Foi uma bala perdida que pegou o Zé das Verduras. O Diabo estava solto. O aço dos bandidos e da polícia atingiu a creche, a igreja, o ponto do bicho e o bar do Zito, onde a rapaziada do samba se reunia. Quem era de versar, não versava; até a força da imaginação se encolhia. O som dos tiros era uma música dos infernos que arrebentava os ouvidos. A Morte viajava ligeira e barulhenta a procura de uma vida qualquer.
Só depois do corre-corre, do se joga no chão, do pega pra capar é que se acudiu o Zé das Verduras, pois ninguém podia ser socorrido no meio dos balaços grossos que furavam paredes. Com Satanás livre comandando os seus demônios, quem enfrentou a praga foi Maria Antonia para salvar os filhos da Maria Isabel. As duas eram inimigas. Saíam na porrada por causa do mesmo homem. Maria Antonia não pensou em nada quando viu as crianças da outra em meio à desgraça. Catou os pretinhos da inimiga e com eles se abrigou debaixo da sua cama.
Colado no chão, o bicheiro Vantuil viu quando o Zé das Verduras tombou. Mas o velho filho da puta não se abrigou por quê, porra? O Zé estava gesticulando e gritando para o Chocolate, o eletricista do morro, que, pendurado no alto da escada, consertava os fios da casa da Rezadeira, atingidos em outro tiroteio. Zé das Verduras queria que Chocolate se protegesse.
Quando veio aquele silêncio amargo, aquela calma desconfiada, aquela paz triste é que se pode dar conta dos velhos, dos doentes, das crianças, do Chocolate, que passou mal na escada, e do Zé das Verduras que agora exigia vela e um lençol apenas.
O corpo ficou ali o dia todo. Talvez ele não quisesse ir embora, tão acostumado com o seu povo e a sua barraca. O morro era a sua família. Ele não tinha ninguém e não acreditava que encontraria os seus parentes depois da morte como pregavam o Pastor e a Rezadeira, cada um ao seu jeito. Os moradores se revezavam acendendo as velas e arrumando o lençol que algum descuidado desarrumava, deixando o rosto preto do Zé das Verduras exposto ao sol quente.
Quando anoiteceu, apenas a Rezadeira, o Pastor, o Chocolate, a Maria Antonia e a Maria Isabel permaneceram na vigília e guarda do corpo. O morro estava na escuridão, os tiros atingiram o transformador. Só o Zé das Verduras tinha luz própria.
Parabéns, Hélio, gostei muito do seu conto! Fico feliz por ele participar de nossa Antologia!
ResponderExcluirDura realidade e excelente conto, Hélio Penna! Parabéns!
ResponderExcluirMuito obrigado. Este conto nasceu de uma notícia das rádios.
ExcluirParabéns, infelizmente essa ê a realidade do nosso cotidiano.
ResponderExcluirPodemos visualizar as cenas!
Hélio Penna tem o dom de retratar em palavras acontecimentos do cotidiano, denunciando suas injustiças e as barbaridades. Uma joia de Texto!
ResponderExcluirObrigado. Foi escrito no dia do último tiroteio na Rocinha, quando morreu um verdureiro inocente e sem família.
ExcluirO texto relata com fidelidade o cotidiano do povo brasileiro. A leitura nos trás aos olhos o dia a dia cruel e verdadeiro. Parabens Helio Penna
ResponderExcluirConto maravilhoso!!triste e perfeito retrato da realidade que atinge nosso povo!
ResponderExcluirParabéns Hélio Penna. Excelente conto mostrando a nossa dura realidade com detalhes. Mais uma vez, Hélio Penna está de parabéns!
ResponderExcluirDurante a leitura, fui transportada para a dura realidade cotidiana de muitas cidades de nosso país. Excelente texto! Excelente autor! Parabéns!
ResponderExcluirExcelente texto! Dura realidade!
ResponderExcluirParabéns, amigo Hélio. Mais um texto singular que mostra nossa triste realidade com beleza e sensibilidade.
ResponderExcluirQue lindo texto! A singeleza dos lençóis e velas amparando os sempre achados de balas que fingem se perder... que linda cena...
ResponderExcluirAgradeço todos os comentários elogiosos. Isto nos incentiva a permanecer no ofício e continuar aprendendo. Agradeço ao Clube de Leitura, que permite divulgar meus sonhos, dores e alegrias.
ResponderExcluirCaramba irmão me fez chorar. Parabens vc é 1000! Sempre te admirei e sempre terá meu respeito. Jojoba!
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