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18 de março de 2019

Nobel de Jacques Fux: Adriana Mendonça


Na superfície, o livro de Jacques Fux pode ser lido como uma espécie de revista Caras da literatura. É por esse, senão outro motivo, que o lemos numa “sentada” – fofocas de pessoas que conhecemos e admiramos. Mas a destacável intelectualidade e boa escrita de Fux não pode servir a esse fim, é pouco para ele. Portanto, peguemos a escada rumo ao porão para visualizarmos os outros níveis do livro.

Na atualidade, Nobel se presta perfeitamente aos debates sobre obra x homem. Se são ou não confundíveis, logo, passíveis de absolvição ou de condenação juntas ou separadas de seus autores. Pelo que me lembro, tudo começou com Monteiro Lobato e a negra Anastácia, que suava no forno e fogão para fazer deliciosos quitutes, mas quem desfrutava da glória era Dona Benta, avó branca, proprietária e escravagista(?). Muitas são as bocas que desejam atiçar as brasas da fogueira das vaidades e, à Savonarola, consumir com a obra de Monteiro Lobato, outras não.



Fux parece amalgamar a obra ao homem. Ele declara que o homem é a obra, e ainda joga luz sobre aspectos mesquinhos de autores consagrados, e ainda mais, atribui-lhes à mesquinhez a genialidade ou talento. O gênio criador imerso nos baixos sentimentos despertaria a mais intensa capacidade criativa. Fux entende que só quando se chafurda na merda é possível “botar pra fora” as melhores letras - grandes obras fermentaram no fundo do poço antes de subirem à gala para nosso conhecimento.

Esse ideal de artista povoa nossas mentes há quanto tempo? A ideia de que só as drogas possibilitam o go deep, que só aquele pé na bunda histórico para um capo lavoro, ou que toda boa obra deve vir do submundo da alma, são questões difíceis de serem contrariadas porque atendem ao estereótipo.
Curioso ler Nobel logo depois de assistir ao Ilustre Cidadão. Nesse filme, o ator diz que o sofrimento não é necessário para a produção de uma obra, mas escreve o contrário disso e nós ficamos sem saber o que ele pensa de verdade.


A terceira colocação do autor é a humanização dos ídolos, sobretudo daqueles que alçaram a maior honraria a que um escritor pode chegar. Jacques é a lixa que raspa o verniz da polidez e nos entrega o osso de elegantes autores – o ego, a energia motriz de toda obra.

Como estamos a tratar de um grupo de discussão gostaria de deixar minha opinião quanto às questões propostas no livro.

1 - Eu, se pudesse, absolveria as obras, acho que elas devem existir, o filtro deveria ser a educação, o debate e a reflexão. Ninguém tem a capacidade de proibir uma manifestação artística antes de ela ser proposta. Depois de pronta, podemos estabelecer-lhe requisitos como idade e local apropriados para a sua exposição. O censor é uma pessoa eivada de preconceitos e padrão moral próprios de sua tribo, logo, a discussão é da sociedade e pode haver nichos específicos para as ditas obras chocantes. Em último caso, a justiça poderá ser acionada. Também não confundo obra e autor porque o texto é que deve valer. Todos os autores passarão, mas é de seus livros que precisaremos para seguir adiante.
2 – Pessoalmente, a mais interessante pergunta do livro é: só na dor há criação?

Eu mesma me faço essa pergunta, pergunto aos autores que gosto, pergunto a cada trecho surpreendente que me fez fechar as páginas do livro e me colocou na reflexão. Como não tenho resposta recorri a Sócrates.



O método socrático diz: uma afirmativa correta é aquela que não dá marguem a ser racionalmente contestada. Uma afirmativa é verdadeira se não pode ser invalidada. Se puder, não importa o número de exceções, nem a posição intelectual ou social das pessoas que acreditam na dita verdade. Sócrates me anima a dizer que a afirmação de Fux em Nobel é no mínimo imprecisa. Gabriel Garcia escreveu Cem anos de Solidão dentro de seu quarto, numa situação familiar favorável, inclusive com a mulher trabalhando para pagar as contas de casa. Jane Austen! Produziu uma obra maravilhosa só na observação, escreveu escondida, porque não “pegava” bem uma moça ser escritora. Guimarães Rosa, espiritualizado, místico, mítico, viveu uma vida tranquila ao lado da amada esposa. William Wordsworth e seus poemas doces sobre cantos de pássaros ou a perninha de algum gafanhoto.

Ah, mas daí pode-se dizer: não sabemos o inferno que eram as almas dessas pessoas. Realmente não sabemos. Mas, se todos vivemos no inferno, vivermos todos no paraíso, teria o mesmo efeito para a criação literária. De qualquer maneira, parece-me imprecisa a afirmação de que a criação precisa dos extraordinários: sofrimento, pecado, sujeira etc etc.

Acho que a vida conturbada do artista funciona como marketing e, em outros casos, o próprio artista adora se adequar ao estereótipo, esquecendo-se que escrever é trabalho duro.

Enfim, parece-nos decepcionante ver uma grande obra ser produzida na boa e velha domesticidade ao mesmo tempo que, por outro lado, isso nos confrontaria, porque perderíamos o álibi por não estarmos nós mesmos produzindo algo realmente bom.

3 – Achei válida e divertida a difamação perpetrada por Jacques, nos ajuda na interpretação das dores humanas, sobretudo a auto depreciação.

Boa reunião ao grupo de Icaraí, beijos.


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Acho que todos nós quando nos deparamos com alguma obra e ficamos incomodados ou impressionados, gostamos de saber da vida do autor, como vive/u e o que o levou a escrever, pintar, desenhar, interpretar...

    Nobel, de Jacques Fux nos coloca frente a frente com as mazelas da vida e ao mesmo tempo nos leva a conhecer as obras de alguns dos autores citados.

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  3. Espero que tenham gostado do livro! Obrigado pela escolha e sucesso com o clube! abração

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