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14 de agosto de 2018

Revivendo leituras passadas: "O não-ser e o nada" de Oblómov: Goncharov

“Se correres muito nada encontrarás, e pior, não encontrarás a ti próprio.”


Volta às prateleiras o clássico Oblomov.

Nome do protagonista é sinônimo de "inércia" na Rússia
Antonio Gonçalves Filho 


Gontcharov: deprê à moda russa
Do livro Oblomov, de Ivan Gontcharov (1812-1891), já se disse quase tudo, inclusive que o decadente aristocrata que dá nome ao romance seria uma espécie de Hamlet russo. Há um certo exagero na comparação, até porque o dilema desse personagem é bem diferente daquele que levou o príncipe shakespeariano ao beco do "ser ou não ser". Oblomov não planeja nenhuma vingança. Ao contrário. Sua ausência de vontade, sua indolência e seu tédio aristocrático não são sintomas de um conflito interior movido pela cobrança de fantasmas, mas de uma doença hoje conhecida como depressão. Ainda que não seja um Hamlet, contudo, Oblomov tem a substância das grandes criações literárias. Tanto assim que seu nome deu origem a um termo russo, "oblomovchtina", equivalente, em português, a "inércia". É uma boa notícia tê-lo de volta às livrarias brasileiras, numa edição honesta, ainda que um pouco descuidada na revisão (tradução de Juliana Borges; Germinal; 551 páginas; 49 reais).
Aos 32 anos, o anti-herói de Gontcharov é um traste envelhecido que mofa num quarto eternamente fechado de um apartamento em São Petersburgo. Trata-se, enfim, de um zumbi, quase um morto social, não fossem as raras visitas de amigos fiéis como Stolz, única pessoa capaz de tirar Oblomov da cama. Em seu quarto, misto de escritório, sala de visitas e ante-sala do inferno, o protagonista passa a maior parte do tempo em discussões com o velho criado Zahar, "herdado" com a propriedade dos pais na província. Pressionado pelos prejuízos acumulados em sua propriedade rural, Oblomov planeja uma reforma que jamais irá concretizar. Mordaz, Gontcharov opta pelo tom farsesco quando descreve o ambiente e as roupas de seu aristocrata, mas acaba sucumbindo à compaixão, como nas melhores novelas de Tolstoi. Arrastado a reuniões mundanas pelo amigo Stolz, o sonhador Oblomov conhece Olga, mas nem mesmo a voz schubertiana da mulher amada o consegue livrar da solidão e do isolamento. Oblomov é o antípoda de Aduyev, o alpinista social de Uma História Trivial (1847), a primeira novela de Gontcharov. Aduyev deixa a aldeia natal para fazer fortuna em São Petersburgo. Para Oblomov, tanto esforço não leva a lugar nenhum. Melhor ficar na cama. E agradecer a Deus por o dia ter passado depressa neste mundo infernal de senhores e lacaios.
Logo nas primeiras páginas do romance é possível identificar traços biográficos do autor, criado por um avô aristocrata e liberal. Mas, embora satirize a indolência de Oblomov e dos nobres decadentes, Gontcharov, que foi funcionário público por 32 anos, revela-se um conservador. Ele foi, sim, um dos autores da Idade de Ouro da literatura russa. Avançou na trilha aberta por Turgueniev, tocou nos mesmos temas de Tchecov e foi visto por Dostoievski quase como um rival. No entanto, escreveu somente três livros. Tornou-se um escritor amargo, que encerraria sua carreira 22 anos antes de morrer. A despeito de criticar o provincianismo, não se interessou quase nada por aquilo que estava fora do alcance de seu nariz. Tinha muito do deprimido Oblomov, que só não se mata porque tem preguiça de chegar ao precipício.

SEM DAR UM PASSO

"Oblomov, nobre de nascimento, tem o posto de Secretário de Colégio e mora em São Petersburgo há doze anos, sem dali haver saído um só dia. Em vida dos pais estava alojado mais modestamente. Com a morte daqueles, tornou-se senhor de trezentos e cinqüenta servos, numa província distante, nos confins da Ásia. Era, então, jovem, e, se não se pode dizer que fosse ativo, tinha, pelo menos, mais vivacidade. Mas transcorreram os dias, uns após outros. Entrou na casa dos trinta e não dera ainda um único passo em qualquer direção."

Trecho de Oblomov




Fonte: Veja online

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