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30 de novembro de 2020

O Outro Pé da Sereia: Mia Couto




Com braços abertos,
o mundo quer abraçar.
Mulher bela e ousada!
(Elenir)




Ao sabor do vento,
lençóis bailam nos varais.
Me trazem a infância

O livro é um barco.
Ao outro lado do mundo
me leva, e a mim própria.

(Elenir)





A costa indiana é agora uma linha flutuando no horizonte. A nau tornou-se no último lugar do mundo. À volta tudo é água, transbordação de rios e mares. O navio é uma ilhota habitada por homens e os seus fantasmas.

... Inclinado na cesta da gávea, o marinheiro anunciava que a viagem já não teria mais retorno.

- Daqui em diante, nenhuma ave mais haverá.

Um vazio pesou sobre o estômago do sacerdote português. Quando saíra de Goa, ainda na proteção do estuário, a viagem surgia como um caminho dócil. Mas quando o mar se desdobrou em oceano e o horizonte todo se liquefez, lhe veio uma espécie de tontura, a certeza de que o chão lhe fugira e a nau voava sobre um abismo. Silveira não tinha dúvida: chegara ao irreversível momento em que a água perde o pé e o mar abandona o suave maneirar dos rios. Dali em diante, o mundo se resumiria àquela nau, rompendo caminho entre domínios que eram mais do Diabo que de Deus.

Em “O Outro Pé da Sereia”, o moçambicano Mia Couto, alterna entre passado e presente para nos apresentar Moçambique. Em 1560, revivemos a colonização portuguesa, acompanhando a expedição do jesuíta D. Gonçalo da Silveira (personagem histórico), da saída de Goa, na Índia, até a fronteira entre Zimbabwe e Moçambique, nas terras do chamado reino Monomotapa, da África do século XVI. A partir do resgate de fontes históricas, o autor romanceia a história do jesuíta em sua missão de conversão e moralização do reino e de seu imperador. Em 2002, nos deparamos com o retrato de uma Moçambique que, após a independência em 1975, foi assolada por quase 16 anos de guerra civil (1977 - 1992) e que luta para se erguer.




Escrevo na penumbra quase total do porão onde me aprisionaram. O escuro até me ajuda: afinal, esta carta é um adeus. Ou, quem sabe, um agradecer aos deuses? Navegamos entre perigos e incertezas. Salvamo-nos de fogos e tempestades. Contudo, esta viagem não se está fazendo entre a Índia e Moçambique. É sempre assim: a verdadeira viagem é a que fazemos dentro de nós. Quem conduz o barco, porém, não é o timoneiro. Quem guia o leme é a Kianda, a deusa das águas.

Kianda, Mama Wati ou Nzuzu é a deusa que mora em águas limpas. “... no leito do rio havia um lugar sem fundo, onde a propria água se afundava, afogada nos abismos. Nessas profundezas morava Nzuzu, a divindade do rio. De quando em vez, uma moça desaparecia nas águas. Não morria. Apenas permanecia residindo nos fundos lodosos, aprendendo a arte de ser peixe e os sortilégios da adivinhação. Ficava anos nessa submersa moradia até que, um dia, reemergia e se apresentava às famílias para exercer então, a profissão de curandeira.” “... Ela vive com a nyoka, a serpente. Quando a água fica suja, a serpente sai a espalhar maldades e feitiços”. (Acima: Mami Wata, de Moyo Ogundipe, 1999).

Quem nos leva nesta viagem é a personagem que tem “corpo de rio e nome de canoa”, Mwadia Malunga. Através dela, somos apresentados às personagens da atualidade: Zero Madzero, o pastor de burros e cabritos, que vive em Antigamente, e carrega em si a ambigüidade da presença e da ausência, do ser vivente e de um fantasma; Constança Malunga, a matriarca que revela a ligação de Mwadia com Nzuzu, a deusa das águas límpidas; Lázaro Vivo, o adivinho que faz a ponte entre o mundo dos vivos e o dos mortos, entre o universo sagrado da tradição e o da modernidade; Benjamin, o afro-americano que busca sua origem ancestral; e outros.

Nesses últimos dias, Mwadia fechava-se no sótão e espreitava a velha documentação colonial. Agora, ela sabia: um livro é uma canoa. Esse era o barco que lhe faltava em Antigamente. Tivesse e ela faria a travessia para o outro lado do mundo, para o outro lado de si mesma.

... Disto tudo sabia Constança quando pediu o seguinte a sua filha mais nova:

- Agora, leia para mim. Eu também quero ir nessa viagem ...

