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21 de março de 2019

Da tentativa de definir o indefinível: Elenir Teixeira

                                                                                                 
                                                                         “Por que é que para ser feliz é preciso não sabê-lo?" Fernando Pessoa






 Certamente, os habitantes simples da utópica Ilha do Nanja, ilha de pescadores, criação da escritora Cecília Meirelles num dos mais belos textos da literatura brasileira, “Natal na Ilha do Nanja” (1966, p.169) não saberão definir a felicidade. Porque não se preocupam em buscá-la ou defini-la. Simplesmente vivem. São felizes e não têm consciência disso.

 O homem, nessa busca incessante e crescente pela felicidade sem conseguir conquistá-la, faz sua realidade pesar. Falta leveza ao mundo moderno. E uma vez que a ciência não nos tem ajudado muito a encontrar o que, realmente, nos tornará mais felizes, apesar de tantos estudos  e pesquisas, abordemos o tema à luz da literatura. No livro Seis propostas para o próximo milênio (1990, pp.19 e 39), Ítalo Calvino, seu autor, diz: 

[...] No universo infinito da literatura sempre se abrem outros caminhos a explorar, novíssimos ou bem antigos, estilos e formas que podem mudar nossa imagem do mundo.

 [...] A literatura tem como função existencial a busca da leveza  como  reação ao peso de viver.  

Citamos, como exemplo, Memórias inventadas- A infância (2003), de Manuel de Barros, onde, no capítulo “Sobre Sucatas" (pág.XV-sic)lê-se:            
     
 "[...] Isto porque a gente foi criada em lugar onde não tinha brinquedo fabricado. Isto porque a gente havia que fabricar os nossos brinquedos: eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. [...] Estranhei muito  quando mais tarde, precisei morar na cidade . Contei para minha mãe que vira  um homem montado no cavalo de pedra apontando uma faca comprida para o alto.   [...] Para mim homens em cima de pedra eram sucata O mundo era um  pedaço complicado para o menino que viera da roça. [...] Não vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que tudo que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o  que não vira sucata é árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata." 

 O poeta vê, pelo olhar da criança, a beleza e a riqueza do mundo muito além dos bens materiais que o dinheiro permite adquirir.     

Mais um belo texto mostrando que nas coisas simples, na contemplação da natureza, na poesia, num simples gesto amigo, pode-se,  provavelmente,  encontrar a felicidade.

A alegria, a meu ver, também pode contribuir para a felicidade.  A alegria descrita de forma primorosa  por Katherine Mansfield ao iniciar o conto "Felicidade" (1941, pp.7 a 28) em que a personagem Berta Young aguarda ansiosamente convidados para um jantar:

 "Embora  Berta Young já tivesse trinta anos, ainda havia momentos como aquele em que ela queria correr, ao invés de caminhar, executar passos de dança, subindo e descendo da calçada, rolar um aro, atirar alguma coisa para cima e apanhá- la  novamente, ou ficar quieta e rir de nada: rir, simplesmente."

 A despeito de tanta preocupação com a felicidade e de ser tratada como sentimento inatingível, nutro grande esperança de que, neste milênio, como propôs Calvino, ou nesta década, ou, quem sabe, ainda neste dia, a encontremos bem perto de nós. Percebendo-a, não a deixemos escapar.

O homem, aos poucos, busca a leveza, trazendo para sua realidade a fantasia e o sonho. “Não se trata absolutamente de fuga para o   irracional. Mas de mudança do ponto de observação. De ver o mundo sob uma outra ótica”como tão bem esclareceu Calvino (pág.19, op.cit.). Proliferam em todos os cantos do país rodas e grupos de leitura. concursos de poesia, de contos e romances com número cada vez maior de concorrentes. Oficinas de literatura. Contadores  de histórias visitando escolas e hospitais para levar alegria e otimismo a crianças e a doentes. Nunca se leu, ou publicou, tantos livros. E até em bares onde os frequentadores, antes, reuniam-se para conversa fiada, animada pelo vinho ou pelo “chopinho”, hoje marcam encontros para dizer poesia. Tudo isso alimenta minha esperança.

Concluo, pois, que ser feliz é uma arte. E, como tal, devemos cultivá-la em nosso dia a dia. Basta deixar que a vida aconteça.


Que, a exemplo de Bertha Young, possamos ficar quietos e, simplesmente, rir. Mesmo que seja de nada. Mesmo sabendo que perdas, decepções e tristezas irão surgir. Porque isto é viver. Porque isto, talvez, seja felicidade.


Salve o 20 de Março!

 Dia Internacional da Felicidade 


Elenir é poeta e haicaísta


7 comentários:

  1. Amiga, amei ler seu texto. Antes tarde do que nunca! Pura verdade! Fui uma criança que brincou muito com coisas simples...bolinhos de farinha, comidinhas de folha, bola de gude com os primos, concurso de língua mais roxa ( ganhava quem comia mais jamelão ) e assim , com coisas muito simples, vivíamos felizes...
    Beijos ternos,
    Vera.

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  2. Obrigada,Vera! Este trecho faz parte de um ensaio que fiz, numa Roda de Leitura que frequento, após a leitura do livro "Felicidade", de Eduardo Giannetti. Realmente não é fácil definir este sentimento tão desejado.Beijos.
    Elenir

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  3. Elenir, obrigada por trazer esse momento de felicidade que é ler o seu texto e refletir um pouco mais sobre essa busca incessante, essa sede de ser feliz a todo instante. Ah, a felicidade pode estar nas pequeninas coisas e vivências que nos são imperceptíveis no dia a dia... a felicidade está em poder viver.

    Beijos, querida! Sonia Salim

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  4. Obrigada,Sonia!Desejo que muitos momentos de felicidade você encontre em seu caminho.
    Beijos afetuosos.
    Elenir

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  5. Adorei o texto, Elenir. Que possamos valorizar as coisas simples da vida! Bjs

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  6. Só os velhos têm acesso à brevidade da vida, não é mesmo Elenir?

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  7. Bom dia,
    Todos já disseram tudo.
    Vou falar sobre a sua foto acima.
    Simplesmente LINDA!!!
    Aqui, caçadora de imagens que sou, tenho visto lindas imagens, como esquecer a de Gracinda, a de Inês, a de Dilia, e as das belas e jovens damas?
    Uma foto que me surpreendeu foi a de Ilnéa em 2012 e a de Nilma em 2013.
    Não posso omitir as imagens dos senhores cavalheiros...
    Na realidade, o que me impressiona mesmo é a autenticidade, a garra e a verdade que todas elas passam.
    Em um tempo de tanta exposição descontrolada o CLIc é um oásis e também uma ode ao bom gosto.
    Feliz Natal a todos e um 2019 muita saúde, paz e prosperidade aos sonhos!

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