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5 de junho de 2016

"Viver para Contar" - Gabriel García Márquez




Só quem viveu a reunião do dia 11 de março pode contar o quanto foi animada. Devido ao Carnaval, o encontro, regado a champanhe e caju, ocorreu excepcionalmente na segunda sexta-feira do mês. A proximidade da festa não reduziu o número de presentes. Pelo contrário. Tivemos novos participantes e mais de um deles compartilharam estórias similares de que realizavam o desejo que há tempos tinham de ir aos encontros do Clube de Leitura. Também, como prova de que este clube tem história, tivemos o bem vindo retorno de um freqüentador da fase Ver & Dicto.

Participei ontem pela primeira vez do grupo e gostei mais do que imaginava............
senti um encantamento, apenas pelo fato de estar numa discussão sobre um livro lido por diversas pessoas interessadas em trocar idéias, não somente sobre o conteúdo literário, mas também sobre as emoções e lembranças suscitadas com a leitura.
Este sentimento me fez perceber como minha paixão pela leitura tem sido absolutamente solitária, pois raramente tenho com quem trocar idéias sobre um livro...às vezes tento estimular comentando sobre algo que li, mas não são muitas as pessoas que eu conheço que encontram na leitura o prazer que me fascina e acabo preferindo manter somente pra mim este meu pequeno prazer........
Acordei me perguntando porque demorei tanto tempo para participar do grupo.......

Também tive a mesma sensação que você sentiu. Cheguei a escrever na época exatamente o que você escreveu, que eu era um leitor solitário. E o Clube tornou-se uma experiência enriquecedora para mim, minhas leituras nunca mais foram as mesmas.

"Viver para Contar" despertou nos leitores lembranças mil, entre elas a percepção tantas vezes manifestada em nossas reuniões das conexões existentes entre passagens e temas abordados nos diferentes livros lidos, que nos fazem pensar que até "parece que não lemos um livro, mas que continuamos a ler todos os livros que já lemos a partir destas conexões". Para citar apenas associações com leituras recentes, temos a referência à guerra da Coreia, como em "Indignação" de Philip Roth, a participação de jovens  colombianos nessa guerra, a volta de alguns e a morte de tantos outros. Destacamos a frase da pág. 456/457 quando o autor conta que “não houve lágrimas suficientes para os incontáveis que regressaram transformados em mil quilos de cinzas.” Outros destinos para diferentes Marcus Mesners, que se não tombaram em batalha, voltaram para perderem o rumo na vida, como o jovem que declara no tribunal que não entendia por que podia matar 100 na Coreia e não poderia matar 10 em Bogotá.





"Com tantos anos vividos
tenho muito pra contar.
E fatos quase esquecidos
vêm, hoje, me iluminar."






Outro livro "conectado" seria Ulisses, de James Joyce ("um tijolão assustador" – pag. 241) :
"... o Ulisses de James Joyce, que li aos pedaços e tropeços até que minha paciência acabou. Foi uma temeridade prematura. Anos depois, já adulto e domado, me dei ao trabalho de relê-lo a sério, e não apenas foi o descobrimento de um mundo próprio que jamais suspeitei existir dentro de mim, mas também uma ajuda técnica incalculável para a liberdade da linguagem, o manejo do tempo e as estruturas dos meus livros".
Ulisses está sendo lido por um subgrupo do Clube, interessados na leitura dos clássicos em ritmo mais lento que as leituras mensais.

E mais um, "A Menina que Roubava Livros", de Markus Zusak, é lembrado quando Gabito xereta os livros de um companheiro de viagem e vê "O sósia", de Dostoievski (pag. 173) confessando que tentou roubá-lo de uma livraria de Barranquilla e não conseguiu. Salvar livros da fogueira é um ato mais louvável, não há dúvida, o que fez Liesel impressionar até mesmo a indesejável das gentes.

A escolha de "Viver para Contar" havia sido posta em questão já no encontro de fevereiro por se tratar de uma biografia, o que supostamente não seria apreciado por muitos do grupo, por destoar de uma também suposta ‘vocação’ de leitura. No encontro de março, alguns participantes mostraram, de fato, desagrado quanto ao estilo de leitura, alegando a preferência por romances ficcionais. Contudo, grande parte dos presentes se manifestou positivamente em relação à escolha da obra. Uma participante declarou ter interrompido a leitura de "Viver para Contar" anos atrás, de forma que a escolha do Clube serviu-lhe como boa oportunidade para tentar novamente, o que foi feito com novos olhos.

Sendo um livro de memórias, por analogia, feito uma madeleine proustiana, "Viver para Contar" nos remeteu boas lembranças de um passado também envolto por quintais com goiabeiras e cajueiros.

"...a nossa infância, a cheiros de pomares, quintais, doces de goiaba sendo feitos no fogão de lenha, a vertigens que nos salvam dos varais nas janelas que mancham a paisagem de nossos horizontes.

Varais nas janelas,
hoje, mancham a paisagem.
Já não há quintais!

Que bom que o concreto que toma conta da cidade não tenha demolido em nós os quintais de nossa infância!


Goiaba macia,cheirosa...
Goiabas de minha infância,
goiabas de meu quintal!...
Fogão à lenha, tacho de cobre,
colher de pau.
Minha mãe preparando saudosa
a sobremesa gostosa do jantar
de sexta-feira.
Meu pai iria voltar.
"

O conhecimento da biografia de Gabriel Garcia Márquez fez com que nos encantássemos e passássemos a admirar a pessoa do autor, nomeado por alguns de "grande homem".



"A poesia é a única prova concreta da existência do homem."


4 comentários:

  1. ... e emaranhadas num crivo
    sua história, a geografia...
    ... mas se você fosse um livro
    que livro você seria?
    (Ilnéa)

    Abraço,
    I

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  2. Gabo nos enganou com este pretenso livro de memórias. Há romance, conto e crônica, tudo junto e misturado neste belo livro de G.G.Marquez. E o texto sobre Viver para contar ficou ótimo. A diagramação dos tópicos com textos e imagens, dá um toque elegante ao blog. Parabéns.

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  3. Maravilhosa a popstagem de Viver para contar. A idéia de fugir da simples resenha, e incluir a contribuição dos Clic-leitores na composição do texto, torna - de fato - o Clube de Leitura Icaraí, bastante democrático. Parabéns!

    Clic-leitor, Antonio Rodrigues

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  4. "Não existe futuro sem um passado porque o que vai acontecer não pode ser imaginado exceto na forma da repetição." (Siri Hustvedt)

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