Mwadia aproxima culturas, religiões, momentos históricos, como uma embarcação capaz de ligar culturas e viajantes que entrecruzam fronteiras temporais, geográficas e interiores às personagens.

A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores” .

Certo excesso de frases de efeito, e elementos temáticos (silêncio e palavras, realidade e delírio; lucidez e loucura; razão e emoção; vida e morte; passado e presente; tradição e modernidade, escravidão, servidão feminina, simbolismos, mitificação, mestiçagem, incesto, aids) por vezes quebram a fluidez da leitura e nos lembram da presença do autor e de sua própria viagem. Porém, não há dúvidas de que Mia Couto domina os mistérios da contação, e na maior parte do tempo consegue nos envolver e nos prender nos meandros da trama. A cada momento somos surpreendidos por segredos e questões para as quais não são dadas respostas. E os elementos metafóricos são interpretados pelas personagens de maneira quase sempre tão duvidosa que exigem do leitor sua própria interpretação da obra. A minha, ainda não a tenho, mas penso que viver ausências, seja as de Antigamente ou as de Vila Longe, não seja viver. Nada simples se erguer, mas prefiro seguir o rio da vida e plagiar a personagem Rosie: como se diz lá no Brasil, “Sacode a poeira e dá a volta por cima”, pois, bom é “viver e não ter a vergonha de ser feliz”.

26 de novembro de 2020

Sugestão para o Clube da Lua



Oi. Eis algumas dicas.  Dá  uma olhada e vê se aproveita algo. 

Entra na versão on-line do curso do Kepler (http://astro.if.ufrgs.br/
e seleciona o link Astronomia na Antiguidade 
(http://astro.if.ufrgs.br/antiga/antiga.htm). Acho que isso te 
ajuda a montar um relato histórico e sociológico agradável. Dependendo 
de como você quiser focar sua apresentação, há várias outras sessões, 
que podem te servir como guia: Constelações, Estações do Ano, Medidas 
do Tempo, Fases da Lua, etcetera.


O livro sobre o qual te falei é:

Além do Fim do Mundo: a aterradora circunavegação de Fernão Magalhães
(Over the edge of the world - Magellan´s terrifying circumnavigation 
of the globe)
autor: Laurence Bergreen

Dá para incluir este no Clube da Lua.
O texto abaixo fala um pouco sobre astronomia de navegação. No link do 
livro há imagens associadas
(http://www.on.br/revista_ed_anterior/junho_2005/conteudo/devo_ler/devo_ler.html)

O que a astronomia tem a ver com o relato da aventura de Fernão de Magalhães?

Na época de Fernão de Magalhães a grande aventura do ser humano era 
viajar por "mares nunca dantes navegados". Ao realizarem suas viagens 
de descobrimentos os navegadores não tinham a menor idéia do que iriam 
encontrar "além do fim do mundo", e era necessário registrar o seu 
curso de alguma maneira. Um dos maiores problemas para os pilotos dos 
navios era como se orientar naquele mar imenso. Por mais que isso 
pareça trivial hoje em dia com o auxílio de satélites, GPS e as mais 
completas cartas náuticas, nos séculos XV e XVI a navegação era feita 
exclusivamente com o auxílio da astronomia, com a observação da 
posição dos astros. O conhecimento astronômico foi fundamental para 
que as grandes navegações pudessem ser realizadas.

No entanto, havia um delicado problema astronômico que deveria ser 
superado. Para saber a localização exata de um navio sobre o globo 
terrestre, os navegadores precisavam de duas coordenadas, a longitude 
e a latitude. Uma delas, a latitude já era calculada com precisão. No 
entanto, havia um sério problema: como podemos determinar a longitude 
de um ponto qualquer sobre o nosso planeta?

A descoberta de como determinar a longitude de uma região sobre a 
superfície da Terra desafiou os pesquisadores por muitos anos. 
Descobrir a sua longitude, a leste ou oeste, e não colidir com 
rochedos era uma tarefa impressionantemente difícil naquela época. A 
única maneira possível de fazer essa determinação exigia que o piloto 
do barco conhecesse o tempo em Londres, por exemplo. No entanto, 
manter o tempo precisamente medido a bordo de um navio em movimento 
era dificílimo pois os únicos relógios que eles possuiam eram de 
pêndulo, o que exigia uma base estável para manter sua precisão. O não 
conhecimento da posição do navio levava a constantes tragédias 
náuticas. Por exemplo, às oito horas da noite do dia 22 de outubro de 
1707 o navio de guerra inglês HMS Association colidiu com rochedos 
submarinos e foi a pique em apenas quatro minutos. Seus 800 
marinheiros morreram, inclusive o Almirante Cloudesley Shovel (ou 
Clowdisley Shovell como ele preferia ser chamado) (1650-1707), 
comandante-em-chefe da marinha inglêsa. Consternada com esse fato, a 
rainha Anne (1665-1714) da Inglaterra promulgou o "Longitude Act" no 
qual era prometido um prêmio de 20000 libras (o equivalente a 12 
milhões de dólares hoje) a qualquer um que conseguisse determinar com 
precisão a longitude no mar. Inacreditavelmente, foi um carpinteiro 
inglês que, após trinta anos de pesquisa, resolveu esse problema.

