COPACABANA
Hélio Penna
O
pedreiro José procurava um banco na Avenida Atlântica para sentar-se e
descansar um pouco do trabalho de reforma de um apartamento, ali em frente.
Acomodou-se ao lado da estátua do poeta Carlos Drummond de
Andrade, num pedacinho de sombra que o bardo generosamente lhe ofertava, num
dia muito quente. Ajeitou o boné surrado que usava para protegê-lo na obra.
Pensou até em deitar-se ali. Mas não ficava bem esticar-se num banco em Copacabana. E do
jeito que estava vestido e sujo, podiam tomá-lo como um mendigo.
Olhou
para a escultura, e pensou que um homem assim, de modos tão finos, não podia
aguentar o trabalho em
obra. Não durava um
dia. Ainda mais com aquela patroa que não prestava. A dona do apartamento era
conhecida artista de TV. Famosa pelos papéis de mocinha nas novelas, a patroa
era mão-de-vaca, rude e preconceituosa na vida real.
José distraiu-se com uma jovem
volumosa e bela que acenou para a estátua de bronze e seguiu feliz em sua
vistosa bicicleta. Enquanto o seu olhar tímido seguia a formosura, uma senhora
fazia gestos ríspidos em sua direção:
- Chega pra lá! Quero tirar foto do
meu filho!
Ele afastou-se, com os olhos na
madame corpulenta, vermelha, imponente. Um chapéu largo projetava uma sombra
austera no seu rosto. O menino, rechonchudinho, estava de uniforme colegial, lembrando
uma farda militar e uma boina na cabeça, fazendo-o parecer um soldadinho
roliço.
- Sorri! - ordenou a mãe.
A criança sentou-se de má vontade ao
lado da escultura e, aborrecida, não sorriu.
A máquina fez o registro fotográfico, e os dois se afastaram. A mulher
ainda olhou o pedreiro com repulsa.
.
O
pedreiro não aprendeu a ler nem escrever, mas seus filhos completaram o ensino
fundamental na escola pública. E um deles, o mais velho, era muito apegado à
leitura. “Seu filho tem um dom. Não o deixe abandonar os estudos.”
Recomendou-lhe um dia a professora. Mas o pedreiro se viu obrigado a deixar o
local pobre em busca da vida nova na Capital. Aqui, o primogênito trocou o ensino pelo
balcão de uma padaria, para contribuir com o sustento dos seus cinco irmãos.
A moça ondulante retorna em sua
bicicleta. Novo adeusinho para a estátua do poeta. Deteve-se logo adiante para
atender ao telefone. O pedreiro a admirava discretamente. Na ligação, lhe
perguntaram onde ela se encontrava. “Na Atlântica... perto da estátua do
velhinho.”, respondeu e seguiu em frente.
José aproxima-se novamente da efígie.
Intrigado, olha-a detidamente. Tira o boné, e coça os ralos cabelos crespos e
embranquecidos: do quê aquele homem se ocupara? Pergunta-se em vão. E desconhecendo que
aquele poeta mergulhou nos seus sonhos, ele se levanta, e retorna ao seu
cotidiano intenso..
Querido Hélio, lindo texto. Sua cara, sua marca. Você tem um estilo peculiar e se torna mais poético, tenho percebido. Sempre contando dramas dos mais humildes de forma bonita e tocante. Adorei! Grande abraço.
ResponderExcluirBelo instantâneo da princesinha do mar. Parabéns pelo texto. - Vlad
ResponderExcluirMuito obrigado.
ExcluirUma pitada de emoção e muitos questionamentos. Maravilhoso! Parabéns, Hélio Penna!
ResponderExcluirAbraços! Sonia Salim
Eu agradeço. Essa troca é estimulante.
ExcluirParabéns ao escritor, lindo conto, emocionante !
ResponderExcluirMuito obrigado.
ExcluirParabéns ao escritor, lindo conto, emocionante !
ResponderExcluirParabéns pelo conto! Você é um maravilhoso escritor. Consegue nos levar para dentro do conto. Eu pude ver a forma como o pedreiro olhou a estátua. A gorda antipática e seu filho robusto, a bela na bicicleta; consegui imaginar como seria a roupa que ela estaria usando. Vi o céu claro e senti a brisa do mar...É isso que me impressiona ao ler! Quando o autor consegue me fazer viver os momentos ali descritos, e você consegue fazer isso com perfeição. Novamente, PARABÉNS!!
ResponderExcluirA minha escrita se deve ao constante trabalho de tentar aprender com os escritores e compositores que admiro. Muito obrigado.
ExcluirBelo conto! Com a indelével marca do Helio Penna. Parabéns escritor!
ResponderExcluirValeu, amigo! Isto é animador.
ExcluirHelio Penna, um belo texto, propõe reflexão de uma forma leve e expressiva. Parabéns.
ResponderExcluirVítor Emanuel.
Agradeço o comentário. Acredito que a "leveza" que muitos apontam nas minhas narrativas vem originalmente da minha relação com o samba carioca e seus grandes compositores; depois, o encontro com escritores como o Drummond, Herberto Salles, Marques Rebelo, Tchékhov e outros mestres da concisão e da sutileza, como os músicos.
ExcluirBom de ler. Bom ritmo. No limiar entre o dramático do conto e o pitoresco da crônica. Abraços. Erivelto Reis
ResponderExcluirErivelto Reis, meu vibrante , entusiasta e idealista professor de Letras. Curso noturno, com a sala cheia de alunos cansados do trabalho. Mas era impossível não se influenciar com as suas aulas. Muito obrigado. Um forte abraço deste discípulo.
ResponderExcluirParabéns ao professor leitor e ao aluno escritor nesse encontro em dois tempos!
ResponderExcluirÉ verdade. Há tempos eu não tinha notícias do professor e escritor Erivelto Reis. Aqui nos reencontramos. E, para a minha alegria, ele me enviou uma mensagem particular.
ExcluirCopacabana figura como o Brasil: Tão rico pela exuberância de sua natureza e seus gênios, mas tão pobre quanto os matizes de suas ignorâncias: a brutalidade do preconceito da senhora gorda, a ingenuidade do sr. pedreiro e a ignorância, essa sim, da bela mocinha de bicicleta, que tanto quanto o sr. pedreiro, não sabia se tratar da estátua do nosso poeta maior! Belíssimo conto!...
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