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9 de julho de 2023

A estrada: Monica Ozório

A Estrada não é um livro com pretensão de descrever um mundo pós-apocalíptico com bandidos terríveis e heróis capazes de refazer a humanidade. É a história de uma família, onde a esposa está grávida quando ocorre o holocausto e o filhinho nasce imerso nesse caos. Tampouco os horrores são mostrados cruamente. O escritor passa de forma relativamente sutil (deixa claro que somos capazes de canibalismo, roubo, assassinato para roubo, etc, mas não é nenhum filme de terror), mesmo Evandro não concordando, pelos humanos que se degeneraram moralmente na busca de sua sobrevivência e os que ainda seguem com dignidade. Aliás, são pouquíssimos personagens. Tudo se desenrola entre pai e filho. O restante é periferia passando rápido.
Bem, os pais discutiram exaustivamente morrer ou viver. A mãe fez sua opção, saindo do livro e deixando pai criando o filho sozinho (vemos isso apenas nas lembranças do homem) e tentando chegar ao sul do país para fugirem de um inverno que seria mortal. Qual a história aqui? Esse pai ama profundamente o filho e tenta lhe ensinar que há o bem e o mal no mundo. Homens bons e homens maus, e que a escolha deles dois seria sempre o bem. Ele é humano e dá uma escorregadinha num ou dois momentos, mas achei perfeitamente coerente. Pai e filho são adoráveis e como sempre vieram viver aqui em casa enquanto o livro estava aberto. Sou íntima agora.
É uma dureza ver aquela arma inicialmente com duas únicas balas e o pai se debatendo se teria coragem de matar o filho se a situação ficasse insustentável. Ou quando só tem uma bala e o pai deixa com o filho quando tem que se afastar em busca de víveres, para que o filho possa se matar se for necessário. É doloroso vê-los com frio e fome. E o autor escreve de uma forma inusitada. Não temos nomes de personagens, nem travessões ou aspas para indicar os diálogos, nem idade, país, etc. Ele está pouco se lixando em dizer a causa do apocalipse. Ele só quer mostrar o amor desses dois seres, sua jornada em busca de um lugar seguro, e os curtos diálogos sobre o bem e o bom. A construção de uma confiança mútua. Não é um livro de finalzinho feliz, sem lágrimas, com um mundo reestruturado nem nada disso. Mas achei interessante que o pai escolheu conhecer o filho, ainda que num mundo duro, do que a saída mais fácil (?), como a esposa, o suicídio. E digo que ela não foi covarde. É sabido através da História que a mulher sempre acaba prisioneira, escrava sexual e etc. E ela tinha esse mesmo medo pelo filho. A pedofilia é real. Ela discutiu longamente com o marido sobre isso e fez sua escolha pela morte. Não condeno nenhum dos personagens. Ele quis viver e ver crescer seu filho. Eu mesma provavelmente seguiria a escolha dela e teria levado meu filho comigo, desculpem desaponta-los. Me debato que poderia estar tirando do mundo um ser que faria alguma diferença para a humanidade. Mas de qualquer maneira, pensar que vamos fazer é diferente de fazer.

O livro não tem o perfil do grupo. E acho absolutamente impossível transforma-lo em filme, já é é muito introspectivo por parte do pai, suas decisões, suas lembranças e seus temores pelo filho. É um "livro" entre eles. Os poucos diálogos que tem são curtos, porém importantes, pq é esse menino que ajuda a manter o pai no rumo do bem que ele prega. São pequenos diálogos, muitas vezes com duas, três palavras entre eles, tratando do medo do entorno e do medo de o pai e a criança sucumbirem às necessidades básicas/selvagens de sobrevivência.


São diálogos curtos. Neles são testadas a credibilidade entre os dois. E qdo o menino cobra do pai que não farão o que ele viu outros fazerem e aos prantos chora quando o pai "escorrega" um cadinho, é que vemos como o filho ajuda a manter a civilidade do adulto/pai.

* * * 

Quanto ao espeto esturricado do bebê sem cabeça


Eu imaginei que vc ficou mal nessa parte. Foi a pior, acho. até pior que o porão. Inclusive achei desnecessário por parte do escritor. Ele já havia deixado claro a que nível podemos chegar para sobreviver.

Mas vc percebeu que tudo isso foi para o menino entender seu entorno, e reforçar os conceitos do bom e bem de seu pai? Não que eu ache que o homem sucumbiria a esse nível. Acredito realmente que a maioria de nós não sucumbiria.

Esse livro inclusive me reforçou a crença de que a maioria de nós não sucumbiria aos desejos abjetos. Creio que a maioria manteria não só o que pudesse de sua dignidade, mas principalmente, não se tornaria escravo de desejos e luxúrias abjetas.



2 comentários:

  1. Maravilhoso Mônica!
    Conseguiu trazer em palavras uma resumo belíssimo..

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  2. Depois de ler o livro, comentarei. Acho que lendo Mônica agora, ficarei talvez sugestionada...rs

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