John Harrison (1693-1776) (imagem ao lado) conseguiu construir 
relógios que podiam manter uma grande precisão no mar, a bordo de 
navios que balançavam fortemente durante suas viagens. Isso permitiu 
que a longitude pudesse ser determinada a qualquer momento durante uma 
viagem marítima. Embora o relógio desenvolvido por Harrison tenha sido 
testado em várias viagens, dando resultados impressionantemente 
precisos, o Board of Longitude, órgão responsável pelo prêmio, 
recusou-se a concedê-lo ao descobridor alegando que "tudo não passava 
de uma grande coincidência". Somente em 1773, com a intervenção do rei 
da Inglaterra, George III, que ameaçou ir pessoalmente ao Board exigir 
o prêmio para Harrison, é que ele foi concedido. No entanto, o 
"cronômetro naval" desenvolvido por Harrison era muito caro e poucos 
navios o possuiram por várias centenas de anos após a sua descoberta.

A longitude descreve a localização de um ponto na superfície da Terra 
localizado a leste ou oeste de uma linha norte-sul chamada de Primeiro 
Meridiano. A longitude é dada como uma medição angular que varia de 0o 
no Primeiro Meridiano até +180o se nos deslocarmos para leste e -180o 
se nos deslocarmos para oeste. Ao contrário da latitude que tem o 
equador como posição natural de início de contagens, a longitude não 
tem esse ponto de partida natural. Embora os cartógrafos inglêses 
tenham usado o meridiano que passa pela cidade de Greenwich como base 
para suas medidas, isso não era aceito por muitos outros países. 
Várias outras cidades, tais como Ferro, Roma, Copenhagen, Jerusalém, 
São Petersburgo, Pisa, Paris e Filadélfia, eram usadas como marco de 
longitude 0o. Somente em 1884, na International Meridian Conference, é 
que os países decidiram adotar uma única referência para as medidas de 
longitude: o meridiano de Greenwich passou a ser o primeiro meridiano 
universal.

A longitude de um ponto sobre a superfície da Terra pode ser 
determinada calculando-se a diferença temporal entre a localização do 
ponto e o chamado Tempo Universal Coordenado (Coordinated Universal 
Time - UTC). Como o dia tem 24 horas e existe 360o em uma 
circunferência, o Sol se desloca 15o por hora (360o/24 horas = 15o por 
hora). Assim, se a zona de tempo em que uma pessoa está fica três 
horas a frente do UTC, aquela pessoa está próxima à longitude de 45o 
(3 horas x 15o por hora = 45o). Dizemos que a pessoa está "próxima" 
porque sua localização pode não estar exatamente no centro da zona 
temporal. Além disso as zonas temporais foram definidas politicamente 
de modo que seus centros e contornos frequentemente não estão situados 
em merianos múltiplos de 15o. Entretanto, para realizar esse cálculo 
uma pessoa precisa ter um cronômetro que marque o UTC e precisa 
determinar o tempo local por meio de observações solares ou 
astronômicas. Se você estiver interessado em saber mais sobre de que 
modo foi descoberta a maneira de calcular a longitude consulte o livro 
"Longitude: The True Story of a Lone Genius Who Solved the Greatest 
Scientific Problem of His Time" de Dava Sobel, editado pela Penguin 
Books (ISBN: 0140258795).

O problema de orientação em alto mar se agravava mais ainda quando os 
navios singravam as águas desconhecidas do hemisfério sul. Nessa 
metade da "bola", ao contrário do que ocorria no hemisfério norte, não 
existia uma "estrela Polar", a estrela que fornece a (quase) exata 
localização do Pólo Norte. No hemisfério sul não existe uma estrela 
brilhante que marque exatamente a posição do Pólo Sul. No entanto, ao 
atingirem latitudes situadas cada vez mais ao sul do equador terrestre 
os navegadores puderam conhecer novas estrelas e associá-las a novas 
constelações. Entre essas constelações eles logo notaram o marcante 
Cruzeiro do Sul que pode dar uma orientação aproximada da localização 
do Pólo Sul terrestre.

