"Para quê carregar essa nossa curta existência com despedidas? Ninguém sabe despedir-se de nada — não inventámos a eternidade para evitarmos as despedidas?" |
Nem imaginas como odeio as pessoas que me
garantem, com música de elevador na voz, que é bom
manter o desejo, a raiva, a vontade, que bom, a questão é
canalizar positivamente tudo isso. Odeio-os, a esses conselheiros
bondosos e às suas teorias do positivo e à auréola
de tolerância que lhes envolve a garganta quando me incitam
a que desabafe, que desabafar faz bem. Querem que
além de cega seja santa, eruditamente santa, socialmente
santa, que me porte bem, que aceite o carinho empenado
pela piedade que têm para me oferecer.
« Notável filosofia é a dos nossos olhos no chorar e não chorar. Se choramos, o nosso ver foi a causa ; e se não choramos, o nosso ver é o impedimento. Como estes nossos olhos são as portas do ver e do chorar, encontram-se nestas portas as lágrimas com as vistas ; as vistas para entrar, as lágrimas para sair. E porque as lágrimas são mais grossas, e as vistas mais subtis, entram de tropel as vistas, e não podem sair as lágrimas. Vistes já nas barras do mar, encontrar-se a força da maré com as correntes dos rios; e porque o peso do mar é mais poderoso, vistes como as ondas entram, e os rios param ? Pois o mesmo passa nos nossos olhos. Todos os objectos deste mar imenso do mundo, e mais os que mais amamos, são as ondas, que umas sobre outras entram pelos nossos olhos; e ainda que as lágrimas dos mesmos olhos tenham tantas causas para sair, como o sentido do ver, pode mais que o sentido do chorar, vemos quando havíamos de chorar, e não choramos, porque não cessamos de ver. » Sermões de António Vieira
Pele, parte mais clara da alma
Em frente à varanda do nosso hotel está um homem sentado a ler, encostado a um cartaz que diz: «Vamos mudar o mundo». Dizes que não sabias que ainda se escreviam coisas destas. Ainda bem que se escrevem coisas destas, Sebastião. Que seria de nós sem a banalidade da utopia? Afirmas que os que querem mudar o mundo, assim de uma vez só, acabam inevitavelmente por o tornar pior. Digo-te que nem todos. Lembro-te outra vez António Vieira: mudar, aperfeiçoar, ter noção dos limites e das responsabilidades, viver em função do outro porque é no outro que somos melhores. Argumentas que isso é muito cristão. E muito comunista. E um bocadinho pedagógico. Repetes: Clara, Clara. Perguntas se não poderia eu deleitar-me com algo mais moderno. Decides que o Padre António Vieira, com os seus delírios de um Quinto Império, é uma figura de alucinado. Um doido. Digo-te que não há nada mais moderno que a loucura. Acrescento que essa tua fé no absoluto da ciência, essa convicção de que a vida pode ser entendida a partir do microscópio, também pode ser uma loucura. Ou uma fraqueza. Falas das intuições de António Vieira como de charlatanices, Sebastião, e isso é-me insuportável. O seu sonhado Quinto Império pode parecer-nos hoje muito datado, mas a forma como ele o descreve e o ideal que nele representa é muito mais vasto do que isso. A tua perspectiva puramente visual dá-me raiva, Sebastião.
A dor moderada solta as lágrimas, a grande as enxuga, as congela e as seca. Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor; por isso não chorava Demócrito; e como era pequena demonstração da sua dor não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria.
Nada digo que seja contrário aos princípios da verdadeira Filosofia e da experiência. A mesma causa, quando é moderada e quando é excessiva, produz efeitos contrários: a luz moderada faz ver, a excessiva faz cegar; a dor, que não é excessiva, rompe em vozes, a excessiva emudece. Desta sorte a tristeza, se é moderada, faz chorar; se é excessiva, pode fazer rir; no seu contrário temos o exemplo: a alegria excessiva faz chorar e não só destila as lágrimas dos corações delicados e brandos, mas ainda dos fortes e duros.
