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30 de março de 2021

A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica: Walter Benjamin




A Acedia tem sido definida de várias formas como um estado de apatia ou torpor, de não se importar ou não se preocupar com a posição ou condição de alguém no mundo. Na Grécia antiga, a akidía significava literalmente um estado inerte sem dor ou preocupação. 






De 
Le Spleen de Paris (Os Pequenos Poemas em Prosa)

Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será mais fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.

Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.

De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.

Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.

Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"

Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam! 



De Gershom Scholem, poema sobre a "Saudação do Angelus", escrito a partir do quadro de Paul Klee, "Angelus Novus" e que foi enviado para o filósofo Walter Benjamin no dia de seu aniversário em 15 de julho de 1921.

"Aqui da parede, nobre, / não pouso o olhar em ninguém, / venho do céu que vos cobre / sou homem-anjo do Além // No meu reino o homem é bom / mas não é nele seu aposto / recebo do Alto o dom / e não preciso de rosto // A região de onde vim / tem medida e luz sem fundo: / o que me faz ser assim / é prodígio do vosso mundo // Dentro de mim está a urbe / para onde Deus me mandou / o anjo com este selo / nunca ela o deslumbrou // Minha asa está pronta para o voo altivo: / se pudesse, voltaria / pois ainda que ficasse tempo vivo / pouca sorte teria // Os meus olhos são negros e fundos / e nunca se esvazia o meu olhar / sei muita coisa deste mundo / sei o que venho anunciar // Não sou simbólico nem trágico /significo o que sou, é tudo / em vão giras o anel mágico / pois em mim não há sentido". (in BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Trad. de João Barreto. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 14, [N.T.])


Embriagai-vos
(Trad. Aurélio Buarque de Holanda, 1950)

É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso; eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar.

Mas – de quê ? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis.

E, se algumas vezes, sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder:

- É a hora de embriagar-se! Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor.


Enivrez-vous (Charles Baudelaire, Petits poémes en prose, 1869)

Il faut être toujours ivre. Tout est là: c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve. Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous.

Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront:

"Il est l'heure de s'enivrer! Pour n'être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise."


"Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário, e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo."

(Hegel, 1807)



Links:


  1. https://www.youtube.com/watch?v=BAaR9UHsUA0&feature=emb_logo
  2. https://youtu.be/07IKao3Ypcg 
  3. https://youtu.be/fY2npeXXmXI

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