A constelação do Cruzeiro do Sul já era conhecida bem antes das 
grandes navegações. A cerca de 2000 anos atrás as estrelas que a 
formam eram visíveis quase no nível do horizonte da Terra. Ao longo 
dos milênios o fenômeno da precessão fez com que esssas estrelas 
fossem deslocadas cada vez mais para o sul, não sendo mais visíveis 
por observadores situados em latitudes acima de 30 graus.

Foram os exploradores europeus que, no início do século XVI, 
redescobriram a constelação do Cruzeiro do Sul. Para esses navegadores 
essa constelação era um relógio muito importante, pois quando ela 
passava o meridiano ela ficava mais ou menos na posição vertical. 
Desse modo, estudando a inclinação da constelação Cruzeiro do Sul em 
relação ao meridiano, os navegadores podiam calcular a hora naquele 
momento.

Além disso, duas estrelas da constelação Cruzeiro do Sul, Gacrux e 
Acrux, apontam a direção do pólo sul celeste. Por esse motivo a 
constelação do Cruzeiro do Sul (Crux) foi usada extensivamente pelos 
navegantes das águas do hemisfério sul como marco que apontava a 
direção do pólo sul celeste.

Curiosamente, o Cruzeiro do Sul não existia como constelação na época 
das grandes navegações. Suas estrelas faziam parte da constelação 
Centaurus mas em 1679 Augustine Royer a descreveu como uma nova 
constelação, independente de Centaurus.

Aconteceu uma outra grande descoberta astronômica durante a viagem de 
Fernão de Magalhães pelo oceano Atlântico sul. Pela primeira vez foram 
observadas duas pequenas manchas nebulosas que se destacavam no céu 
escuro e salpicado de estrelas. Essas duas pequenas nuvens mais tarde 
receberam o nome de Grande Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de 
Magalhães. Na verdade esses dois objetos não são nuvens. Hoje sabemos 
que a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães são duas galáxias 
irregulares bem próximas à nossa Galáxia. A Grande Nuvem de Magalhães 
é visível como um objeto bastante fraco no céu noturno do hemisfério 
sul e fica situada no limite entre as constelações Dorado e Mensa. Já 
a Pequena Nuvem de Magalhães é uma pequena mancha esbranquiçada que 
podemos observar localizada na constelação Tucana. A Grande Nuvem de 
Magalhães está a uma distância de aproximadamente 180000 anos-luz da 
nossa Galáxia enquanto a Pequena Nuvem se localiza a cerca de 250000 
anos-luz de nós (imagens abaixo - da esquerda para a direita: Grande 
Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de Magalhães).

Durante muito tempo as Nuvens de Magalhães foram consideradas como as 
galáxias mais próximas da nossa mas perderam o seu lugar para a 
galáxia SagDEG (Sagittarius Dwarf Elliptical Galaxy), situada a 80000 
anos-luz da nossa, na constelação Sagittarius. Essa pequena galáxia 
(imagem abaixo) só foi descoberta em 1994 por R. Ibata, G. Gilmore e 
M. Irwin, do Royal Greenwich Observatory, Inglaterra.

As Nuvens de Magalhães são duas das três únicas galáxias que podemos 
observar a olho nú. A terceira galáxia observável sem o auxílio de 
equipamentos ópticos é a galáxia espiral Andrômeda (imagem abaixo), 
conhecida como M 31, observada no hemisfério norte e que está 
localizada na constelação Andrômeda a cerca de 2,9 milhões de anos-luz 
de nós.

Foi a expedição de Fernão de Magalhães que pela primeira vez registrou 
a existência das galáxias Grande Nuvem e Pequena Nuvem de Magalhães, 
ambas visíveis a olho nú no hemisfério sul. Ao contrário delas, a 
galáxia Andrômeda, visível a olho nú no hemisfério norte, já havia 
sido registrada pelo astrônomo persa Abd-al-Rahman Al-Sufias como 
sendo uma "pequena nuvem" no ano 964, no seu "Livro das Estrelas 
Fixas". Acredita-se que a galáxia Andrômeda já era conhecida dos 
astrônomos persas em Isfahan desde o ano 905, ou mesmo antes dessa data.


Vale a pena ler este livro?

