Fundado em 28 de Setembro de 1998

1 de abril de 2018

Opinião - Alma imoral, a peça: Emmanuel




O fio condutor de toda a peça, na minha leitura, é a ideia de que, na interação entre Corpo e Alma, o Corpo representa a tradição, o território, o passado, o fechado, o tangível, ao passo que a Alma representa a traição, a transgressão, o fluido, o líquido, o aberto, o intangível. 

Bonder vai buscar, como rabino que é, as três referencias fundantes da fé judaica, e como consequência também cristã, e as situa sobre três grandes traições. A primeira delas trata de Adão e Eva, como aqueles que traem o contrato original firmado com o Criador, segundo o qual eles não poderiam comer do fruto da árvore proibida. Ao traírem este contrato, eles iniciam a história da consciência humana, como humanos. Antes disso, eles eram macacos, imersos no Éden da Natureza, inteiramente submetidos à lógica e as delícias do seu ambiente. Com a traição, ingressam na grande aventura da consciência humana. 

A segunda traição ocorre no campo da cultura e tem em Abraão o seu grande protagonista. Abraão é aquele que ouviu certa vez, ou ao menos achou ter ouvido, uma mensagem de Deus, lhe dizendo: “pega suas coisas, sai desse lugar... vá para uma terra que vou lhe indicar”.  Saiu de casa, deixando pra trás pai, mãe e toda a sua gente com sua cultura. Na terra nova que Abraão vai ocupar, cedo ele se torna “prisioneiro” da nova cultura e, dentro dela, ouve de novo aquela voz dizer pra ele pegar o filho dele, que ele tanto ama, e oferece-lo em sacrifício no alto da montanha Moriat. Ele faz isso, provavelmente com muito pesar. Caminhou três dias com o filho que ele iria sacrificar, ouvindo do filho a indagação óbvia: “pai, cadê o cordeiro?”. Ao que ele responde, Deus proverá! No final, quando já preparava o sacrifício e levantava a mão com a faca, ouve o seu Deus advertir: “não levante a mão contra o menino”. Sim, o Deus de Abraão, diz e desdiz... essa é a terra prometida. Onde a consciência, em crise, debate e dialoga com a própria cultura, representante institucional do Corpo. 


A terceira traição fundante é no nível do indivíduo, quando Jacó, que viria a ser o Israel depois da sua luta com Deus, trai seu irmão Esaú, com o auxílio precioso da sua mãe, enganando o pai, idoso, meio cego e meio surdo. Essa traição inaugura a família, com seus interesses, as disputas, dentre elas a maior de todas, a do poder, da primogenitura, cuja função é preservar e multiplicar a semente do clã. 



Um comentário:

  1. Eu fico intrigada porque parece que hoje ( ou sempre foi assim.) nós nos traímos com o inconsciente. Ou o inconsciente nos prega peças? Eu não sei explicar.

    ResponderExcluir

Prezado leitor, em função da publicação de spams no campo comentários, fomos obrigados a moderá-los. Seu comentário estará visível assim que pudermos lê-lo. Agradecemos a compreensão.