastante agradável. A narrativa prende o 
leitor como se fosse um romance de aventura. Na verdade, é um romance 
de aventura, um épico que podemos comparar às viagens espaciais 
realizadas à Lua no século passado. Existe, sem dúvida, alguns 
pequenos problemas no livro que poderiam ter melhorado bastante a vida 
do leitor. Por exemplo, o autor usa muitos termos técnicos de marinha 
tais como amura, fasquias, lais de verga, verga redonda, etc. Um 
pequeno glossário ajudaria bastante a compreender o que esses termos 
significam. Aliás, uma pequena figura de um navio da época indicando 
suas partes seria excepcional. Senti também a falta de um mapa 
detalhado para melhor acompanhar a aventura de Fernão de Magalhães. O 
mapa apresentado no início do livro é simples demais para o volume de 
fatos narrados. Melhor ainda seria se o autor nos tivesse presenteado 
com a comparação entre um mapa atual e o mapa usado por Pigafetta para 
a viagem. Poderíamos também criticar o fato de que o livro "Além do 
fim do mundo" não tenta explicar o porque da dificuldade de se 
calcular a longitude naquela época. Na verdade a determinação da 
longitude é um problema que, por sua extensão e complexidade, tem 
exigido vários livros, alguns bastante especializados. Podemos 
entender o fato de Bergreen não ter entrado nesse assunto mas 
certamente ele podia ter feito uma pequena discussão tal qual a 
mostrada acima nesse texto.

Um leitor mais zangado diria: "se você quer ver tudo isso em um livro 
escreva-o você mesmo sobre o mesmo assunto". É claro que o "choro" 
feito no parágrafo anterior de modo algum invalida a qualidade do 
livro "Além do fim do mundo". Esse é um dos bons exemplos de livros 
que agradam ao leitor comum do início ao fim. Pode ser que um 
historiador não concorde com alguns fatos apresentados e possa até 
mesmo fazer críticas mais pertinentes ao seu conteúdo. Nós, que não 
somos historiadores, nos contentamos com os fatos alí narrados, que 
nos dão uma visão do que era a vida na época das primeiras grandes 
aventuras da humanidade: as viagens de descobrimento. Ao ver esse 
livro, "Além do fim do mundo", tão agradável nas bancas das livrarias, 
pelo menos nos fica a sensação de que o sacrifício de algumas árvores 
para a sua confecção não foi em vão. O mesmo não podemos dizer quando 
olhamos em volta para as outras bancas, lotadas com os famigerados 
livros de auto-ajuda e outras bobagens do gênero.



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