Sem qualquer dúvida. O livro "Além do Fim do Mundo" é muito bem 
escrito, fácil de ler e bastante agradável. A narrativa prende o 
leitor como se fosse um romance de aventura. Na verdade, é um romance 
de aventura, um épico que podemos comparar às viagens espaciais 
realizadas à Lua no século passado. Existe, sem dúvida, alguns 
pequenos problemas no livro que poderiam ter melhorado bastante a vida 
do leitor. Por exemplo, o autor usa muitos termos técnicos de marinha 
tais como amura, fasquias, lais de verga, verga redonda, etc. Um 
pequeno glossário ajudaria bastante a compreender o que esses termos 
significam. Aliás, uma pequena figura de um navio da época indicando 
suas partes seria excepcional. Senti também a falta de um mapa 
detalhado para melhor acompanhar a aventura de Fernão de Magalhães. O 
mapa apresentado no início do livro é simples demais para o volume de 
fatos narrados. Melhor ainda seria se o autor nos tivesse presenteado 
com a comparação entre um mapa atual e o mapa usado por Pigafetta para 
a viagem. Poderíamos também criticar o fato de que o livro "Além do 
fim do mundo" não tenta explicar o porque da dificuldade de se 
calcular a longitude naquela época. Na verdade a determinação da 
longitude é um problema que, por sua extensão e complexidade, tem 
exigido vários livros, alguns bastante especializados. Podemos 
entender o fato de Bergreen não ter entrado nesse assunto mas 
certamente ele podia ter feito uma pequena discussão tal qual a 
mostrada acima nesse texto.

Um leitor mais zangado diria: "se você quer ver tudo isso em um livro 
escreva-o você mesmo sobre o mesmo assunto". É claro que o "choro" 
feito no parágrafo anterior de modo algum invalida a qualidade do 
livro "Além do fim do mundo". Esse é um dos bons exemplos de livros 
que agradam ao leitor comum do início ao fim. Pode ser que um 
historiador não concorde com alguns fatos apresentados e possa até 
mesmo fazer críticas mais pertinentes ao seu conteúdo. Nós, que não 
somos historiadores, nos contentamos com os fatos alí narrados, que 
nos dão uma visão do que era a vida na época das primeiras grandes 
aventuras da humanidade: as viagens de descobrimento. Ao ver esse 
livro, "Além do fim do mundo", tão agradável nas bancas das livrarias, 
pelo menos nos fica a sensação de que o sacrifício de algumas árvores 
para a sua confecção não foi em vão. O mesmo não podemos dizer quando 
olhamos em volta para as outras bancas, lotadas com os famigerados 
livros de auto-ajuda e outras bobagens do gênero.



24 de novembro de 2020

O desaparecimento: Rudolf Bickel

Não tenho mais condições físicas de encarar grandes desafios. Que leitura! Rudolf Bickel constrói uma boa trama de suspense acredito que baseado na sua longa experiência de policial. Um exímio contador de histórias!

No entanto, há muita forçação de barra nessa ficção! O garoto acha que vai virar um piloto de F-1 da noite pro dia, até aí tudo bem, eu achava que era devaneio dele, mas - acreditem se quiser! - ele se inscreve na última hora e ganha a primeira corrida sem ter nunca participado de um treino sequer com o carro. Bem, nem tudo é mágico, e a história se torna um thriller instigante na volta do garoto pro Brasil acompanhado da noiva e da amante. A amante se revela para a noiva e segue daí uma sucessão improvável de acontecimentos que acaba levando nosso herói para uma penitenciária onde ficará trancafiado por muitos anos.

Há alguns pontos fracos no enredo, por exemplo, o de achar que fabricação caseira de peças de ferro numa fundição de fundo de quintal no Brasil possa interessar a uma escuderia italiana de fórmula 1. E outra coisa que me pareceu uma falha geográfica na história, posso estar enganado, mas não me consta que o Tâmisa seja na Itália!

Maceió - onde a farsa se consuma

ERA MELHOR NÃO TER COMEÇADO

Nunca damos muita importância a como as coisas começam em nossa vida. Quando nos damos conta, já estamos completamente envolvidos, e as coisas parecem que ganham vida própria . Tornamo-nos quase autômatos com o desenrolar dos acontecimentos. 

Erechim - Rio Grande do Sul

Cuidado com o que você deseja. Pode tornar-se realidade!


20 de novembro de 2020

Salve lindo pendão!


Nos dias que se seguiram à partida da Bebel, você me mandou esse belíssimo trecho de uma carta de Proust a George de Lauris. Hoje, a cada lembrança do aniversário dela, compreendo mais profundamente o que Proust queria dizer. 
 

