Eu falo, falo — diz Marco —, mas quem me ouve retém
somente as palavras que deseja. Uma é a descrição do mundo à qual você empresta a sua bondosa atenção, outra é a que correrá os campanários de descarregadores e gondoleiros às margens do canal diante da minha casa no dia do meu retorno, outra ainda a que poderia ditar em idade avançada se fosse aprisionado por piratas genoveses e colocado aos ferros na mesma cela de um escriba de romances de aventuras. Quem comanda a narração não é a voz: é o ouvido.
As cidades invisíveis" tem presença garantida nas listas de melhores romances do século
ResponderExcluirXX, mas talvez não mereça o título. Não por sua qualidade literária, que é indiscutível, mas
sim porque a classificação “romance” talvez não seja suficiente para descrever esta obra
ou abranger a sua imensidão temática.
Isso porque “As cidades invisíveis” é prosa, mas é também poesia: suas páginas são
repletas de lirismo. Não há um fio narrativo claro. Marco Polo descreve a Kublai Khan uma
série de cidades imaginárias em capítulos curtos, organizados por temas. Às vezes, um ou
outro diálogo mais extenso entremeia os relatos. Mas, para Calvino, famoso por sua
inventividade, isso basta.
O próprio autor uma vez afirmou que “As cidades invisíveis” é o livro em que conseguiu
dizer mais coisas, uma vez que encontrou na cidade um grande símbolo para todas as
suas reflexões. Há divagações sobre semiótica e metafísica, sobre a linguagem e a morte,
enfim, sobre a própria essência humana. As metáforas espalhadas pelo livro são inúmeras
e abertas, obrigando o leitor a empreender sua própria viagem pelo universo fantástico
narrado por Marco Polo.
Já foi dito que o ideal, aqui, não é fazer como o turista que para, bate uma foto e já parte
para a próxima atração, mas sim saborear cada cidade vagarosamente de forma a
aproveitar o que ela tem para oferecer. Mantenha “As cidades invisíveis” ao lado de sua
cama, abra suas páginas aleatoriamente e deixe-se surpreender. Se ler é uma viagem,
este livro é um daqueles destinos obrigatórios.