Uma outra
história do "achamento"
Sempre se ouviu
dizer que o Brasil - que nem era Brasil naquela época e nem por muito tempo
depois - foi descoberto "por acaso" o que nunca se firmou como
verdade. E o que eu vou contar para vocês bem pode rezar pela mesma cartilha.
A
história se conta assim...
Diz-se que D.
Manuel I, venturoso Rei de Portugal, resolveu formar uma esquadra para refazer
o caminho das Índias, descoberto por um tal Vasco, que também era da Gama, mas
por certo não jogava futebol - que à época nem coisa de inglês era ainda - para
buscar especiarias para a cozinha do palácio.
No comando,
Pedro Álvares Cabral, navegador português de quatro costados; de escrivão, o
Caminha, para que de casos e acasos, nada ficasse sem registro, e de timoneiro
da nau capitânia... alguém que não sei o nome, mas de importância vital nesta
história. (aqui também
pode entrar a versão do coelho de estimação que se chamava Acaso por conta da
maneira como fora parar nas mãos do timoneiro)
Pois que este moço -
ora pá! - adorava comer coelhos! Só de pensar no acepipe, sua boca salivava,
lambia os beiços e estalava a língua. Pois para tristeza sua, disseram-lhe que,
jeito e maneira, coelhos não fariam parte da dieta das caravelas "não dão
sustância," diziam, "comem demais e fazem muita sujeira! Salgar não
adianta, pois que com tão pouca gordura, no final sobrará nada." (é que, naquele
tempo, como não havia refrigeração, as carnes viajavam salgadas, ou então
vivas, na embalagem original.)
O moço timoneiro
passava dias ensimesmado, andando de um lado para o outro, mãos enfiadas nas
algibeiras, lamentando os dias, meses, que ficaria sem provar da iguaria
preferida. Até que, para sua surpresa, achou, lá no fundo do bolso das calças,
uns ossinhos do coelho que comera umas semanas atrás. Pensou, "Ora pois,
pois! Visto essas calças o tempo todo! Se nem eu me apercebi que isto estava cá
..."
Sem demora foi ao curral de coelhos, pegou um dos "miúdos", meteu-o
bem no fundo da algibeira e lá se foi para a caravela.
No dia aprazado, ou seja,
"aos nove dias do mês de março do ano da Graça de 1500," sob
auspícios de D. Manuel, e algazarra generalizada do povo da terra, partem as
tantas caravelas, uma após outra, lideradas por aquela capitaneada por
Cabral.
Ao
timão, o TIMONEIRO com seu coelho escondido lá no fundo da algibeira... (Nota - acho
que aqui merecia uma musiquinha! Mas vamos deixar pra próxima!)
... e como era
timoneiro da nau capitânia... de certa forma era ele que capitaneava aquelas
outras tantas que lhe vinham atrás.
Em se considerando que
o Norte é "lá em cima," de lá veio nosso timoneiro arrastando
uma fieira de caravelas mar abaixo, na direção do Equador. Nesta manobra, bom
que se note, o Norte ficava-lhe às costas, o Leste à esquerda, o Oeste à
direita, e o Sul à frente... enfim: tudo ao contrário! Mas, seguindo sem piscar
as instruções do navegador, não havia o que errar. Para frente e para baixo, um
olho na carta o outro no mar, segurando o timão com firmeza.
Vez em quando o coelho miúdo
se lhe agitava a algibeira. Acalmava-o com uns tapinhas, uma cenoura, uma
folhinha verde, uns grãozinhos de cereal. À noite, quando não havia ninguém por
perto, prendia o timão na rota e ia até a beira do tombadilho descartar as
porcarias com que o bichinho presenteara seu bolso.
No princípio, tudo isso era manobra fácil. Mas com o
passar dos dias, o coelho foi crescendo, cada vez comendo mais, cada vez ....
mais, tomando mais lugar, e ficando mais e mais impaciente.
Uma
noite, lá pelas tantas da viagem, o bichinho - já nem tão "inho" assim
- mui arreliado, pulou tanto que o timoneiro, ocupado em seu mister num mar um
pouco agitado, deu-lhe uma espremida de encontro ao timão. O coelho, já de bom
tamanho para a panela, pulou fora da algibeira e saiu pulando pelo tombadilho.
Vendo seu prato favorito ameaçado, nosso moço largou o timão e correu-lhe
atrás.
Nem é preciso
entender de navegação para perceber o que aconteceu. O coelho sumiu porão
adentro; o timoneiro, desolado, voltou ao timão sem nem notar certo desvio para
a direita que, nas circunstâncias já descritas, significava para o Oeste, ou
seja contrário à pretensa rota declarada - as Índias.
A esquadra, distraída,
continuou seguindo atrás.
Dias mais de bons ventos, o
vigia, encarrapitado no alto do mastro, em seu cesto da gávea, anunciou o que
todos esperavam:
Os que puderam, correram para a proa.
Todos queriam avistar a terra que pensavam ser as Índias.
E de sua
posição privilegiada, lá do alto da gávea, gritou outra vez o encantado vigia:
"Ora
cá! Já "posso ver as índias! Todas lá na praia, peladinhas, com as
vergonhas de fora!"