"Agora posso lhe dizer uma coisa: você conhecerá doçuras em que ainda não pode acreditar. Quando tinha sua mãe, você pensava muito nos dias de hoje, em que você não a teria mais. Agora você pensará muito nos dias em que a tinha. Quando se habituar a essa coisa horrível que está para sempre no outrora, então a sentirá reviver pouco a pouco, voltar para assumir seu lugar, seu lugar pleno junto a você. Neste momento, isso ainda não é possível. Fique inerte, espere que a força incompreensível (...) que o partiu o alivie um pouco, digo um pouco porque você conservará para sempre algo de partido. Diga também isso a si mesmo, pois é uma doçura saber que jamais amaremos menos, que nunca nos consolaremos, que nos lembraremos cada vez mais."







17 de novembro de 2020

A febre da terra e as drogas do sertão


Por Wagner Medeiros Junior
Após a expulsão dos franceses do Maranhão, em 1615, o português Francisco Caldeira de Castelo Branco é nomeado para comandar uma expedição militar com o fim de explorar o território do Grão-Pará e conter as incursões estrangeiras, que partiam da França, Holanda e Inglaterra. A proteção da foz do Amazonas era estratégica para manter a posse do território do Grão-Pará e seu rico estuário sob controle ibérico, uma vez que a coroa portuguesa encontrava-se sob o domínio da Dinastia Filipina (1580-1640).
Logo que chega à baia do Guajará, em 12 de janeiro de 1616, o capitão-mor Castelo Branco ordena a construção de um forte, nominando-o Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo do Presépio de Belém. Depois é levantada uma pequena capela e iniciada a construção de um povoado, que recebe o nome de “Feliz Lusitânia” e mais tarde passará a chamar-se Belém. Começava ali um pequeno núcleo da colonização e expansão da presença portuguesa na América, em um vasto território que pelo Tratado de Tordesilhas pertencia à Espanha.
A região da baia do Guajará encontrava-se habitada pelos índios Tupinambás. Com a chegada dos primeiros colonos a reação dos nativos é atroz. Os Tupinambás cultuavam as tradições de seus antepassados e não conheciam a cobiça e o sentimento de posse. Por sua cultura resistiam ao trabalho forçado e o julgo ao colonizador, o que tornou a ocupação do Grão-Pará deveras árdua e tensa, marcada por rastros e rastros de sangue, pois à medida que a exploração da terra avançava, muitas tribos iam sendo dizimadas e mais índios capturados, com objetivo exclusivo de escravizá-los.
O domínio da região amazônica implicou ainda no rechaço ao corso e na destruição de toda feitoria estrangeira que fosse encontrada. Cada carregamento de madeira e dos outros produtos extraídos da floresta, entre eles as chamadas “drogas do sertão”, alcançava excelentes valores na Europa. Daí o ímpeto bélico luso e seu projeto de conquista com o intuito de manter o monopólio desses produtos, o que tornava imperativo a exclusão das demais potências européias.   
Assim, aos poucos, novos cursos de rios e terras foram sendo conquistados e explorados. Da entrada do atual estado do Maranhão ao Amapá, do alto ao baixo Amazonas, do Tocantins ao Negro extraia-se o óleo de copaíba, cacau, canela, baunilha, pimenta, salsaparrilha, urucu, castanhas, anil, couros diversos, entre tantos outros produtos. Segundo a historiadora Magda Ricci, em seu ensaio “Cabanos, patriotismo e identidade: outras histórias de uma revolução”, mais que a quantidade de produtos, sua diversidade e necessidade na Europa tornavam o comércio com o antigo Grão-Pará peça fundamental no mundo ultramarino português.
Por esta razão, o Grão-Pará acabou por se tornar uma colônia de influência predominantemente portuguesa. A colônia foi oficialmente criada em 1626, durante o reinado de Felipe III de Portugal e IV da Espanha, com o nome de Colônia do Grão-Pará e Maranhão. Ela englobava, além do atual Pará, o Amazonas, parte do Ceará, Maranhão e Piauí. Neste período a colônia do Brasil já abarcava as demais possessões portuguesas na América, onde predominava a monocultura da cana de açúcar e o engenho. Em função da vocação extrativista, a colônia cresceria fortemente ligada a Portugal, sem grande laço com o Brasil.
A expansão da atividade extrativista no Grão-Pará induziu a agricultura de subsistência e a criação do gado, alimentando um modelo econômico que se sustentava na exploração da terra e na escravização do índio. Este modelo atraiu as missões católicas, visando inicialmente a proteção e a catequese dos nativos. Entretanto, o trabalho missionário também implicava na utilização do trabalho dos índios, como necessitava de grandes espaços de terra para produção e exploração dos recursos da floresta, o que colocou as missões em concorrência e conflito com o colono português.
Mais tarde, com a escassez de índios para aplicação da mão de obra na lavoura, e a introdução da monocultura do algodão, é que a escravidão do negro africano é instituída nas possessões do Grão-Pará e Maranhão.