(Sermões: António Vieira)
"A verdade que vos digo é que no Maranhão não há verdade." (Pe. António Vieira)
Que Demócrito não risse eu o provo: Demócrito ria sempre; logo nunca ria. A conseqüência parece difícil, e é evidente. O riso, como dizem todos os filósofos, nasce da novidade e da admiração, e cessando a novidade, ou a admiração, cessa também o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o que é ordinário, e se vê sempre, não pode causar admiração nem novidade, segue-se que nunca ria rindo sempre, pois não havia matéria que lhe motivasse o riso.
O riso de Demócrito e as lágrimas de Heráclito |
A Bahia de Todos os Santos é a consciência das infinitas possibilidades combinatórias do mundo.
Sermões - António Vieira |
Francisco Chagas |
Amor que pode crescer não é amor perfeito |
Ser tão grande o amor, que não se possa pagar, é a maior glória de quem ama.
'A eternidade e o desejo é um livro excelente que li há uns 7 anos. O Globo publicou, em 02/07/2008, uma entrevista muito boa com Inez Pedrosa, a autora. A quem se interessar:
Deixo aqui, um belo trecho desse livro:
"Se eu tivesse olhos, Emanuel, poderia trair as imagens, poderia esquecê-las, acumulá-las, confundi-las. Não vendo, só te vejo a ti........A cegueira obriga-me a ver o que é meu. E o que vejo, no escuro desta corrida a que me agrilhoo na ilusão de uma escolha que já não tenho, é o veludo da tua pele, o ferro do teu corpo fundindo-se no meu." '
(Elenir)
O Amor Fino
O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.
Padre António Vieira, in "Sermões"
"A eternidade e o desejo" de Inês Pedrosa
- Um Antônio lhe falava da eternidade, o outro lhe falava do desejo enquanto Clara vivia o desejo como experiência da eternidade.
- "Dorme, Clara, deixa-me entrar nos teus sonhos, enxotar esses fantasmas que te desassossegam, varrer esses homens que não são dignos de beijar a fímbria do lençol onde os seus pés espreitam..." em "A eternidade e o desejo". Grande livro!
- Aspiramos a eternidade da juventude - o lugar mais rápido, inseguro e variável da existência humana.
- Com António, Clara descobre que o sexo pode ser muito mais que prazer, uma verdadeira antecâmara da eternidade.
"Gosto do arrepio da tua língua na minha nuca,
gosto que me digas quero mais quando creio já te ter dado tudo.
Gosto das palavras obscenas que inventamos juntos,
feitas de restos de barcos e impérios."
O cadáver da Inquisição ainda revolve a terra em que pretendemos tê-lo enterrado.
Só justifica quem perde.
Lindo texto, Evandro. Eis minha resposta
ResponderExcluirNo início, quase todo amor é fino.
Espontâneo, nasce com ou sem sementes.
De ininteligível passa à percepção
e aí é que se interessa.
Outros amores vem pelo meio
e aí brotam da gratidão.
Uns crescem e confundem-se.
Perdem-se entre a ‘obrigação’ e o ‘interesse’.
São duplos.
Há ainda os que começam pelo fim.
São porque são.
Não necessitam de recíproca nem de resposta.
Bastam-se, sem caberem em si.
A clareza, a limpidez do Padre António Vieira são impressionantes. É imprescindível lê-lo e estudá-lo. Aprende-se sobre o idioma, sobre as relações interpessoais, a religião. Muitas coisas estão presentes em Vieira. Fica-se até mais esperto com ele.
ResponderExcluirBelo texto apresentado pelo concierge. Bela resposta da Rita.
Carlos Rosa.
Ótimos e belos comentários!
ResponderExcluirOs desejos, no seu tempo, ardem à flor da pele, mas como foi bem lembrado por Elenir, entramos no Outono e não apenas as folhas, também as flores e os desejos secam nessa estação.
ResponderExcluirMargot