A melhor maneira de começar a sonhar é mediante livros. Os romances servem de muito para o principiante. Aprender a entregar-se totalmente à leitura, a viver absolutamente com as personagens de um romance e eis o primeiro passo. Que a nossa família e as suas mágoas nos pareçam chilras e nojentas ao lado dessas, eis o sinal do progresso.
(Bernardo Soares)
* * *
[Em um trecho de Carta a Adolfo Casais Monteiro - 13 Jan. 1935]
Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de
habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade,
subtilizando até se chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este
mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado
outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso,
interpenetradamente ou não. Por estas razões, e ainda outras, a Ordem Extrema
do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita (excepto a Maçonaria anglo-saxónica)
a expressão «Deus», dadas as suas implicações teológicas e populares, e prefere
dizer «Grande Arquitecto do Universo», expressão que deixa em branco o problema
de se Ele é criador, ou simples Governador do mundo. Dadas estas escalas de
seres, não creio na comunicação directa com Deus, mas, segundo a nossa afinação
espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos. Há três
caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas como as do
espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que é magia também),
caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o
que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeiro de todos,
porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes
riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm. Quanto a «iniciação»
ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde à sua pergunta: não
pertenço a Ordem Iniciática nenhuma. A citação, epígrafe ao meu poema Eros e
Psique, de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em latim) do Ritual do
Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplesmente — o que é
facto — que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa
Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 1881. Se não estivesse em
dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não devem citar
(indicando a ordem) trechos de Rituais que estão em trabalho.
Na pessoa de Bernardo Soares em "O livro do desassossego"
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