Visite o blog:  Preto no Branco por Wagner Medeiros Junior

15 de novembro de 2020

Uma noite memorável (2)

Conheça as escolhas dos leitores na dinâmica idealizada por Gracinda Rosa no lançamento do livro do Clic 15 anos


Gracinda Rosa
Gracinda nos brindou com uma de suas maravilhosas dinâmicas, planejada para a ocasião com carinho e delicadeza. Dez leitores,além da autora da brincadeira, citaram personagens marcantes de livros lidos pelo CLIc que gostariam de encontrar, em que local seria o encontro e o que perguntariam a eles. Confira abaixo as escolhas:

Leitor
Livro
Autor
Personagem
Local do encontro
O que diria
Gracinda
Eu, menina toda prosa e alguma poesia
Ilnea País de Miranda
A menina
Reunião do CLIc
Perguntaria quando sairia seu novo livro
Ceci
1934
Alberto Moravia
Lucio
Capri/Itália
Perguntaria se é possível viver no desespero, mas tentando conduzi-lo à vida
Dília
O ano da morte de Ricardo Reis
José Saramago
Ricardo Reis
MAC
Perguntaria por que escolheu o Brasil para se expatriar
Cyanna
Não especificado
Guimarães Rosa
Não especificado
Niterói
Passearia com ele pelas praias de Icaraí e arredores
Rita
A máquina de fazer espanhóis
Valter Hugo Mae
Sr. Silva
Portugal
Perguntaria o que ele faria diferente em sua vida se pudesse viver novamente
Maria Marlie
Vermelho Amargo
Bartolomeu Campos de Queiróz
O menino
Não especificado
Perguntaria se ele era realmente o escritor
Norma
Equador
Miguel de Souza Tavares
Bernardo
Qualquer lugar que não fosse a ilha de São Tomé e Príncipe
(não registrado)
Adelina
A menina que roubava livros
Markus Zusak
Liesel

Na biblioteca da esposa do prefeito
(não registrado)
Beth
Flor de Neve e o leque secreto
Lisa See
Flor da Neve
No Brasil
Perguntaria como ela suportou tudo aquilo
Vera
Inés de Minha Alma
Isabel Allende
Inés
Santiago/Chile
Pediria que contasse as experiências do passado e comparasse a Santiago atual à que conheceu e desbravou
Newton
Todos os nomes
José Saramago
Sr. José
Apto da moça que Sr. José visitou, em Portugal
Perguntaria o que ele sentiu ao cheirar as roupas da moça


10 de novembro de 2020

Assista a "O poeta dos sonhos - Sonia Salim" no YouTube


 VI Festival de Poesias e Contos do CLARON - 10º lugar na  categoria Poesia 





O Poeta dos Sonhos
 
A porta estava entreaberta
E ela adentrou a casa sombria
Vasculhou os cômodos
Visitou todos os lugares
E não se encontrou ali
Estava em ambiente estranho
Muito diferente dos seus
E dos que havia conhecido
Mas era mulher corajosa
Percebeu tudo, do porão ao sótão
Abriu armários e cômodas
Andou por corredores e varandas
Avistou a biblioteca e pegou um livro
Limpou a poeira e viu a capa
E o título reluzia:
Uma Pérola Singular
Então, cuidadosamente
Leu algumas páginas
Eram poemas lindos, exuberantes
Falavam de eternos amores
Que o tempo não conseguiu desfazer
Mas, outra mão fechou o livro
E disse a ela: eu sou o autor
E o sonho acabou
 
Sonia Salim


 

8 de novembro de 2020

O silêncio das sereias: Franz Kafka

 


Túmulo mais antigo do cemitério. 

Ninguém sabe de quem é. 

Fica na entrada. 

Pede silêncio. 

Tudo a ver com o conto do Kafka. 

(Mary)



As sereias do Kafka têm garras, logo são mulheres-pássaro. Por isso o belo canto. (Sol)




07/11/2020

17h00

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3 de novembro de 2020

Dia de Letícia!


