Estou com a cabeça tão desnorteada que não tenho mais vontade
de escrever. Mas, como num círculo vicioso, não escrever me tira a vontade de
ter vontade, que por sua vez, me afasta mais ainda de escrever. Por essa razão
forço a barra, não quero ficar sem vontade de nada. Quando nada, preciso fazer
alguma coisa pra passar o tempo, ou distrair meu cérebro. Pensando assim,
peguei este laptop e comecei a escrever. Antes eu submeter meus pensamentos à
minha vontade do que deixar que eles submetam a minha vontade, com maus
pensamentos.
Quando falo que tenho tido maus pensamentos, as pessoas com
quem converso, principalmente os filhos logo perguntam: “Pai, que maus pensamentos são esses?”. Minha
resposta invariavelmente é que nem eu mesmo sei dizer o que são, apenas posso
dizer o que eles não são. Não são pensamentos concatenados, não se referem a
tragédias, não se relacionam a pessoas. E como sempre acontece, na verdade,
como sempre aconteceu desde que me entendo por gente, ponho-me a imaginar
possibilidades, querendo encontrar alguma resposta científica, mesmo sem ser
cientista ou sem fazer nenhum experimento científico concreto.
Reúno meu arcabouço imaginativo e, da mesma forma que faço
quando leio alguma receita de remédio, lá vai o “doutor cientista” Aquiles emitir
seus juízos acadêmicos. Imagino que o fato possa ser alguma anomalia no correto
funcionamento dos meus neurônios, talvez já cansados de tanto trabalhar, que
ficam se recusando a fazer a tarefa que devem fazer. Até consigo ser compassivo
com eles, coitados, já trabalhando ininterruptamente há tantos anos.
Mesmo atordoado como costumo ficar, penso que não se trata
exatamente de medos, que normalmente é o que os filhos devem estar imaginando
quando insistem comigo para explicar o inexplicável dos pensamentos ruins. Sou
plenamente consciente das limitações da pessoa idosa, no meu caso cerca de 84
anos. Ainda faço algumas caminhadas pelas ruas da cidade, prática que está
ficando cada vez mais difícil devido às enormes varizes que tenho nas pernas.
Mas as varizes são apenas os mais aparentes dos problemas.
Tenho outros distúrbios de circulação das veias e vasos, desde os pés até um
pouco acima do joelho. A visão já deixa um pouco a desejar, a audição tem lá
seus problemas, os órgãos internos costumam produzir sinais estranhos, os
intestinos às vezes me pregam peças. Tomo remédio pra pressão, pra colesterol,
pra varizes etc. Recentemente fiz uma lista de horários e pendurei no local
mais visível para não esquecer de nenhum.
Mas o que tem me incomodado muito ultimamente, além de mucos
intestinais são os lapsos de memória. Quando falo isso com algum dos filhos,
logo vêm eles querendo minimizar o problema dizendo: “ih... Pai!!“ eu também tenho isso”. Não
duvido que eles também possam ter, mas, independente de qualquer
coisa, este é o problema que incomoda. Estar falando com alguém e de repente
faltar a palavra, esquecer os nomes das pessoas, levantar-se da cadeira para
fazer alguma coisa e de repente se esquecer o que ia fazer, abrir a porta do
apartamento para sair e comprar alguma coisa e de repente se esquecer o que ia
comprar. Isso sem falar nos sobressaltos frequentes, levando as mãos nos bolsos
da calça e perguntando “onde deixei meus documentos? onde deixei as chaves? que
dia da semana é hoje? e do mês? Esqueci de
desligar o fogão? será que a água secou?”. Não têm fim os sobressaltos.
Recentemente comentando sobre essas coisas com um dos filhos
ele disse: mas você não se esquece de lembrar que está sem memória. Donde se
conclui que mesmo a ausência de algo sentido, tem a presença do conhecimento da
ausência. Ou, como diz o Eclesiastes “para tudo há um tempo, para cada coisa há
um momento debaixo dos céus”. A minha falta de memória e os incômodos mucos
intestinais, fazem parte do tempo que Deus me concede para aprender as coisas,
é um filtro automático que ele me oferece pra aliviar os cansadinhos dos meus
neurônios a não ter com que se preocupar.
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