Virgília amava-me com fúria; aquela resposta era a verdade patente. Com os braços ao meu pescoço, calada, respirando muito, deixou-se ficar a olhar para mim, com os seus grandes e belos olhos, que davam uma sensação singular de luz úmida; eu deixei-me estar a vê-los, a namorar-lhe a boca, fresca como a madrugada, e insaciável como a morte. A beleza de Virgília tinha agora um tom grandioso, que não possuíra antes de casar. Era dessas figuras talhadas em pentélico, de um lavor nobre, rasgado e puro, tranqüilamente bela, como as estátuas, mas não apática nem fria. Ao contrário, tinha o aspecto das naturezas cálidas, e podia-se dizer que, na realidade, resumia todo o amor. Resumia-o sobretudo naquela ocasião, em que exprimia mudamente tudo quanto pode dizer a pupila humana. Mas o tempo urgia; deslacei-lhe as mãos, peguei-lhe nos pulsos, e, fito nela, perguntei se tinha coragem.
— De quê?
— De fugir. Iremos para onde nos for mais cômodo, uma casa grande ou pequena, à tua vontade, na roça ou na cidade, ou na Europa, onde te parecer, onde ninguém nos aborreça, e não haja perigos para ti, onde vivamos um para o outro... Sim? fujamos. Tarde ou cedo, ele pode descobrir alguma coisa, e estarás perdida...ouves? perdida... morta... e ele também, porque eu o matarei, juro-te.
A sátira menipeia é uma forma de sátira escrita geralmente em prosa, com extensão e estrutura similar a um romance, caracterizada pela crítica às atitudes mentais ao invés de a indivíduos específicos.
Memórias acabam em pizza |
Virgília era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, — devoção, ou talvez medo; creio que medo.
Bem aventurados os que não descem
porque deles é o primeiro beijo das moças
"O indivíduo se emociona para ficar 'fora de ação'
e não se encarregar da vida"
Fiquei prostrado. E contudo era eu, nesse tempo, um fiel compêndio de trivialidade e presunção. Jamais o problema da vida e da morte me oprimira o cérebro; nunca até esse dia me debruçara sobre o abismo do Inexplicável; faltava-me o essencial, que é o estímulo, a vertigem...
Para lhes dizer a verdade toda, eu refletia as opiniões de um cabeleireiro, que achei em Módena, e que se distinguia por não as ter absolutamente. Era a flor dos cabeleireiros; por mais demorada que fosse a operação do toucado, não enfadava nunca; ele intercalava as penteadelas com muitos motes e pulhas, cheios de um pico, de um sabor... Não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação...
Leituras Suplementares
O Alienista: Machado de Assis
Tartufo: Molière
Um mapa da desleitura: Harold Bloom
Teogonia: Hesíodo
Fenomenologia do espírito: Hegel
Poética: Aristóteles
Fausto: Goethe
Amar, verbo intransitivo: Mário de Andrade
Carmen: Prosper Merrimée
O riso: Bergson
Esboço para uma teoria das emoções: Jean Paul Sartre
Recollections of Early Childhood: V. Wordsworth
The rainbow: V. Wordsworth
Memórias de um sargento de milícias: Manuel Antônio de Almeida
Cândido: Voltaire
A Divina Comédia: Dante Alighieri
Guilherme Tell: Schiller
Quincas Borba: Machado de Assis
A filosofia da miséria: PROUDHON, P-J.
I will chide no breather in the world but myself,
against whom I know most faults.
Morro do Livramento |
Na hora certa, o amor dá certo!
A dor que se dissimula dói mais.
Amo-te, é a vontade do céu!
O Mito: Carlos Drummond de Andrade
"Que bom que é estar triste e não dizer coisa alguma!"
(Shakespeare)
Ler Machado de Assis já é bom. Relê- lo, então, é extraordinário!
ResponderExcluirGostei! Ouvir Drummond, então !
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