"Olha que coisa mais linda",
Chegou bonita que só!
Alegria da Gracinda,

Leticia, que a fez Vovó!

(Ilnéa)

Amigos do CLIC,
  
Letícia chegou!
Trazendo muita alegria
para Vó Gracinda.


E o que mais trouxe Letícia para Vovó Gracinda?
  
  L UZ
              E SPERANÇA
          T ERNURA
               I NSPIRAÇÃO
          C ORAGEM
             I NOCÊNCIA
        A LEGRIA

E os titios do CLIC o que dizem para Letícia, para o Papai, para a Mamãe e para a Vovó?
      
Que sejam muito FELIZES!

Elenir

2 de novembro de 2020

Le Premier Homme: Albert Camus


Camus, était-il un existentialiste? Il même a dit non et Jacques, le protagoniste de son dernier roman, une oeuvre qui a resté inachevée, semble confirmer cette hypothèse. Le manuscrit, retrouvé dans la voiture qui lui a tué, montre une sorte de  «archéologie» de l'écritture de Camus, contenant plusieurs feuilles en montrant le plan de travail pour "Le Premier Homme". Dans un de ces tracts, le narrateur dit qu'il avait essayé d'aimer tout ce qu'il avait choisi dans la vie, mais qui n'a pris fin que pour l'amour qui lui a eté  imposé subrepticement par des circonstances, l'amour qui a duré plus par hasard que par volonté, et enfin devenu nécessité. Comment pouvons-nous être libres si le coeur n'est pas libre,  si «l'amour véritable n'est pas un choix ni une liberté", se demande le narrateur? J'ai l'impression que Jacques est le caractère inévitable de Camus, celui qui révèle, derrière tout le defi et le questionnement, la voix du cœur nécessaire et urgent. Je pense qu'il ne peut y avoir l'existentialisme authentique si nous n'arrivons pas à aimer ce que nous choisissons. C'est vrai que l'amour est au coeur et la liberté est à l'âme, mais il est temps pour l'amour et la liberté d'être ensemble. Voilà!



La voiture après l'accident qui a tué Camus

De plus,un poème de l'un de nos lecteurs:



"Viver a realidade crua e cruel
Sentir na pele a fome, a guerra
Sorver a miséria diária dos gestos
E mesmo assim poder amar

Esse é Jacques, é Camus
É o primeiro homem que habita em nós
Não se fez sozinho, mas sem pai
Foi moldado à falta


Depois, incompleto o adulto
Parece ter-se exagerado em feitos e atos
Para preencher a ingenuidade que não herdara
Mas via espelhada na mãe resignada

E a culpa corroeu-lhe a alma de menino
E transformou-se em seu sangue cuspido
Que precisava ser decifrado sem letras
Para enfim conseguir o perdão que buscava

Da mãe, da vida, de si"



1 de novembro de 2020

Astronomia Literária - Memorial do Convento: José Saramago

 




"Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim, Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo foi de padre, não alcunha de qualquer um. Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no céu, Lua onde estás, Sol aonde vais."

Temos de construir aqui uma forja, temperar os ferros, senão até o peso da passarola os fará vergar, e o padre respondeu, Não se me dá que verguem ou não, o caso é que ela voasse, e assim não pode voar se lhe falta o éter, Que é isso, perguntou Blimunda, É o onde se suspendem as estrelas, E como se há de ele trazer para cá, perguntou Baltazar, Pelas artes da alquimia, em que não sou hábil, mas sobre isso não dirão nunca uma palavra, suceda o que suceder, Então como faremos, Partirei breve para a Holanda, que é terra de muitos sábios, e lá aprenderei a descer o éter do espaço, de modo a introduzi-lo nas esferas, porque sem ele nunca a máquina voará, Que virtude é essa do éter, perguntou Blimunda, É ser parte da virtude geral que atrai os seres e os corpos, e até as coisas inanimadas, se os libertam do peso da terra, para o sol...

A grande tristeza de Baltazar e Blimunda é não haver uma rede que possa ser lançada até às estrelas e trazer de lá o éter que as sustenta...

Quando Baltazar entra em casa, ouve o murmúrio que vem da cozinha, é a voz da mãe, a voz de Blimunda,  ora uma, ora outra, mal se conhecem e têm tanto para dizer, é a grande, interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fosse falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta. Deite-me a sua bênção, minha mãe, Deus te abençoe, meu filho, não falou Blimunda, não lhe falou Baltazar, apenas se olharam, olharem-se era a casa de ambos.