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8 de janeiro de 2017

Sinopse de "A tradutora: Cristóvão Tezza" por Evandro





“A tradutora” de Cristóvão Tezza é uma história que se passa em três dias. Três dias tem uma simbologia interessante, pode significar um tempo insuportavelmente longo, agônico, e parece que é isso que acontece com Beatriz, balzaquiana à beira de um ataque de nervos, que mostra viver uma eternidade nesses três dias de experiências pessoais: um namorado a assedia moralmente, ela paquera um outro que lhe pediu um trabalho de tradução que sinaliza a nova onda conservadora mundial e fica com um alemão que a tinha contratado profissionalmente como intérprete durante sua estada em Curitiba para fiscalizar as obras da Arena da Baixada para a Copa do Mundo do Brasil. Ou seja, três amantes cada qual com seus tormentos específicos. E ainda, ela anda dura de grana e de onde vem a grana pode vir também o envolvimento pessoal, por que não?

“O sexo, finalmente, perdeu o mistério e o segredo, ela poderia dizer agora, eu estou madura, o sexo é apenas mais uma variável da vida e não está necessariamente atrelado a nada - apenas ao desejo, esta coisa volátil, venenosa e infiel.”

Sob pressão, é nessa hora que conhecemos as pessoas e, se for possível, brandimos a afiada arma da sedução nas entrelinhas das interações sociais, “o querer e o não querer abraçados” para ver o que acontece, que mal há nisso? Se no fim todos os relacionamentos estão fadados ao fracasso, por que não escapar de si mesmo, flanar baudelarianamente em seu próprio desejo e experimentar o sabor variado que vem dos prazeres desconhecidos e oportunos que se nos apresentam como por uma Abluftöffnung, porque ninguém é de ferro, não é mesmo?

Pero no hay coartada para la vida, Beatriz precisa pagar as contas e cada novo trabalho também lhe oferece a possibilidade de encontrar o anjo priápico da vez, tendo sempre o cuidado de nunca dar aquele pequeno passo que torna as coisas irreversíveis. Dies ist wichtig! Jantares aconchegantes, atenção a todas as pessoas do círculo social do alemão sem, contudo, deter-se em nenhuma em particular para cumprir profissionalmente seu trabalho, ao menos nesse quesito, guardando pra si mesmo a perversidade secreta de todo cerimonial do mundo dos negócios.

Não foi a primeira vez que li Cristóvão Tezza no Clube de Leitura Icaraí. Também lemos “O filho eterno” e lembro-me que fiquei chocado com o contundente relato do pai da criança com trissomia do cromossomo 21. Sete anos depois estou de volta com a leitura deste escritor que me revelou o significado da lumpem paternidade, dessa vez com a expectativa de que a leitura fosse mais light, uma umbanda literária, porque chega de querer brigar com as forças do mundo. Mas não foi isso que aconteceu. O mundo mergulhou num conservadorismo que não se via desde há muito. Parece mais uma premonição do escritor que traduziu na época o que viria a ser o Brasil e o mundo depois da Copa: impeachment, ministros desastrados, massacres, atropelamentos, Donald Trump, e vitória da direita partout. Mais tempos sombrios à vista. Ça y est!

2 comentários:

  1. Voilà! Aceitei o desafio! Tô no páreo!

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  2. Gostei muito da sua leitura e da resenha! Isso é o legal! Cada leitor com um olhar e uma interpretação!

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