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23 de abril de 2024

Ode a Um Rouxinol: John Keats

Leitura de referência - Shalimar, o equilibrista: Salman Rushdie
Debate: 11 de setembro de 2015 - 19:00 h
Livraria Icaraí - Icaraí - Niterói




Doi-me o coração, e um torpor letárgico
Fere meu sentido, como se tomasse cicuta,
Ou ingerisse até o fim algum ópio
Instantes atrás, e ao Letes me precipitasse.
Não que inveje teu alegre destino
Mas por ser feliz com tua alegria - 
Que tu, Dríade das leves asas,
Num lugar melodioso
De faias verdes, e sombras incontáveis,
Celebras a plena voz teu canto de verão.



II



Oh! Gole farto de vinho velho!
Fresco há muito no profundo coração da terra,
Com sabor da Flora e verdes prados,
Dança e canção Provençal, alegria queimada de sol!
Oh! taça plena do quente Sul
Cheia da vera e rubra Hipocrene
Com borbulhas qual contas piscando nas bordas,
Boca tinta de púrpura;
Se pudesse beber, e sumir deste mundo,
E contigo desvanecer na escura floresta.



III



Desvanecer, dissolver e deslembrar
O que tu entre as folhas jamais conheceste
O fastio, a febre, e o frêmito
Aqui, onde os homens sentam e se escutam gemer;
Onde a paralisia agita os últimos parcos cabelos brancos,
Onde os jovens empalidecem, e morrem qual espectros;
Onde apenas pensar causa a dor
E o desespero dos olhos plúmbeos,
Onde a Beleza não pode suster seus olhos brilhantes,
Nem um novo Amor definhar mais um dia.



IV



Longe, Longe! A ti voarei,
Não na carruagem de Baco e seus leopardos,
Mas nas invisíveis asas da Poesia
Embora o turvo cérebro retarde e confunda.
Já contigo! Suave é a noite,
E talvez a Rainha Lua esteja em seu trono
Cercada por suas Fadas estelares;
Mas aqui não há luz,
Senão aquela que do céu com as brisas sopra
Pelas glaucas trevas e sendas sinuosas de musgo.



V



Não vejo que flores estão a meus pés,
Nem qual suave incenso dos ramos exala,
Mas, na treva embalsamada, desvelo o aroma
Que cada mês regala
A relva, a coifa, as frutíferas árvores silvestres;
Branco pilriteiro e madresilva pastoral;
As violetas que cedo murcham veladas sob as folhas;
E a primeira filha dos meados de maio,
A rosa de almiscar, no vinho de orvalho imersa,
Murmúrea paragem de moscas das tardes de verão.



VI



No escuro escuto; por várias vezes
Que tenho sido seduzido pela suave morte,
Lhe dando ternos nomes em versos refletidos,
Para que pegasse no ar meu sutil alento;
Nunca como agora me parece tão boa a morte,
Findar a meia-noite sem nenhuma dor,
Enquanto tu em torno desvanesces a alma
Neste êxtase!
Ainda cantarias, e de nada valeriam meus ouvidos - 
A teu alto réquiem em terra transformado.



VII



Não nasceste para a morte, Ave imortal!
As gerações famintas não pisam em ti;
A voz que escuto esta noite foi ouvida
Pelo palhaço e o imperador nos tempos remotos.
Talvez a mesma melodia que encontrou lugar
No triste coração de Rute, quando, saudosa do lar,
Chorou entre o trigo estrangeiro;
A mesma que várias vezes encantou
As mágicas janelas, abertas sobre a espuma
Dos mares perigosos, nas encantadas terras perdidas.



VIII



Perdidas! Esta palavra é como um sino
Que, dobrando, me faz voltar a mim mesmo!
Adeus! A fantasia não pode tanto iludir
Como parece, ó elfo ludibriador.
Adeus! Adeus! Teu hino pungente se esvai
Além dos prados vizinhos, sobre o tranquilo riacho,
Subindo o monte; é agora profundamente enterrado
Nas clareiras do vale ao lado.
Foi esta uma visão ou sonhei desperto?
A música se foi: - Estarei dormindo ou acordado? 






ODE A UM ROUXINOL

 A “Ode a um rouxinol”, uma das prediletas no grupo das grandes odes, trata da felicidade que é o canto do rouxinol, das tristezas do mundo e da sedução da morte; todavia o canto da avezinha transcende a mortalidade e é tão belo que o poeta, no fim, indaga se não terá sonhado. Jorge Luis Borges toma a ode como “fonte de inesgotável poesia”. Além do rouxinol que havia na casa de Hampstead, conta-se que uma noite da primavera de 1819, Keats se encontrava com Severn e outros companheiros na “Spaniard’s Inn”, em Hanpstead Heath; Severn percebeu de repente que Keats se havia eclipsado e deu com ele, sob um grupo de pinheiros, a ouvir um rouxinol. Keats seguiu a inovação de Coleridge, que foi o primeiro, diz-se, a fazer do canto do rouxinol um canto de alegria. Dias antes de escrever a ode, Keats conversara com Coleridge, e na palestra entraram rouxinóis. A ode foi publicada nos Annals of Fine Arts em julho de 1819, contendendo-se sobre se foi escrita no início ou em meados de maio, se antes ou depois da “Ode sobre uma urna grega”.


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