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6 de março de 2024

Relatos de um gato viajante e Zero K: Mônica Ozónio

Acabei de pôr meu prato de sopa artificial de lado para me questionar sobre o pouco que sei sobre os japoneses. Estou lendo Relatos de um Gato Viajante, e já de véspera eu sei que vou chorar (Satoru está morrendo, né???). Gatos e bons homens me deixam lacrimosa. Bom homem de gato foi meu melhor relacionamento. Então já amo o gato e o homem que gosta de gatos. 
Mas não vim aqui escrever sobre algo do meu eu. Eu não consigo relacionar nossa sociedade, minha infância e juventude, com o mundo do Satoru. São as crianças do Japão? O quão são sofridas e amadurecidas por adultos voltados para a ascensão profissional e os compromissos do trabalho? Mesmo Satoru, adorado pelos pais falecidos de forma trágica, me parece uma criança madura demais. No Japão é assim? Porque nas mídias (e os que vi nas minhas viagens) parecem diferentes: "Tops de Instragran". 
Acho que não. Creio que ou autor está fazendo uma crítica séria às crianças não desejadas pelos pais, mas geradas pelo conceito de que o normal é se casar e ter filhos. E depois não sabem o que fazer com essas crianças não tão desejadas. 
E os já conhecidos pais de sempre, que não se preocupam com os desejos e necessidades dos seus filhos. Tudo muito doloroso. E não creio que haja muita diferença no ocidente. 
No livro, Satoru criança ajuda (até agora) aos seus amigos a superarem essas rejeições. A crescerem e se adaptarem ao redor, parece. Satoru é a argamassa que une pessoas "desamadas" pelos pais. Mas ainda faltam mais de 50% do livro para eu tentar entender o que o autor está passando através da viagem de Satoru e Nana (amo Nana. Que gato auter ego gente!!!)
Por outro lado estou lendo Zero K também. O medo da morte ao ponto do ridículo, do absurdo. Gastar fortunas inenarráveis na esperança de serem despertados no futuro (ao invés de investir na fome do aqui e agora, por exemplo). Esperando despertarem totalmente curados, rejuvenescidos, lindos e poderosos. Numa forma ciber-humana e num lugar criado para eles, muito melhor do que seria o da humanidade real. 
Em dois livros recentes li sobre a criogenia. Neuromancer e Zero K. Nosso personagem principal de Zero K se vê subitamente lidando, não só com o ritual de despedida da madrasta doente terminal que optou pela criogenia, na "certeza" vendida por uma indústria suspeitíssima de que despertará como um ser perfeito e saudável. Mas pior do que isso, a decisão de seu pai de segui-la, mesmo que tenha a saúde plena e muitos anos saudáveis pela frente. Insanidade. Vaidade. Desespero pela vida eterna. Medo da Morte, da finitude e do desconhecido. E no entanto, a criogenia é em si mesma um desconhecido. O que o dinheiro pode comprar para os egoístas, não?

Eu terminei Zero K hoje, durante a viagem de volta de Nova Friburgo. No Google eu li que o autor pesquisou o mínimo possível para escrever, o que me trouxe um certo alívio. Muitas vezes esquecia que era ficção e ficava abismada/revoltada pela criogenia ser uma cópia horrenda da mumificação egípcia e as pessoas ainda terem esperança de conseguirem ressuscitar. 
E também era difícil separar a parte "criogênica" propriamente dita do foco do autor, que creio eu, era discutir a morte, a ansiedade por uma vida eterna e perfeição do corpo, a vaidade e a "gastança" com isso. Ele discute muito as relações familiares quebradas, distantes. Entretanto não recomendo o livro para o grupo. É longo por ter muitas reminiscências do narrador/filho, e chega realmente a ser entediante, como o Evandro me avisou.
Se fosse baseado em dados reais dessa gente que já procura essa insanidade (? Ou eu sou tacanha.) eu até recomendaria. Mas parece ser bem fora da realidade a forma como ele descreve essa "comunidade criogênica". Acho que é só pano de fundo. Não li outros livros dele, então não tenho certeza.

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