Foi uma correria ainda maior. De
capitão a marinheiro raso. De tombadilho ao fundo do porão. Todos queriam ver o
que o vigia anunciava. Índias, peladinhas... e com as vergonhas de fora?! Isso
era coisa que nunca tinham visto e faziam questão de ver. No afã de ter a
melhor visão, nem se lembraram de fechar portas e alçapões.
O
porão foi deixado aberto, e de lá subiram galinhas cacarejantes e famintas e
aquele coelho do qual o timoneiro talvez nem lembrasse mais. Foi um fuzuê só! E
tamanha barulheira acordou um bando de papagaios que dormitava nas árvores.
Acordados, saíram voando na direção da caravela. Assustados, alguns se juntaram
à gritaria. E foi aí que, abrindo os bicos no grito, deixaram cair no
tombadilho uns caroços que carregavam.
As
galinhas - como já disse - famintas, danaram de comer as tais sementes! E
comeram tanto, tanto, que, ao findar a refeição, nada mais queriam do que tirar
uma soneca.
O
povo das caravelas seguiu como pode para a "confraternização" que
durou dia inteiro. À noitinha, voltaram os homens ao navio - mortos de fome de
tanta atividade. Mas descobriram que não havia nada para comer senão os ovos
que as galinhas haviam deitado.
"Vamos
fazer omeletas!" e prepararam os apetrechos. Só que, quando foram quebrar
os ovos... descobriram que aqueles não tinham clara nem gema. Primeiro pensaram
em jogá-los fora e até matar as galinhas que botavam ovos tão esquisitos.
Afinal, podiam ser venenosos!!!
Mas...
e sempre há que haver um "mas" para que as histórias façam
sentido, um dos ovos, descascados, caiu no chão.
E quem estava lá?
O nosso amigo coelho, o salvador! Também com fome, comeu o ovo. Os homens
ficaram olhando, curiosos e intrigados. Se o coelho morresse.... mas se não
morresse...
Morrer? Claro que não
morreu! E ainda postou-se nas patas de trás como que pedindo mais. Os homens
provaram do ovo escuro. Era uma delícia de gosto… e cheiravam como só!
E foi assim, que
naquele Domingo de Páscoa - e sempre por conta do Acaso, além do Brasil, foram
descobertos, servidos… e comidos Ovos de Chocolate… da Páscoa!
Ah! Penso que
esqueci de dizer: Acaso era o nome do coelho do Timoneiro que…
… mas isso é uma
outra história que, qualquer dia - quem sabe? - eu conto para vocês.
Grande Ilnéa, que texto saboroso, literalmente. Sensacional seu conto de Páscoa, muito criativo. O estilo até me lembrou um pouco Ariano Suassuna, no uso da linguagem e no humor. Parabéns!
ResponderExcluirAntônio tem toda razão.Mas não é surpresa perceber que aqui fala Ilnea, ela e ela mesma e sempre.Vive a escritora, cheia de alegria e desafios aos pensamentos. Vivas!
ResponderExcluirAbraços,
Elô
Adorei seu texto, Ilnea. Divertido, interessante, original e super oportuno. Me deu até água na boca, hum...
ResponderExcluirMuito empolgante o seu texto, Ilnea, vai nos envolvendo até o momento final e ainda nos deixa com vontade de saber mais. Bravo!
ResponderExcluirAbraços!!
Sonia Salim
Delicioso o seu conto, muito melhor do que chocolate. Adorei e o melhor sem calorias. Aguardo a prometida continuação no final do conto.
ResponderExcluirAbraços
ResponderExcluirEste Clube não para de nos trazer surpresas agradáveis...
Quanta criatividade!
Além de um encanto de pessoa você é cheia de charme e talento.
Parabéns Ilnea, me diverti muito com seu texto.
Vera Lúcia Schubnell Freire.
Querida amiga, então... além de poeta também contista e "das boas"! me sentí uma criança ouvindo histórias de boca aberta e olhos arregalados, imaginando as cenas, torcendo pelo Acaso e pelo infeliz timoneiro. Quero mais!!!
ResponderExcluirOi Ilnéia Me surpreendi!
ResponderExcluirQue timoneira é voce! nos guia por caminhos-frases,atraves
de mares recheados de uma extrema criatividade.
E vamos para o próximo....! Ceci
Um prazer imenso, ou vários prazeres enormes ler seus comentários.
ResponderExcluirPara ser absolutamente sincera, tinha até um certo "pejo" por conta das brincadeiras com nossos amigos portugueses. Mas como também tenho sangue (ou DNA?) português - meu Vô Chico, pai de minha mãe era português e minha avó Neném - ou Chiquinha, também Francisca como ele - era filha dos ditos... pois é: resolvi passar para vocês. E - sabem? - penso que, pelo menos por algum tempo, irão lembrar-se do Timoneiro e seu coelho Acaso quando comerem um delicioso ovo de chocolate. E a Páscoa, que já vem chegando, vai ser só um pouquinho mais engraçada.
Beijinhos com gosto de chocolate...
... Ilnéa...
em nome de Acaso, ainda um coelho um tantinho UNKNOWN.